O cavaquinho dá o tom: é um ré menor. O pandeiro entra, juntamente com o tamborim e o agogô. Quando o samba vai repetir o verso, o 7 cordas capricha na baixaria e o surdo entra na marcação. A cuíca que estava de espreita, só esperando sua hora, começa a gemer. O ganzá vibra enquanto o prato e a faca seguem na levada.
O ritmo é bom, é redondinho. Mas esta faltando alguém: o violão. Pobre violão. Brigou com o cavaquinho e decidiu não entrar mais no samba. O motivo: ciúmes do sete cordas. Viu que o cavaquinho estava muito cheio de entrosamento com as baixarias em ré menor. Depois que descobriu o 7 cordas, o cavaquinho só queria saber de brincar com o mais novo amigo. O antigo parceiro, companheiro de tantas histórias, ficou relegado a ser um mero coadjuvante. O violão, que antes era idolatrado, assediado por todos, teve que se contentar em segurar a melodia.
E não era só o violão que estava ausente: alguém percebeu que o repique de anel e o reco-reco de bambu ainda não haviam chegado. Em compensação, o reco-reco de metal estava lá. E como o samba não pode parar, o ganzá, que estava meio arredio, entrou no refrão. Ele estava invocado. Não era só ele. O pandeiro também estava muito bravo. Desconfiavam seriamente que o reco-reco de metal tinha armado uma cilada aos dois comparsas, o repique de anel e o reco-reco de bambu.
Tudo começou no samba da noite anterior. O reco-reco de metal não pôde participar da roda, já que o reco-reco de bambu era mais educado, não falava pelos cotovelos e nem ficava gritando. A verdade era que o ganzá e o pandeiro tinham simpatia apenas pelo reco-reco de bambu. Este chegava na humildade, não atravessava ninguém. Não gostava de aparecer, não gostava de soar mais alto que ninguém. Já o reco-reco de metal era mais barulhento, mais chegado a desfiles de escola samba. Lá era seu reduto, não o terreiro.
Por diversas vezes, o reco-reco de metal foi barrado na porta do terreiro. A desculpa era sempre a de que já havia outro reco-reco na roda. Como se sentia muito desprestigiado, chamou toda sua gangue, a bateria da escola de samba, para fazer uma emboscada. Queria dar fim no reco-reco de bambu, seu arqui-rival, e no repique de anel. Mas por que o repique de anel estava na lista negra do maldoso reco-reco de metal?
Esta rixa com o repique era antiga. Muitos anos atrás, o reco-reco de metal teve um caso com uma cuíca da escola de samba. Era uma cuíca super afinadinha, uma graça. Foi nos ensaios, na quadra da escola, que começou o caso. Foi um romance tórrido. Mas aí aconteceu uma coisa que o reco-reco de metal não esperava: a cuíca se desentendeu com o cavaquinho puxador. Logo com o cavaquinho puxador, o dono da escola. Resultado: a cuíca foi expulsa e acabou indo parar num terreiro. Neste terreiro, se envolveu com o repique de anel.
Por isso, o reco-reco de metal estava louco. Além de não poder entrar no terreiro (por causa do outro reco-reco), ainda viu seu grande amor se envolver com o repique de anel. Aquilo foi a gota d’água.
Voltemos a fatídica noite da emboscada. Findado o samba, o reco-reco de bambu estava indo para casa quando foi abordado por vinte e cinco tamborins com sangue nos olhos. Quando tentou fugir, foi espancado e amarrado. Já o repique foi cercado por um bando de surdos mal-encarados e nem tentou reação. Foi levado ao cativeiro.
Todos estranharam quando, no samba do dia seguinte, o repique e o reco-reco de bambu não apareceram. Mais estranho ainda foi a presença do reco-reco de metal. Desta vez ele não quis nem saber. Justificou que faltavam dois instrumentos e que sua presença era aceitável. A cuíca ficou meio sem graça ao rever o reco-reco de metal. Afinal, abandonou o seu antigo amor para ficar com o repique.
O samba não ficou muito bom. Todos estavam muito incomodados com o reco-reco de metal (menos o violão, que estava encostado num canto, deprimido). Ele atravessava todo mundo com a potência de seu som. Além disso, estava meio descontrolado, tinha tomado umas e outras. Quem mais ficou bravo foi o pandeiro e o ganzá. Eles eram os maiores prejudicados já que o som do reco-reco de metal os abafava.
O clima ficou tenso. O samba acabou mais cedo. O 7 cordas foi com o cavaquinho para uma roda de choro, queriam esquecer o incidente. Já os outros estavam com os nervos à flor da pele. Sabiam da rixa do reco-reco de metal com o reco-reco de bambu e sabiam que a cuíca trocou o reco-reco de metal pelo repique de anel.
O surdo já estava quase partindo para cima do reco-reco de metal quando a turma do deixa-disso o afastou. O atabaque acabou convencendo a todos os batuques para irem a um terreiro de macumba. Lá eles conversariam mais calmamente.
Depois de muito pensarem no que fazer, o surdo teve uma idéia: ele conhecia o cavaquinho puxador da escola de samba. Iria pedir para ele (que conhecia bem os seqüestradores) ajudar na investigação.
O reco-reco de bambu e o repique de anel eram muito queridos na roda. Estavam sempre contagiando a todos com sua alegria. Sem eles, não havia clima para a roda prosseguir. Além disso, a eterna melancolia do violão já começava a preocupar.
Mais um dia se passou e lá veio o reco-reco de metal, com um baita sorriso. Recebeu de volta olhares fulminantes. O samba estava suspenso até que os dois amigos fossem encontrados. O vilão da história não estava nem aí. Foi embora rindo, crente que iria conquistar o coração da cuíca novamente. Porém, ela estava morrendo de raiva dele.
Ao chegar na escola de samba, dando risada, o reco-reco foi enquadrado pelo cavaquinho puxador. Ele disse: "Ó, é o seguinte: tô ligado na sua, sei do seu proceder errado. Meus amigos lá do terreiro disseram que você é o culpado pelo desaparecimento dos chegados deles". O reco-reco tremeu na base. Se havia alguém que ele respeitava, era este cavaco. O puxador prosseguiu: "Se você quiser continuar tocando, libera os malucos. Se não, vai acabar no ferro-velho". Ele, então, aceitou liberar os prisioneiros.
À noite, após muita negociação, os dois instrumentos foram libertados, não estavam entendendo nada. Viram a cara de arrependimento do reco-reco de metal e o perdoaram. Voltaram para o terreiro e o reco-reco de metal voltou para o ensaio geral.
Triste por não poder fazer samba de terreiro e por ficar sem seu amor, mas feliz por ter sido perdoado, o reco-reco de metal se entregou de corpo e alma à escola de samba. Mas não esqueceu seu grande amor. Morreu de desilusão.
No terreiro, tudo voltava ao normal: o reco-reco de bambu estava de volta dando sua graça, o romance da cuíca com o repique pôde prosseguir e o ganzá e o pandeiro já não estavam sendo atravessados. Mas o violão ainda estava triste. E era ruim ter alguém triste na roda.
Todos os instrumentos se reuniram e tiveram uma idéia: o 7 cordas e o cavaquinho iriam levá-lo para uma roda de choro. Lá, iriam apresentar o violão para a flauta, que já era afim do violão há tempos.
O violão foi e, quando viu a bela flauta de prata, se apaixonou. Não saiu do choro nunca mais. E o casamento se deu em grande estilo: muito samba e choro, com todos caprichando. E mais uma vez a roda trouxe alegria e prazer.
O ritmo é bom, é redondinho. Mas esta faltando alguém: o violão. Pobre violão. Brigou com o cavaquinho e decidiu não entrar mais no samba. O motivo: ciúmes do sete cordas. Viu que o cavaquinho estava muito cheio de entrosamento com as baixarias em ré menor. Depois que descobriu o 7 cordas, o cavaquinho só queria saber de brincar com o mais novo amigo. O antigo parceiro, companheiro de tantas histórias, ficou relegado a ser um mero coadjuvante. O violão, que antes era idolatrado, assediado por todos, teve que se contentar em segurar a melodia.
E não era só o violão que estava ausente: alguém percebeu que o repique de anel e o reco-reco de bambu ainda não haviam chegado. Em compensação, o reco-reco de metal estava lá. E como o samba não pode parar, o ganzá, que estava meio arredio, entrou no refrão. Ele estava invocado. Não era só ele. O pandeiro também estava muito bravo. Desconfiavam seriamente que o reco-reco de metal tinha armado uma cilada aos dois comparsas, o repique de anel e o reco-reco de bambu.
Tudo começou no samba da noite anterior. O reco-reco de metal não pôde participar da roda, já que o reco-reco de bambu era mais educado, não falava pelos cotovelos e nem ficava gritando. A verdade era que o ganzá e o pandeiro tinham simpatia apenas pelo reco-reco de bambu. Este chegava na humildade, não atravessava ninguém. Não gostava de aparecer, não gostava de soar mais alto que ninguém. Já o reco-reco de metal era mais barulhento, mais chegado a desfiles de escola samba. Lá era seu reduto, não o terreiro.
Por diversas vezes, o reco-reco de metal foi barrado na porta do terreiro. A desculpa era sempre a de que já havia outro reco-reco na roda. Como se sentia muito desprestigiado, chamou toda sua gangue, a bateria da escola de samba, para fazer uma emboscada. Queria dar fim no reco-reco de bambu, seu arqui-rival, e no repique de anel. Mas por que o repique de anel estava na lista negra do maldoso reco-reco de metal?
Esta rixa com o repique era antiga. Muitos anos atrás, o reco-reco de metal teve um caso com uma cuíca da escola de samba. Era uma cuíca super afinadinha, uma graça. Foi nos ensaios, na quadra da escola, que começou o caso. Foi um romance tórrido. Mas aí aconteceu uma coisa que o reco-reco de metal não esperava: a cuíca se desentendeu com o cavaquinho puxador. Logo com o cavaquinho puxador, o dono da escola. Resultado: a cuíca foi expulsa e acabou indo parar num terreiro. Neste terreiro, se envolveu com o repique de anel.
Por isso, o reco-reco de metal estava louco. Além de não poder entrar no terreiro (por causa do outro reco-reco), ainda viu seu grande amor se envolver com o repique de anel. Aquilo foi a gota d’água.
Voltemos a fatídica noite da emboscada. Findado o samba, o reco-reco de bambu estava indo para casa quando foi abordado por vinte e cinco tamborins com sangue nos olhos. Quando tentou fugir, foi espancado e amarrado. Já o repique foi cercado por um bando de surdos mal-encarados e nem tentou reação. Foi levado ao cativeiro.
Todos estranharam quando, no samba do dia seguinte, o repique e o reco-reco de bambu não apareceram. Mais estranho ainda foi a presença do reco-reco de metal. Desta vez ele não quis nem saber. Justificou que faltavam dois instrumentos e que sua presença era aceitável. A cuíca ficou meio sem graça ao rever o reco-reco de metal. Afinal, abandonou o seu antigo amor para ficar com o repique.
O samba não ficou muito bom. Todos estavam muito incomodados com o reco-reco de metal (menos o violão, que estava encostado num canto, deprimido). Ele atravessava todo mundo com a potência de seu som. Além disso, estava meio descontrolado, tinha tomado umas e outras. Quem mais ficou bravo foi o pandeiro e o ganzá. Eles eram os maiores prejudicados já que o som do reco-reco de metal os abafava.
O clima ficou tenso. O samba acabou mais cedo. O 7 cordas foi com o cavaquinho para uma roda de choro, queriam esquecer o incidente. Já os outros estavam com os nervos à flor da pele. Sabiam da rixa do reco-reco de metal com o reco-reco de bambu e sabiam que a cuíca trocou o reco-reco de metal pelo repique de anel.
O surdo já estava quase partindo para cima do reco-reco de metal quando a turma do deixa-disso o afastou. O atabaque acabou convencendo a todos os batuques para irem a um terreiro de macumba. Lá eles conversariam mais calmamente.
Depois de muito pensarem no que fazer, o surdo teve uma idéia: ele conhecia o cavaquinho puxador da escola de samba. Iria pedir para ele (que conhecia bem os seqüestradores) ajudar na investigação.
O reco-reco de bambu e o repique de anel eram muito queridos na roda. Estavam sempre contagiando a todos com sua alegria. Sem eles, não havia clima para a roda prosseguir. Além disso, a eterna melancolia do violão já começava a preocupar.
Mais um dia se passou e lá veio o reco-reco de metal, com um baita sorriso. Recebeu de volta olhares fulminantes. O samba estava suspenso até que os dois amigos fossem encontrados. O vilão da história não estava nem aí. Foi embora rindo, crente que iria conquistar o coração da cuíca novamente. Porém, ela estava morrendo de raiva dele.
Ao chegar na escola de samba, dando risada, o reco-reco foi enquadrado pelo cavaquinho puxador. Ele disse: "Ó, é o seguinte: tô ligado na sua, sei do seu proceder errado. Meus amigos lá do terreiro disseram que você é o culpado pelo desaparecimento dos chegados deles". O reco-reco tremeu na base. Se havia alguém que ele respeitava, era este cavaco. O puxador prosseguiu: "Se você quiser continuar tocando, libera os malucos. Se não, vai acabar no ferro-velho". Ele, então, aceitou liberar os prisioneiros.
À noite, após muita negociação, os dois instrumentos foram libertados, não estavam entendendo nada. Viram a cara de arrependimento do reco-reco de metal e o perdoaram. Voltaram para o terreiro e o reco-reco de metal voltou para o ensaio geral.
Triste por não poder fazer samba de terreiro e por ficar sem seu amor, mas feliz por ter sido perdoado, o reco-reco de metal se entregou de corpo e alma à escola de samba. Mas não esqueceu seu grande amor. Morreu de desilusão.
No terreiro, tudo voltava ao normal: o reco-reco de bambu estava de volta dando sua graça, o romance da cuíca com o repique pôde prosseguir e o ganzá e o pandeiro já não estavam sendo atravessados. Mas o violão ainda estava triste. E era ruim ter alguém triste na roda.
Todos os instrumentos se reuniram e tiveram uma idéia: o 7 cordas e o cavaquinho iriam levá-lo para uma roda de choro. Lá, iriam apresentar o violão para a flauta, que já era afim do violão há tempos.
O violão foi e, quando viu a bela flauta de prata, se apaixonou. Não saiu do choro nunca mais. E o casamento se deu em grande estilo: muito samba e choro, com todos caprichando. E mais uma vez a roda trouxe alegria e prazer.
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