26 de novembro de 2007

Inimigos do Batente convidam Oswaldinho da Cuíca


Se tem alguém que pode ser chamado de “Enciclopédia do samba paulista”, esse alguém se chama Oswaldinho da Cuíca. Aos 67 anos, ele vive o samba em sua essência desde menino. Em suas apresentações, ele sempre conta um pouco de como o samba da Paulicéia era antigamente.

Sempre que pode, também toca frigideira e outros instrumentos que já não mais estão presentes nas rodas de samba de hoje em dia. E como seu nome sugere, domina como poucos a arte de tocar cuíca (fazendo inclusive solos impressionantes que eu nunca vi nenhum outro cuiqueiro fazer). E pra não deixar de registrar, foi o primeiro paulista a ser agraciado com o título de Cidadão-Samba.

Outros dados interessantes de sua carreira:

- Foi fundador da Ala dos Compositores da Vai-Vai

- Trabalhou em shows e tocou em gravações de nomes como Cartola, Adoniran Barbosa, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Elizeth Cardoso, Vinicius de Moraes, Gal Costa, entre outros.

- Formou o Trio Canela com Jair do Cavaquinho e Osmar do Cavaco, grandes sambistas da Portela.

E é esse sambista do mais alto gabarito que será o próximo homenageado-convidado dos Inimigos do Batente no Projeto Anhanguera dá Samba. Imperdível

Inimigos do Batente convidam Oswaldinho da Cuíca

Local: Clube Anhangüera

Endereço: Rua dos Italianos nº1261 – Bom Retiro – São Paulo - SP

Data: 30/11

Horário: a partir de 22h

Ingressos: R$ 10,00 + um agasalho ou alimento não-perecível para doação a entidades assistenciais do bairro

Como chegar: Marginal Tietê (sentido Penha), passando a Ponte da Casa Verde, terceira rua à direita, primeira à esquerda e novamente primeira à esquerda.

22 de novembro de 2007

Carta à Portela


Este é mais um documento histórico do samba e da Portela (retirado mais uma vez do site oficial da Azul e Branco). No dia 11 de março de 1975, Candeia, André Motta Lima, Carlos Sabóia Monte, Cláudio Pinheiro e Paulinho da Viola encaminharam este documento ao presidente Carlos Teixeira Martins.

Demontravam, assim, que não aceitavam que a Portela tomasse o rumo da descaracterização que transformou as escolas de samba em "Escolas de Samba S.A". Infelizmente foi em vão...


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À
Diretoria do GRES PORTELA
Rua Arruda Câmara, 81
Madureira – GB

At.: Sr. Carlos Teixeira Martins


Prezados Senhores:

Com o intuito de prestar uma colaboração efetiva à Portela e, de acordo com a solicitação feita pela Presidência, vêm os signatários desta apresentar suas considerações, que julgam válidas, para o necessário aperfeiçoamento das atividades e desempenho de nossa Escola.

O que expomos, no documento anexo, não é o pensamento isolado de qualquer um de nós. É, precisamente, a opinião do grupo que, em discussão franca e aberta, predominou sobre eventual ponto de vista particular. Assumimos, pois, inteira responsabilidade pelas opiniões emitidas.

Em nosso documento procuramos focalizar os aspectos que, pela sua importância dentro da Escola e pelas implicações que possuem com os desfiles de carnaval, devem merecer prioridade no conjunto de providências que, acreditamos, deverão ser tomadas a fim de que a Portela reassuma a posição de liderança que sempre foi sua, por direito e tradição, no cenário do samba e da nossa cultura popular.

Cada um de nós possui uma experiência no trato dos problemas da Portela, muito através do convívio direto com os componentes da Escola. Foi exatamente essa experiência que, aliada aos conceitos, de que comungamos, de respeito ao samba e às nossas tradições que, de uma forma geral, conduziu nossas opiniões.

Acreditamos que os insucessos que vêm ocorrendo com a nossa Portela têm suas razões principais dentro da própria Escola.

Acreditamos que a solução dos nossos problemas depende exclusivamente de nós.

Atenciosamente,

André Motta Lima
Antônio Candeia Filho
Carlos Sabóia Monte
Cláudio Pinheiro
Paulo César Batista de Faria

1 - INTRODUÇÃO

Escola de samba é Povo em sua manifestação mais autêntica!

Quando se submete às influências externas, a escola de samba deixa de representar a cultura do nosso povo.

Se hoje em dia são unânimes opinião e posição contrárias da imprensa em relação à Portela, é porque a Portela, apesar de sua tradição de glória, se deixou descaracterizar pelas interferências de fora. Aceitou passivamente as idéias de um movimento que, sob o pretexto de buscar a evolução, acabou submetendo o samba aos desejos e anseios das pessoas que nada tinham a ver com o samba.

Durante a década de sessenta, o que se viu foi a passagem de pessoas de fora, sem identificação com o samba, para dentro das escolas. O sambista, a princípio, entendeu isso como uma vitória do samba, antes desprezado e até perseguido. O sambista não notou que essas pessoas não estavam na escola para prestigiar o samba. E aí as escolas de samba começaram a mudar. Dentro da escola, o sambista passou a fazer tudo para agradar essas pessoas que chegavam. Com o tempo, o sambista acabou fazendo a mesma coisa com o desfile.

Essas influências externas sobre as escolas de samba provêm de pessoas que não estão integradas no dia-a-dia das escolas. E por não serem partes integrantes dessa cultura popular, que evolui naturalmente, são capazes de se deixar envolver pelo desejo de rápidas e contínuas modificações, que atendam a sua expectativa de sempre ver ‘novidades’. A despeito de algumas boas contribuições deixadas por pessoas que agiam sem interesses pessoais, e pensando no samba, a maior parte dos palpites tratava de submeter as escolas ao capricho dos intrusos. Começou a existir um clima de mudanças baseado no que as pessoas gostariam de ver e isso tudo levou às deturpações e defeitos que tanto atrapalham as escolas de samba, em todos os seus setores.

Atualmente já se notam reações generalizadas contra as apresentações de escolas afastadas da autenticidade. Essas reações estão concentradas, em grande parte, em pessoas capazes de conduzir a opinião pública. São as mesmas que anteriormente divulgavam a ‘novidade’ de cada ano; e o que fosse divulgado e falado como certo, fosse o que fosse, era aceito por todos. Pois essas pessoas esperam agora uma reação contra as deturpações do samba.

Consideramos que este é o momento de fazer a única evolução possível, com o pensamento voltado para a própria escola. Ou seja, corrigindo o que vem atrapalhando os desfiles da Portela, que tem confundido simples modificações com evolução. É preciso ficar claro que nem tudo que vemos pela primeira vez é novo.

E que o novo, que pode servir a uma escola, num determinado momento, pode não servir a outra.

A Portela adotou a Águia porque era o símbolo do que voa mais alto, acima de todos. E, inatingível, a Portela nunca imitava nada dos outros. Sempre criava. Hoje, o que a Portela está fazendo é procurar copiar o que se pensa que está dando certo em outras escolas.

Voltando a olhar o samba por si mesma, a Portela voltará a ter os valores imprescindíveis, que tanto serviram para afirmar sua glória. Enganam-se os que pensam ser impossível recobrar esses valores.

Esses valores foram capazes de fazer com que todos aguardassem a nossa escola com a expectativa de que veriam alguma coisa original. E o original, no momento, é ser fiel às origens. A Portela é a mais acusada quando se criticam deturpações no samba. É necessário ouvir toda a escola.

CRÍTICAS QUE JULGAMOS CONSTRUTIVAS

2.1 - A centralização se tornou demasiada na Portela. As diretorias, de algum tempo para cá, passaram a não mais ouvir as solicitações do componente, nem procurar explicar a ele suas decisões. A organização do Carnaval passou a ficar a cargo de poucas pessoas. Muita gente fica sem saber o que fazer. No desfile, isso se reflete no grande número de diretores responsáveis, que não sabem como agir.

2.2 - O gigantismo, sem dúvida, atrapalha a escola. Todos os setores são prejudicados por ele. É unânime a opinião de que a Portela cansa, porque ninguém agüenta ver um desfile arrastado. No entanto, o gigantismo é uma falha que decorre da própria escola e das influências externas que agem nefastamente sobre ela. Donos de alas conquistam seus figurantes, procurando agariá-los sem atender os verdadeiros interesses da Portela. Faltam medidas administrativas corajosas capazes de eliminar esse problema...

2.3 - O figurinista, ainda que famoso, precisa conhecer a Portela profundamente. Não adianta imaginar figurinos sem levar em conta os componentes da escola. Como resultante, as fantasias têm sido confeccionadas em total desacordo com os figurinos apresentados. Algumas alas tomam a si a iniciativa de escolher suas próprias roupas, sem levar em conta o enredo e o figurino recebido e nenhuma medida punitiva ou preventiva é tomada pela diretoria.

2.4 -
Há anos gasta-se dinheiro para construir alegorias grandiosas. O resultado nunca é o esperado, porque o responsável pelo barracão não está integrado na escola. Os carros são pesados, difíceis de conduzir, quebram e prejudicam a escola. A partir de uma determinada época, generalizou-se a idéia de que a alegoria de mão era uma solução visual que emprestaria leveza e facilidade ao desfile. Na realidade, o que se vê é um obstáculo que não deixa sambar e tira a liberdade de expressão dos sambistas. As alegorias de mão, atualmente, atualmente, se constituem num recurso ilícito para valorizar a participação de alas que não sabem sambar. E, além disso, as alegorias, de mão ou de carro, não podem ser olhadas separadamente como um simples conjunto de julgamento. São antes de mais nada partes integrantes que devem ajudar a contar o enredo e valorizar o desfile da escola.

2.5 - Sob o pretexto de buscar uma comunicação mais imediata, a Portela vem restringindo a liberdade de criação de seus compositores. Além disso, os sambas de enredo vêm sendo escolhidos ao sabor de gostos pessoais e pressões comerciais.

2.6 - Os destaques, quando não constituem parte integrante do enredo, representam um obstáculo ao correto desfile da escola. Eles atrapalham na armação, dimensão e harmonia da escola, pois, invariavelmente, não cantam, separam e quebram a evolução da Portela. Alem disso, a Portela está cheia de destaques intrusos. O número excessivo de destaques na escola só faz prejudicar o bom desempenho da Portela na avenida.

2.7 - Não é possível continuarem os integrantes da escola sem acompanhar de perto tudo o que se passa na Portela. Não é possível que muitos saiam sem saber ao menos como se armar e se portar no desfile, e o que representam no enredo. Sem saber o quanto é importante a sua participação. Os componentes não têm consciência de que são eles a própria escola.

2.8 - A Portela tem deixado de lado seu papel de liderança no samba. A escola vem aceitando todas as contingências do regulamento, sem levar em conta não só seu papel inovador como a sua posição de contribuinte para a própria evolução do samba. Não podemos e nem devemos ficar a reboque de outras escolas, sem assumirmos nossa posição quanto ao destino das escolas de samba, independente de vantagens momentâneas que possamos aferir.

3 - NOSSAS SUGESTÕES


3.1 - Direção

A direção da escola precisa urgentemente separar suas atividades em dois setores: administrativo e carnavalesco.

O setor ‘administrativo’ funcionará na atual foram da diretoria, compreendendo seus atuais encargos acrescidos das tarefas de fortalecimento da organização e do patrimônio da escola, promovendo todas as demais atividades paralelas voltadas para o melhor atendimento dos portelenses (atividades culturais, recreativas e sociais).

O setor ‘carnavalesco’ englobará todas as atividades ligadas ao carnaval, sob a responsabilidade exclusiva de uma ‘comissão de carnaval’, formada com poderes efetivos para a elaboração de todo o planejamento e execução do Carnaval, seguindo um orçamento financeiro aprovado pelo setor administrativo.

A ligação entre o setor administrativo e a comissão de Carnaval será feita por um sistema de representação oficial que garantirá o vínculo e a uniformidade de ação dos dois setores.

O trabalho da comissão de Carnaval só terá efetivo valor para a Portela, se for realizado com a máxima liberdade, dentro de um relacionamento respeitoso e democrático com o setor administrativo da direção de escola.

Assim sendo, todos os encargos relacionados com o Carnaval só poderão ser desempenhados pela comissão, inclusive a divulgação do enredo.

Os componentes da comissão de Carnaval deverão ser selecionados dentre os elementos mais representativos e conhecedores da escola e suas características. Caberá à comissão de Carnaval indicar os diretores que terão responsabilidade direta sobre o desfile, que serão os únicos investidos de autoridade para agir junto à escola. Não serão permitidos diretores de alas que não estejam integrados em suas próprias alas.

3.2 - Gigantismo

Este problema será combatido com a adoção das seguintes medidas: proibição sumária de inscrição de novas alas na Portela; limitação do número de componentes em cada ala; eliminação de alas sem representatividade na Portela; estímulo à fusão de alas de pequeno contigente; criação de um regulamento para as alas que estabeleça, entre outras obrigações, o cadastramento das alas, o ingresso dos componentes no quadro social da Portela e a presença das alas nos ensaios com a bateria, segundo um programa a ser elaborado.

Estas medidas visam limitar o efetivo da escola a 2500 figurantes distribuídos por, no máximo, cinqüenta alas.

No processo de redução do efetivo da escola serão levados em consideração: antiguidade, obediência ao figurino e desempenho nos últimos anos.

3.3 - Fantasias

O figurinista escolhido pela comissão de Carnaval deverá ser obrigado a realizar um sério trabalho de pesquisa em torno do enredo, procurando adaptar a execução dos figurinos aos anseios dos componentes da Portela.

Se possível deverão ser recrutados auxiliares diretos do figurinista entre pessoas que pertençam á escola e que já tenham participado anteriormente de trabalhos desse gênero, capazes de refletir os gostos e desejos dos portelenses.

Para facilitar a fiel execução do figurino por parte das alas, será preparada uma fantasia modelo para cada ala, com indicação de tipos de tecido a serem usados, preços dos materiais e local onde poderão ser adquiridos.

A comissão de Carnaval ficará encarregada da fiscalização direta da confecção por parte das alas.

Deverá ser criado um grupo sob o comando de um representante da comissão de Carnaval, que disponha de amplos poderes para retirar da concentração pessoas estranhas à Portela vestindo fantasias não aprovadas pela comissão de Carnaval.

Esse grupo teria autoridade para controlar também as alas que desobedeçam ao critério de redução.

3.4 - Alegorias

É muito importante a escolha de um artista capaz de dar confecção leve, com material moderno, à concepção dos carros. O artista precisa estar integrado à escola, não criando isoladamente. E deve também formar um grupo egresso da própria escola, que irá ajudá-lo e será aprimorado por ele.

Os carros devem contar o enredo e terão seu número determinado de acordo com as reais necessidades do mesmo. Também as alegorias de mão terão seu número reduzido apenas ao imprescindível à ilustração do enredo.

Vale deixar clara nossa posição: alegorias como fantasias só têm razão de ser enquanto arte popular.

Como existe, por força de regulamento, o caráter de competição, a escola é obrigada a contratar artistas mas, deve, dentro do possível, limitar a criação dessas pessoas ao âmbito da cultura popular, que caracteriza a escola de samba. E lutar para quer, no futuro, integrantes da escola reúnam condições de fazer, eles mesmos, as alegorias e fantasias.

3.5 -
Samba enredo

É preciso urgentemente rever os conceitos criados a partir da idéia de que o samba curto é o mais comunicativo. É preciso dar total liberdade de criação ao compositor, quanto ao número de versos.

A escolha do samba de enredo será feita pela comissão de Carnaval, levando em consideração a opinião geral dos compositores e, também a opinião dos componentes da escola. Terá de ser definitivamente afastada a hipótese de se levar em conta torcidas e interesses na escolha do samba de enredo. A colocação em quadra deve ser útil para mostrar o andamento do samba e a sua adaptação à escola. E, em nenhuma hipótese, deve ser aceita a interferência de pessoas de fora da escola.

A responsabilidade da escolha e da definição dos sambas de enredo que irão para a quadra será exclusiva da comissão de Carnaval. Como norma que facilita e aprimora o contato entre os compositores, será obrigatório o mínimo de dois compositores para cada samba de enredo.

Mas nem só de samba de enredo vive uma escola. A atenção ao trabalho dos compositores anima e eleva a própria escola. Por isso, consideramos de grande valia a abertura de um concurso interno de sambas de terreiro interno, só de compositores filiados à Portela. O samba de terreiro deverá voltar a ser ensaiado no meio da quadra, com prospectos e sem bateria, para dar chance ao compositor de avaliar a reação de seu próprio samba.

Ainda para fortalecimento e levantamento de valores da escola, sugerimos um festival de partido alto, organizado pela Velha Guarda, com todas as implicações de desafio e samba no pé.

Será também importante proibir a entrada de novos compositores, condicionando a filiação á abertura de vagas na ala dos compositores.

Com sentido de melhor representar a escola, os compositores deverão organizar coros masculinos e feminino, com respectivos solistas, a fim de representar a escola em gravações e exibições. Os solistas serão também puxadores oficiais de samba da escola. Além dos coros, será formado um regional oficial.

3.6 - Destaques

O número de destaques precisa ser determinado a cada ano, para atender exclusivamente às reais necessidades do enredo, de acordo com critério da comissão de Carnaval. as pessoas que estão saindo de destaque, se não forem julgadas convenientes á escola, serão convidadas a sair em alas, exceção feita, naturalmente, aos destaques tradicionais da escola. Não deverão ser mais admitidos os destaques de ala.

3.7 - Participação de componentes

As alas, por força de regulamento acima citado, têm de se reunir com maior freqüência com a diretoria. Não só para resolver problemas de estrutura, como também para melhor entender o Carnaval que a escola quer mostrar.

Os diretores responsáveis pelas alas, além do aspecto de trabalho mais íntimo com os componentes, precisam se interessar pelo trabalho de orientação da escola a respeito da maneira mais correta de desfilar.

Para que sejam definidas as atitudes durante o desfile, sugerimos a efetivação de ensaios com alas, nos moldes do desfile (Ex.: sair pelas ruas com a bateria).

Também é importante a volta do autêntico ensaio geral, com a formação das alas em sua ordem de desfile.

Em ambos os casos, as alas precisam ser orientadas sobre a maneira de armar na avenida, evitando a postura do bloco – um vício que vem dos ‘bailes de Carnaval’ em que se transformaram os ensaios da escola.

Além da divulgação referente ao Carnaval, é preciso fortalecer os vínculos entre diretoria e componentes. Os componentes precisam participar mais de todas as atividades da escola. E para ajudar este processo sugerimos a imediata criação de um jornal interno da Portela, de um quadro de avisos na sede e também uma caixa de sugestões e críticas. O importante é que todos, sem distinção, tenham liberdade de opinião e possam se manifestar.

3.8 - Posição externa

A Portela precisa assumir posição em defesa do samba autêntico. Isso não significa um retorno à década de 1930, mas uma posição de autonomia e grandeza suficientes para só aceitar as evoluções coerentes com o engrandecimento da cultura popular. É preciso olhar o regulamento de desfile sob o ponto de vista do samba. É necessário que a Portela lidere um movimento que obrigue a existência de um critério de julgamento autêntico e preestabelecido pelas escolas de samba. A Portela, e as escolas de samba em geral, não podem mais ficar sujeitas ás vontades dos que vivem fora do dia-a-dia do samba.

4 -
CONCLUSÃO

Estamos certos de que as sugestões indicadas constituem a correta solução para os problemas da Portela.

Não nos movem intenções de cargos ou de prestígio pessoal.

Cremos ser necessárias mudanças de estrutura profunda, a cargo de pessoas certas para isso, que terão nosso irrestrito apoio.

Estamos dispostos a apoiar os que se proponham a realizar essas mudanças, que julgamos inadiáveis, e a colaborar na medida de nossas possibilidades, discutindo e aplicando as proposições.

Os signatários desse documento concordam inteiramente com os seus termos e se propõem à sua defesa em qualquer momento, em qualquer condição, a qualquer tempo.

Estamos dispostos à discussão e ao debate que resultem numa posição comum em defesa da autenticidade do samba e da nossa Portela.

16 de novembro de 2007

A vez dos cariocas

Chegou a hora dos cariocas conhecerem a excelente roda de samba do Terreiro Grande. Eles, juntamente com a Cristina Buarque, irão lançar o CD Terreiro Grande e Cristina Buarque ao vivo no próximo final de semana, em duas apresentações (leia rodas de samba).


Sábado, 24 de novembro, 15 h
Tia Leleta Bar (Bar do Zazur)
Entrada franca
Rua Dr. Lacerda, 18 (em frente a Telemar)
Ilha de Paquetá


Domingo, 25 de novembro, 17 h
Trapiche Gamboa
Couvert R$ 16 reais
Rua Sacadura Cabral, 155, Pça. Mauá
Rio de Janeiro

Segue um vídeo da apresentação deles no Teatro FECAP, em São Paulo. Trata-se da música Ingrata Solidão de Geraldo Babão.

11 de novembro de 2007

Um bate-papo com os bambas

Achei esta excelente reportagem do Correio Braziliense no site oficial da Portela, Trata-se de um importante documento do samba: uma conversa informal entre Candeia, Paulinho da Viola e Carlos Elias, sambistas da Portela que discutiam os rumos (que resultariam na triste realidade atual) que as escolas de samba estavam tomando já naquele ano de 1978.
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ESCOLAS DE SAMBA, CULTURA POPULAR (Correio Braziliense)
Domingo, 22 de janeiro de 1978.

As Escolas de Samba começaram a viver sua atual crise quando o sambista, para quem a Escola é uma casa, o único lugar onde ele pode se realizar totalmente, começou a perder a voz ativa, a iniciativa, sendo substituído por profissionais (cenógrafos (sic), coreógrafos, etc,) de classe média, que interferiram num processo de cultura popular altamente característico. O repórter João Bosco Rabello passou 10 dias no Rio e trouxe 20 horas de material gravado, resumidos nesta edição. O papo foi na casa de Candeia, pras bandas de Jacarepaguá. Muita cerveja e uma madrugada toda em claro. Presentes Paulinho da Viola, Carlos Elias e um gravador num canto da sala, esquecido, mas ligado, registrando fielmente o que foi dito. Participando da conversa, o jornalista do Rio Ruy Fabiano e João Bosco Rabello do Correio Braziliense, este último com exclusividade sobre o material. No fim, um saldo positivo: algo que vira um importante documento do samba.

O MOTIVO
Transformadas em centro de atenções do carnaval carioca, as escolas de samba atravessam a mais séria crise de sua história, iniciada em agosto de 1928, com a fundação de Deixa Falar, por um grupo de sambistas do Estácio. O que inicialmente era apenas uma comunidade com a finalidade única de cantar sambas e brincar os carnavais, uma forma barata de diversão, acabou envolvida com o crescimento da cidade, pela indústria do turismo e suas conseqüentes implicações. Hoje, elas enfrentam este incômodo dilema: reagir contra a crescente descaracterização – que entre outras coisas colocou o sambista como um elemento decorativo dentro da escola – ou assumir de vez a carapuça de máquina de fazer dinheiro, que já provocou até o apelido de Escolas de Samba S/A.

Este ano, as costumeiras discussões que antecedem o carnaval foram precipitadas por um fato que acentuou mais ainda as correntes que disputam a liderança nas escolas: a escolha do samba-enredo da dupla Jair Amorim/Evaldo Gouveia para representar a Portela. Compositores de ligação recente e discutível com o universo das escolas de samba, (Evaldo Gouveia, por exemplo, declarou não gostar de carnaval e aproveitar os feriados para descansar em um afastado sítio) tiveram seu samba-enredo indicado pela direção da escola, apesar dos protestos gerais, dos mais expressivos compositores da escola. Mas a reação não foi menos violenta: Paulinho da Viola, Clara Nunes, Candeia e Monarco, nomes dos mais conhecidos da agremiação de Oswaldo Cruz, são apenas alguns dos que não se conformam com o fato e, a protesto não desfilarão este ano.

Porém, o recente episódio da Portela, reflete a gravidade da crise das escolas de samba. Para muitos, talvez a maioria, trata-se apenas de um acontecimento isolado, restrito ao âmbito da famosa escola de Madureira, quando a verdade é muito mais ampla e complexa. A verdade trata do esmagamento de uma cultura popular por elementos estranhos a essa cultura, uns na ambição desmedida de faturamento e outros ávidos de promoção pessoal e profissional. Esse processo não é de hoje que se vem desenrolando, pois, já em 1946, Cartola se afastava de Mangueira, escola que fundou, por um desentendimento com Hermes Rodrigues, que tentava fazer campanha eleitoral através da verde e rosa usando os sambistas e o prestígio da Mangueira. Muitos fatos antecederam esse processo massacrante de deformação dos valores culturais das comunidades de samba, mas ele será mais facilmente compreendido a partir de depoimentos valiosos como o do compositor Nelson Sargento, de uma memória invejável e um vasto currículo dentro do samba, além de uma participação as suas mais importantes na história da Mangueira. Mas Nelson é uma figura à parte, de uma riqueza interior belíssima e de uma força de espírito rara, qualidades que aliadas ao seu talento de compositor, pintor (de quadros e paredes) e convivências com Geraldo Pereira, Nelson Cavaquinho, Alfredo Português, Cartola e outros, lhe conferem uma indiscutível autoridade para falar do assunto.

Sobre Candeia, outra grande expressão do samba e que também participa dessa edição especial do CB, juntamente com Paulinho da Viola e Carlos Elias, há muito pouco o que falar, pois é figura que dispensa comentários. Filho da Portela, como o classificam alguns, Candeia há muito se bate numa luta desigual, tentando desmascarar a grande farsa armada em torno das escolas, pelas empresas de turismo, com a cumplicidade da própria Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, cujo presidente Amaury Jório, defende literalmente o princípio de Escolas de Samba S/A Candeia abriu uma alternativa para os sambistas: o Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, que deve ser entendida exatamente como uma alternativa e não como uma antítese, no dizer de Paulinho da Viola. A propósito, Paulinho trava com Carlos Elias e Candeia, uma discussão sobre a situação das escolas de samba em nossos dias, num papo que começou por volta das dez horas da noite e só foi terminar pelas 6 da manhã seguinte, com muita cerveja e muita descontração. Esse papo está reproduzido na íntegra e, com exclusividade nesta edição e já pode ser considerado como um documento da maior importância, um registro que certamente deve ser levando em conta, principalmente pelos sambistas, alvos principais do trabalho desses compositores.

Outra figura que comparece com o seu esclarecimento de igual valor é o compositor Elton Medeiros, que a exemplo de Paulinho (por sinal seu parceiro) e de Candeia, Carlos Elias e Nelson Sargento, é também um estudioso do assunto e sempre preocupado em manter “acesa a chama” (isso é verso de Paulinho) de uma formação cultural de um povo, manifestada de diversas formas, mas que tem na escola de samba, talvez, a usa mais forte raiz.

Disso tudo, resumidamente, podemos contar com esclarecimentos preciosos, como o batismo da Portela por uma Yalorixá africana; a exploração do mito de Natal, por elementos invasores e principais responsáveis pela deturpação e inversão dos valores dessa cultura; a existência de uma frente interessada em apagar a memória até da história do país; a omissão de determinados setores oficiais com relação ao problema; a ausência do sambista na AESERJ, que deveria ser a entidade mais interessada na defesa de seus direitos, mas que exerce papel inteiramente oposto; a imposição do nome Portela, por um delegado de polícia e, uma série de outras denúncias que precisam chegar ao público e à consciência de cada um. O problema é mais grave na medida em que se observa, hoje, uma deformação a tal nível nas escolas de samba, que fica mesmo difícil, praticamente impossível, entender uma cultura de raiz e até vislumbrar os horizontes de suas verdades, seus hábitos e o comportamento interno das mais tradicionais agremiações do Rio de Janeiro.

A abordagem que deveria ser feita, o que deveria ser dito, e até opiniões sobre a edição deste caderno, bem como a sua validade ou não, tudo isso, foi longamente discutido por Paulinho da Viola, Candeia, Nelson Sargento e Elton Medeiros. Claro que o assunto não foi abordado em toda a sua profundidade, pois para isso, seria preciso muito mais que algumas páginas de um jornal: seria necessária uma longa e dedicada pesquisa, cujo resultado teria de ser publicado em um livro. Ma, dentro do espaço que tínhamos, procuramos colocar uma visão sincera do sambista com relação a todo este processo comercial. Deve ser destacada ainda a importante presença do jornalista carioca Ruy Fabiano, que participou da noitada em casa de Candeia e do papo com Nelson Sargento, além de troca de sugestões e de idéias mantidas com ele, de fundamental importância para esta publicação.

As fotografias de todo este caderno foram feitas em épocas diferentes, parte delas na Avenida Presidente Vargas, com a participação do próprio Paulinho da Viola, no carnaval passado. Publicamos também, uma foto inédita tirada por Paulinho, na concentração da escola, focalizando Beki Klabin e um autêntico passista de escola de samba em primeiro plano. Outro documento inédito fornecido por Paulinho e Candeia, com exclusividade e publicado na íntegra, é um trabalho de André Motta Lima, Candeia, Paulinho e Cláudio Pinheiro, entregue em 1974 ao presidente da Portela, Carlinhos Maracanã, relatando os desejos dos membros da comunidade e tecendo críticas que consideraram construtivas para a escola.
João Bosco Rabello

O BATE-PAPO
O papo foi na casa de Candeia, pras bandas de Jacarepaguá. Muita cerveja e uma madrugada toda em claro. Presentes Paulinho, Carlos Elias e um gravador num canto da sala, esquecido, mas ligado, registrando fielmente o que foi dito. Participando da conversa, o jornalista do Rio, Ruy Fabiano e João Bosco Rabello, do Correio Braziliense, este último com exclusividade sobre o material. No fim, um saldo positivo: algo que vira um importante documento do samba.

Paulinho da Viola – Eu acho que as pessoas estão pegando aspectos isolados. O negócio não é esse. Nós temos de pegar aquilo que aconteceu. Primeiro nós temos de fazer um levantamento da história do samba. O que ele significou, como ele surgiu, porque/em que condições/quem eram as pessoas que faziam isso no começo, em que condições elas faziam, o que eles diziam, o que eles comiam, o que eles pensavam, porque eles tomavam cacete.

Candeia – Isso que você tá falando aí é o que eu considero cultura própria do sambista, que é onde se choca com “esses caras” que não têm vivência, esse conhecimento. Isso exatamente, em termos objetivos: a comida, a vestimenta, o linguajar, tudo isso faz parte dessa cultura.

PV – Mas por que acontecia isso? Que processo é esse que fez com que a escola viesse se mantendo num determinado nível, com seus valores próprios, na época considerados...

C – válidos?

PV – Não, não. Considerados coisas de marginais. A linguagem do samba, tudo o que significa essa coisa chamada samba, o cara como se veste, como ele anda, como ele come, o que ele fala, como ele dorme, as palavras que ele diz, a maneira como ele diz, o vocabulário, tudo dele, entende, né? Isso aí são marginais. Isso aí são seres marginalizados, é gente que vive... são semianalfabetos...

C – Andar com o violão antigamente embaixo do braço era coisa de marginal. Com o pandeiro então... entrava no cacete.

PV – Se você não consegue situar isso dentro da história do povo da gente, dentro da cultura brasileira, dentro da história do povo carioca, da cultura carioca, o que é isso, como é que esses caras começaram, que relação é essa que eles começaram a ter com o chamado Poder, que força eles tinham para se impor, a ponto de dizer: “Ah, já que nós não podemos acabar com esse negócio que tá aí, a gente faz o quê?” Vamos institucionalizar isso. Criando o quê?
Criando desfile oficial. Agora, tem o seguinte...

C
– Prestação de Serviços.

PV – Se não contar essas coisas todas, que o nome da Portela foi uma coisa imposta por um delegado de polícia, que não era esse nome, se não contar esse negócio todo, se não contar a história das escolas de samba... com detalhes, não adianta.

C – Eu sou contra. Eu sou contra.

PV – Você é contra, Candeia, mas não adianta nada. Porque realmente aquilo que já foi dito, há dez, quinze anos atrás, sabe como é que é...? Em nenhum jornal é possível fazer isso. Você vai ter que dar um quadro, um panorama atual das escolas de samba, atacar aquilo que tem que ser atacado, aquilo que tá mais em evidência, mais claro, denunciar aquilo que tá mais, sabe... isso que o Bosco tá dizendo, você chega numa escola de samba hoje, nego tá cantando. “Ô jardineira, porque estás tão triste”; samba de rádio; “tudo está no seu lugar”, e os sambas de rua não estão sendo cantados...

Carlos Elias – Nada está no seu lugar, essa é a verdade.

PV – É, os sambas enredos são escolhidos arbitrariamente, não existe democracia nas escolas, quer dizer, o povo da escola não vota, isso é que tem que ser denunciado, entende? Não existe um Conselho Fiscal que seja representativo de escola, essas coisas todas têm que ser denunciadas.

C – O sambista não tem participação ativa no samba...

PV – Participação ativa no samba. Uma escola hoje é uma coisa abstrata, quer dizer, quando uma escola deveria apesar de, aquele negócio que a gente falou na entrevista, apesar de: compromissos com turismo, e coisa e tal, apesar de ser uma coisa já infiltrada e tudo, deveria, (deve) prevalecer dentro da escola valores que são fundamentais à manutenção do samba, quer dizer: uma escola de samba o que é? Implica inclusive no seu patrimônio, na sua história, no seu patrimônio cultural, quer dizer, o que é o que é? Todos os seus elementos antigos, toda a história daquilo ali, o acervo, a maneira como se dançava, os sambas tradicionais, escola de samba.

C – Exato. Pra lhe fazer lembrar, que aí eu sou obrigado a citar...

PV – Se não disser isso tudo, não adianta, eu já tô falando há uns quinze anos, tô cansado.

C – Pra me lembrar e pra manter sempre acesas todas essas formações...

PV – Eu não consigo mais falar...

C – Pra tentar mostrar é que a criação da Quilombo tá aí. Pra tentar mostrar o que era o jongo, a capoeira, o samba de roda, o samba de caboclo, uma série de manifestações que praticamente estão em extinção, tá igual à fauna, que o homem chegou lá e depredou. Então, pra manter esse tipo de coisa, é necessário que haja uma lembrança viva, porque sem as coisas tradicionais, a coisa se perde realmente. Porque nossos filhos vão perguntar dentro de pouco tempo, nossos netos, talvez, sei lá, o que foi o sambista.

Ruy Fabiano – Memória, né?

PV – Memória, muito simples. Então, naquilo que hoje é considerado folclórico, tudo bem...

C – Mas aí há outro detalhe...

PV - ...mas que seja, entendeu, colocando, em nível, mesmo do seu povo conhecer sua história.

C – Mas nós no Brasil, nós no Brasil...

PV – Isso já justifica o Quilombo.

C – Mas nós no Brasil, nós temos um outro detalhe, Paulinho, que nós consideramos as coisas relacionadas com a nossa cultura, até, por exemplo, na música popular, consideramos subdesenvolvidos, por exemplo, o baião, o xaxado, o carimbo, essas coisas assim, são consideradas músicas inferiores, classe C, compreende?

PV – Exato, mas...

C – Não, não é assim pra mim, pra você, mas então, essa tendência que nós temos...

PV – Tinhorão cansou de denunciar isso, hein?

RF – É a mentalidade subdesenvolvida, né? A reverência às coisas que vêm de fora.

C – Exatamente. É uma tendência que faz com que...

PV – Agora, temos que denunciar as razões dessa tendência. Uma das coisas que parece evidente, meu Deus do Céu, é que parece que tem uma coisa armada, um complô armado, sempre houve nesse país, um complô para...

C – Guerra Fria?

PV – Não, não. Para apagar a história do país, rapaz. Pra apagar, pra mentir, pra contar história diferente, pra inventar coisas que não existem e toda vez que você tenta trazer à tona a verdade, vem nego e afunda.

RF – Pra reintegrar o papo: você estava falando de um livro, que livro é esse?

C – Bem, o livro é o seguinte, contém fatos... (refere-se ao livro “Escolas de Samba: árvore que esqueceu a raiz, de Candeia e Isnard Araújo, publicado pela Editora Lidador e pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, em 1978).

RF – Quem escreveu o livro?

C – O Isnard (Isnard Araújo, criador do projeto do Museu Histórico Portelense) ficou mais ligado em colher depoimentos . Esse livro tem até uma historinha. Quem ia escrever esse livro era eu e o Paulinho. Mas, falta de tempo, não conseguíamos nos encontrar, e eu me liguei no Isnard pelo fato de ele ter assumido lá, e eu ter sugerido a ele fazer um levantamento do Museu da Portela. Então, aproveitando o depoimento do pessoal da Velha Guarda da Portela, sempre senti necessidade de registrar esses fatos.

RF – É a história da Portela?

C – É.

RF – Mas é uma abordagem sociológica?

C – Aí é que vêm os detalhes. O livro, a princípio, era apenas um levantamento histórico da Portela.

RF – Memória da Portela.

C – É, memórias da Portela, mas a coisa se tornou tão profunda, o entusiasmo da gente foi tão grande, que não começamos a expandir todos os fatos com relação ao samba, basicamente a história da Portela. Mas não está preso unicamente à Portela, entendeu?

RF – Partindo da Portela, abordagens mais amplas, né?

C – Perfeitamente. Agora, com fatos, inclusive procurando evitar isso que o Paulinho falou aí: ser mais um livro estatístico, nesse aspecto, não. Pelo menos, eu estou contando aquilo que eu sinto, dando minha opinião, dando meu depoimento com relação a coisa que assisti, daquilo que eu vivi na minha vida de samba.

RF – Visto de dentro, então!

C – Perfeitamente. Sem pretensão literária, que nós não temos nem condições, apenas fazendo um trabalho que via servir, com toda a humildade, como um documento.

RF – Esse livro já tá pronto?

C – Já.

RF – Vão lançá-lo quando?

C – Deve ser lançado no final deste mês.

RF – Legal.

C – Sim. E vai por aí afora. Ele é um pouco crítico, mas também contém fatos relativos à Portela, tem muita coisa interessante. Muita gente não sabe, por exemplo, que o próprio Estácio mesmo, o próprio Ismael Silva participava do que ele chamava: “Vou na Roça”. Roça era Oswaldo Cruz, apenas o Estácio teve o privilégio de ter sido oficialmente registrado primeiro, mas o movimento de sambistas, é da mesma época.

RF – O Estácio era mais centralizado.

C – É, mais centralizado...

PV – Mas o pessoal antigo, ó Candeia...

C – Não, não tiramos o mérito de...

PV – O pessoal antigo sempre falou que quem trouxe o samba foi o pessoal do Estácio.

C – Perfeito, eles participavam com o Paulo da Portela, inclusive com o caso do seu Napoleão, que era jongueiro, era negócio de jongo, cruzado na linha das almas, tinha que pedir licença na hora da entrada. Tinha uma irmã do falecido Natal, que ia com o seu Napoleão, que morava ali pra baixo (Dona Benedita morava na rua Maia Lacerda, no Estácio), que freqüentava a casa das baianas (Tia Ciata, Bebiana e outras) ali na Praça Onze, e tal, aquele negócio todo.

PV – Olha, isso não vem ao caso, mas a Portela é cruzada na linha das almas. Descobri isso por acaso.

C – Cruzada na linha das almas não, a Portela tem como madrinha, é batizada por uma Yalorixá africana. É a única Escola de Samba que foi batizada por uma Yalorixá africana, Dona Neném, entendeu?

PV – Esse aspecto de escola de samba é uma coisa que nunca foi falado. Esse aspecto que é um outro lado do negócio, isto é, não sai numa matéria, isso dá muito trabalho, tem que estudar...

C – Ah, mas também não vou vender meu peixe todo pra vocês, senão vocês vão publicar antes do meu livro, vão esvaziar meu conteúdo (risada). Então, vocês compram o livro e depois copiam aí. Foi um trabalho de pesquisa muito grande, rapaz, não foi mole fazer não. Tive de levantar muita gente aí. Seu Caetano. Olha, queres ver uma polêmica? Já começa por aí. Nós não tiramos seu mérito, não ferimos todo o lado positivo de contribuição que ele deu à Portela, mas abordamos o assunto com clareza, de uma tal maneira, porque são testemunhos de pessoas que ainda estão vivas e que negam que Natal foi esse mito, pelo menos que dizem que foi. O fundador, isto e aquilo...

PV – Não foi bem isso. Mas não foi mesmo... Atualmente, eles estão explorando o nome, a figura do falecido Natal para tudo, entendeu como é que é o negócio? Fizeram do Natal uma espécie de bandeira e tão explorando esse mito até hoje. Tem coisas realmente inexplicáveis. Mas isso a gente não vai dizer, porque nós não tamos aí pra denegrir a imagem de um homem já falecido e que o saldo dele foi positivo. Ninguém tira o mérito dele não. O saldo dele é realmente muito positivo em termos de samba, mas também não é o que exploram por aí, que falam, não chega a ser mesmo. Acima dele existem pessoas, vamos dizer, em relação à Portela, que foram muito mais importantes para a Portela e que não tiveram a notoriedade que alcançou o Natal. Como o Caetano, como o Rufino, o Paulo da Portela.

RF – Ele era uma figura especial, independente de tudo.

PV – Bem, mas o que tem a ser dito para os sambistas...

C – Coisas diretas...

PV – Sambistas: vocês precisam tomar consciência com relação ao que está acontecendo, porque o que está acontecendo é o seguinte, todo sambista tem que tomar conhecimento do que está acontecendo, todo sambista, quer dizer, todos aqueles caras que têm realmente um vínculo, ligados à escola, tudo aquilo que tem sido feito até hoje com relação às escolas é um negócio que precisa ser esclarecido, precisa ser discutido, como estamos discutindo aqui. Éque parece que existe um complô, a impressão que se tem é que tudo que existe nos ambientes todos de escola de samba, é sempre no sentido de apagar uma memória, rapaz, apagar no sentido assim de dizer: “O passado foi uma coisa que morreu”.

C – Eu sei. Deixa eu fazer uma referência, Paulinho. Por que você não fala da minoria dos autênticos? Quer dizer, a minoria dos autênticos é o tipo de...

RF – Isso tem outro motivo, né, quer dizer...

CE – Tradição já era!

C – É a frase deles. Agora, uma coisa que você é culpado. Paulinho, eu queria que você conversasse com o Isnard: o Hiram tá explorando aquela entrevista que você deu naquela ocasião (73), até hoje...

PV – Não está.

C – Não está?

PV – Não tá. Eu li o que ele falou a meu respeito. Que em 68 eu...

C – Não, você não tá me entendendo, ele não está explorando porque ele declarou isso. Ele apenas cita isso, ele diz: “eu tô falando como tradicionalista e tal...”

PV – Posso falar que o Hiram... aquilo ali, rapaz, eu voltei a falar nessa entrevista, não adianta ele explorar, porque eu voltei a falar o seguinte: apesar do compromisso existente hoje, das escolas com o turismo, com não sei o quê, porque nós não podemos realmente imaginar uma comunidade fechada, isolada, não sei de quê, “patati patatá”, tudo isso que já falamos há cinqüenta anos, o samba, mantém, é necessário para ser samba, manter certos valores fundamentais dele, senão desvirtua tudo, então isso ficou muito claro, quer dizer, não tem, não pode explorar nada. Eu não quis justificar a situação atual, pelo contrário, eu disse que apesar dessa loucura toda, é necessário ter certos valores que façam com que aquilo tenha um peso realmente verdadeiro e não essa coisa falsa, rala, artificial, que já é a substituição desses valores, sabe como é que é, posso enumerar aqui, pô!

RF – Padroniza algumas coisas...

PV – Claro.

C- Certo, Paulinho. Agora, uma coisa que era muito importante, não parece nada, mas que tem que ser dito alto e bom som, é de que, eu sei que é teu pensamento também, falo por você, no caso, de que toda a nossa luta, todo nosso trabalho, pra não ser confundido, nós não temos nenhum interesse político, não pretendemos ser diretor da Portela, nós falamos como sambistas, pelo que vivemos, certo? Quer dizer, por trás de nossa posição, não existe nada a ser escondido. Não tenho pretensão, não quero ser diretor, não quero ser tesoureiro, não quero honraria, não quero receber nada assim pra mim. Com toda sinceridade, mal comparando, não vou dar uma de Pelé, cruzar os braços e dizer que tá tudo bom, uma democracia bonita, e tal, igualdade, tudo jóia, certo? Dar uma de Pelé e deixar o barco pegar fogo. Então, nosso trabalho, é claro, não estamos lutando em honra própria, mas e até por aqueles que não têm condições de falar, eu às vezes até chamava a atenção do Paulinho e dizia: “Olha, Paulinho, você tem, quer queira, quer não, uma posição de liderança perante esse pessoal, eles esperam que você... tem que chegar e falar, porque a gente tem realmente que falar". Agora, pra mim, é até uma satisfação que você Paulinho esteja mais entusiasmado que eu. Eu que já tô me sentindo um pouco desgastado cansado de estar brigando aí, e você vem essa: “Não, nós temos que falar, temos que... sei lá”. Eu confesso a você que até me surpreendeu essa tua atitude agora, viu, malandro?

PV – É isso que... não, rapaz, peraí...

C – Não, não que eu esteja negando as coisas que você faz não, você não modificou nada, não, mas é uma posição realmente assim, mais, assim...

PV – Mais ativa, mais ativa...

C – Mais ativa, é isso, vamos dizer assim. Não é que você fosse um omisso diante da situação não, mas é que realmente...

CE – Chegou uma hora que a coisa... a gente fica naquela de achar que vai melhorar...

C – Ah, exato, exato, positivo. Eu esperava que chegasse ao ponto que chegou. Você nunca esperava talvez, Paulinho saber que...

PV – Não tô fazendo defesa de coisa nenhuma. Tô querendo dizer o seguinte: é só pegar as entrevistas que eu já entreguei na mão de vocês, que nós fizemos naquele quadrado, eu, você, Elton e Martinho.

C – Perfeito, perfeito.

PV - ...e a que eu dei pro Torquato, pô, cansei, e ainda deve ter mais lá em
casa, em...

C – Mas hoje você fala com um tom de objetividade que talvez não falasse com tanta clareza.

PV – Ó, eu já assumi coisas assim, por exemplo, a revista Homem queria que eu fizesse uma matéria sobre... é aquele negócio que a gente não sabe. Eu,rapaz, não tô a fim mais de fazer coisas, entende, como a gente vem fazendo até hoje, Candeia, de dar entrevistas como Quixotes, sabe como é que é? Sabe, querendo... não tem sentido. O que nós temos que fazer hoje é realmente armar um time contra isso que tá aí, mas um time assim, quer dizer, o Quilombo tá lá, ele vai sair, ele vai fazer... Não tem que colocar o Quilombo contra nada, sabe. Com a antítese não sei de quê, nada disso. Nós temos que colocar o Quilombo como uma coisa a ser construída, como uma alternativa, mas não precisa colocar como antítese. Outra coisa: o que nós temos que fazer é chamar na responsabilidade uma porção de gente que vive falando de escola de samba há uma porrada de tempo... ô desculpe! Não sabia que tinha mais gente aí...

C – Não, não tem nada não, isso é até o palavrão mais bonito que se diz por aqui.

PV – Sabe o que é? É que a gente fica sem querer assumir uma posição mesmo de luta, de todo mundo na luta. Não adianta mais um jornalista escrever um negocinho, não adianta. Tem que fechar todo mundo numa coisa só, discutir o assunto profundamente, como já foi feito há muitos anos atrás, negócio de seminário de samba, simpósio que teve em 69, que nós temos tudo isso lá registrado e tudo, e fazer outro, num outro nível, quer dizer, aquilo de 69 foi feito só pra “acoxambrar tudo”, acomodar, tinham as teses, e tudo ficou lá. O que tem de ser feito hoje é negócio pra sair um documento definitivo sobre escola de samba. Mas uma coisa definitiva, assim, levantamento de tudo, histórico, chamar todo mundo que teve realmente, palavra e peso dentro dessa história toda, trazer o depoimento dessa gente, fazer, se possível, até um livro, que uma coisa dessas...

C – Com essa profundidade toda, só um livro.

PV – Eu acho que não precisa ser exatamente um livro. Pode ser numa linguagem jornalística, mas pode ser um documento muito importante, porque aí, esgota isso, sabe como é que é, senão a gente vai passar a vida inteira naquele negócio que eu te falei: todo ano antes do carnaval tem um cara perguntando: “O que você está achando, como era antigamente? Hoje tem muita pluma, botaram não sei o quê.” Muitas entrevistas que nós demos já se perderam, muita coisa já se perdeu, que não é de hoje isso, é desde aquele tempo, pó, entende? Sei lá. Então, isso aí eu acho que tem que ser denunciado sempre, mas não nesse nível em que as coisas ficam abstratas, sabe? Olha, o crioulo de escola de samba ficou por baixo, o sambista não sei de quê, o sambeiro não sei de onde, a classe média... não, nada disso. Isso aí já era. O que tem de ser colocado é isso: fazer um levantamento mesmo, sério, das escolas de samba. O seu comportamento atual, das suas relações internas, de como se vota numa escola,
em que situação está o povo, realmente, da escola, se está votando ou não, quem decide, como é que se decide, como é escolhido o samba-enredo, sabe como é que é? Que interesses tem por trás disso, quanto se fatura, onde vai esse dinheiro, essas coisas todas, pô!

CE – Quanto se gasta pra tentar ganhar um samba-enredo? Essa dupla (gastou cerca de 70 mil cruzeiros, o Norival Reis e o parceiro dele gastaram quase 40...

PV – Isso aí, não somos nós que estamos dizendo, foi o próprio Hiram mesmo que disse nos jornais. Hoje em dia tá todo mundo aí pra faturar, quer dizer, o cara assume essa. O cara que tá dirigindo uma escola de samba, ele não pode fazer isso, Candeia. O cara que dirige, que tá fazendo o carnaval, assume o seguinte: “Tá todo mundo aí para faturar mesmo”. Tá nos jornais, pô! Não dá mais pra desmentir.

C – Olha só, outra bobagem que o Hiram falou. Olha a inversão de valores: que a escola está perdendo estes anos por culpa nossa (a Portela não ganhava desde 1970), os tradicionalistas.

PV – Porque estamos de fora?

C – É, não sei, não entendi.

RF – Dentro do processo deles.

C – É, nós tradicionalistas é que somos culpados.

PV – Nós tamos aí dentro, rapaz. Nós fomos chamados este ano, como já disse na entrevista, me recusei a fazer samba-enredo...

C – Uma bandalheira o que ele falou. Ele inverteu tudo, presta atenção, inverteu...

RF – Ele quer dizer o seguinte: o fato de vocês não compactuarem com eles só trava o processo que eles querem implantar dentro da escola.

C - Mas, como compactuar? Olha, vamos fazer uma análise rápida, pra depois o Paulinho falar, que ele é mais objetivo. Olha como é difícil, no clima atual o processo que eles criaram, tá difícil. Eu respondo por mim. Por exemplo, ter que corromper bateria pra colocar meu samba, eu tenho que pagar, pra adquirir simpatia, porque senão eles boicotam mesmo. Porque o clima atual é em relação ao dinheiro. Tem que ter torcida organizada, levando gente de fora da escola, tem que reunir, por exemplo um grupo do bairro em que eu moro, ensaiar aqui, de tarde, e levá-los em caravana, de ônibus, o cara vai pra curtir um choppinho...

CE – Pagar ingresso de todos eles na porta...

C – É, tem que investir nisso tudo, pra poder competir dentro da escola, com a minha torcida, aquela facção, senão eu vou pegar no microfone, vou cantar sozinho, ninguém vai cantar comigo.

PV – O que tem de ser denunciado é o seguinte: dinheiro, sabe como é, dinheiro, a própria corrupção, ela sustenta a mentira durante até muito tempo, isso já foi dito, de outra forma, tô parafraseando aí, mas não vai sustentar durante todo o tempo, porque essa droga vai ruir, rapaz. Não tenha ilusão, vai ruir, as pessoas vão começar a perceber...

C – Eles tão com o poder na mão. Paulinho fala em termos objetivos. Pra mim, beleza... eles não vêem beleza naquilo que eu vejo. Eles não vêem graça na Neuma, na Maria Joana do Império Serrano, na Tia Vicentina, na Tia Clementina, certo? Eles não vêem beleza nesse pessoal. A beleza que eles querem ver é a da estética daquela mulher seminua, daqueles quadris bonitos, quer dizer, um negócio onde a minha posição em relação à deles já está completamente distanciada. A nossa posição está completamente distanciada.

PV – Ninguém tem nada contra essa mulher, seminua, é que...

C – Não, eu gosto...

PV – O problema é isso, não tem nada a ver, mulher pelada sambando.

C – É gostoso, é bonito, toda mulher de corpo bonito é interessante. Até uma outra mulher é a primeira a reconhecer a beleza daquela. Acho que a coisa tá sendo configurada de uma maneira, tá sendo colocada no lugar das coisas fundamentais, com relação ao samba.

CE – Substituição da comissão de frente.

C – A comissão de frente, por quê? Porque comissão de frente são aqueles coroas da antiga, e que até não podiam mais sambar, tavam naquela de prestar um serviço à escola, era um negócio de manter aquela dignidade do sambista e tal. Isso foi substituído por mulheres jovens, exuberantes, lindas. É isso. Então, esse processo, entra por quê? Pra agradar o chamado mercado de consumo, agradar o turismo. A imagem do nosso carnaval não está sendo vendida corretamente, porque o carnaval é uma festa que devia ser vendida como integração do povo, quer dizer, o patrão e o empregado desfilando na mesma escola...

PV – Você se engana. Ela está sendo vendida corretamente, porque ela está, você usou bem o termo, quer dizer, sendo vendida. Então, corretamente, por quê? Porque os caras querem isso mesmo. A gente, você já cansou de ver anúncio, assim, não tô falando que o turismo fez isso, entende, mas a gente já cansou até de anúncio. Eu já vi um anúncio do Haiti, para Executivos, que era uma mulher seminua, sabe, com o seio de fora, sabe, era um convite para negócios pro Haiti e pra ser lá, pra uma ilha dessas, Havaí, não sei onde é que é. Era uma mulher com o seio de fora, entendeu? Eu já vi declaração de nego, aqui, de autoridades aí, dizer que o que nós temos que vender mesmo é mulher pelada, e que nós temos que vender mulher, futebol, samba, essas coisas todas. Que isso é que nós temos que vender. Turismo daqui, não pode vender outra coisa. Quer dizer, existem essas implicações, que precisam ser analisadas, entende? O que eu sinto é isso. O que tem de ser denunciado, rapaz, é essa coisa arbitrária, que vem de cima pra baixo, dentro de uma escola de samba. Quer dizer, um cara se arvorar e dizer: EU mudo o samba-enredo, EU decido o que é isso, EU faço isso, EU faço aquilo, ou então vira um outro e diz: “quem não estiver satisfeito vá para a arquibancada”. É isso que tem que ser denunciado, quer dizer, nenhuma escola de samba...

C – Brasil, ame-o ou deixe-o...?

PV – Não... é o cara chegar e dizer: olha aqui, quem não estiver satisfeito que vá pra arquibancada. Isso aí...

C – É uma coisa altamente fascista.

PV – Então, isso aí é que ... eu acho que... Quer uma sugestão para matéria? Abre a matéria assim: “QUEM NÃO ESTIVER SATISFEITO VÁ PRA ARQUIBANCADA”. Ou “O SAMBISTA QUE NÃO ESTIVER SATISFEITO VÁ RECLAMAR NA ARQUIBANCADA”. Pronto, é assim que a gente tem que abrir a matéria.

João Bosco Rabello - Paulinho, a Portela te pediu para fazer samba-enredo este ano?

PV – Pediu, aí eu disse que não fazia. Eu preferi colaborar com um samba de quadra.

JBR – E você cantou este samba na Portela?

PV – Cantei. Cantei diversas vezes. Isso é que eu tô falando. Mas quando eu te sugeri que falasse com Fernando Pamplona, porque ele é um cara que trouxe muita coisa positiva pro samba. Ele se defendeu de muitas acusações...

C – Mas ele foi engolido pelo processo.

PV – Peraí, ele se defendeu...

C – O próprio monstro que ele ajudou a criar está engolindo ele.

PV – Ele foi pro rádio e falou e se defendeu. Pra ele a pergunta é muito simples: Ele desencadeou um processo de transformação das escolas que é assumido por ele. Ele chegou no Salgueiro e mudou tudo mesmo. Antigamente o samba era feito assim. Tinha as comissões de carnaval e coisa e tal. Vou te dar uma exemplo do que eu quero dizer. O Lan (cartunista ítalo-argentino e portelense Lanfranco, que completa, em 2005, 80 anos), o desenhista, assumiu uma posição em relação ao samba. Ele é portelense sabe desde quando? Desde 1951/2 mas nunca deu um risco para a Portela, nunca deu um traço para a Portela. Isso tem que ser dito. Ele cansou de ser convidado, ele podia ter feito carnaval para a Portela, desenhando figurinos, há anos atrás. Ele nunca fez isso.

C – Aliás, diga-se de passagem, foi traído naquela passagem do Ilu-Ayê (enredo de 1972, com o qual a Portela obteve o 3º lugar), onde o carnaval tinha sido... eu tinha dado a idéia do carnaval, ele (Lan) desenvolveu e depois o Hiram entrou e assumiu e ficou como dono da idéia que era minha e dono do desenvolvimento que era do Lan.

CE – E botou na Revista da Portela o Candeia como colaborador e...

C – E eu como colaborador, como pesquisador, quando a idéia era minha.

PV – Então, o Lan...

JBR – Por que o Lan se recusou a fazer carnaval para a Portela?

PV – Pelo seguinte: ele dizia que “não vou fazer carnaval para Portela porque eu acho que vou interferir num processo que não me diz respeito”.

PV – Respeitando uma cultura própria. Então, eu acho que dentro da Portela a obrigação da Portela é procurar dentro da Portela os caras que podem fazer um traço melhor para a Portela, sabe? Que podem desenhar para a Portela, que vai encontrar. Eu, por exemplo, acho que o mais representativo em termos de, ou desenho ou traço, em termos plásticos, na Portela, hoje, em dia são aquelas carinhas pintadas pelo Paulo Pinduca.

C – Na sede velha, né?

PV – Não, na sede nova. Aquilo é a coisa mais representativa. Então, esse cara teve coragem de assumir isso. Ele disse: “Não, eu dou força, sou portelense, mas, eu não dou nem darei um traço para a Portela. Porque isso é uma coisa da escola. Tinha que se descobrir dentro da escola um elemento que fizesse isso. O Pamplona foi o cara que chegou dentro de uma escola de samba e simplesmente mudou tudo, assim, desenhou tudo, desde o princípio. Antes, eram os caras da escola que faziam tudo. Ele chegou e monopolizou tudo. Determinou tudo dentro da escola.

C – É bom que se diga que dentro desse processo houve muita coisa positiva.

PV – Peraí. Respeitando uma série de coisas, realçando, considerando aspectos da cultura do negro brasileiro, que não eram considerados dentro da escola de samba. Fazendo aquela coisa pro alto, sabe como é? Com uma visão bastante positiva. Eu acho. Agora, com esse processo, o Salgueiro começou a aparecer e foi a um nível tal, que ganhou com o Chica da Silva (em 1963).
Agora, o seguinte: que negócio é esse de escola de samba, de repente, chegar a um nível, isso precisa ser esclarecido, em que tudo é decidido por um único elemento, por um único carnavalesco, que faz tudo? Chega a um nível de loucura tal, de abstração tal, de delírio tal em que fica todo mundo assim, juntando um monte de dinheiro pra escola comprar a figurinista (aqui, referem-se a Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, ex-alunas - na Escola Nacional de Belas Artes - e ex-assistentes de Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona) tal que ganhou o carnaval passado, pra trazer o carnaval para a nossa escola este ano, vamos ver se a gente acha um cara que tenha dinheiro para comprar o fulano, vamos trazer esse cara pra cá, etc. Então, eu faço uma pergunta para o Pamplona: se você desencadeou este processo, de uma maneira que a gente já considerou que é positiva, você já defendeu, já explicou através disso e daquilo, que eu também já li, etc. Tudo isso tá perfeito. Isso é uma coisa pelo negro, foi uma coisa anunciada inclusive pelo Arthur Ramos, lá na Praça Onze, constatado por ele entendeu? Foi uma coisa assumida pelo negro. Foi aquela coisa que foi posta e nego não reagiu, nego pegou aquilo e viu aquilo como uma saída pra samba, permitindo toda uma série de infiltrações que não são de hoje e o Pamplona se agarrou a isso, justificou. Tudo bem. O que eu quero saber é o seguinte: que o Pamplona acha desse processo atual? Um dia eu encontrei ele na televisão e disse: “Escuta, você tá sabendo que nego tá cantando ‘Ó, jardineira, por que estás tão triste’ e não sei o quê? Não, isso não se trata de culpá-lo. Apenas eu quero saber qual é o pensamento dele em relação a isso, entendeu? Que atitude ele toma agora em relação a esse comprometimento todo? É importante.
Por exemplo: o Nelson de Andrade (ex-presidente dos Acadêmicos do Salgueiro no período 1956 a 1961 e responsável pela ida de Fernando Pamplona a escola tijucana , ex-presidente da Portela no período 1962/1966 e autor dos enredos portelenses “Rugendas: Viagens pitorescas pelo Brasil, 1º lugar em 1962; “Segundo Casamento de D. Pedro I”, 1° lugar em 1964; “Histórias do Rio Quatrocentão”, 3° lugar, em 1965; “Memórias de um Sargento de Milícias”, 1º lugar em 1966 e “Tal é o Dia do Batizado” – com Juvenal Portela e Laurênio - , 6º lugar em 1967) anda dizendo e já cansou de dizer mesmo, que a história de escolas de samba é dividida em duas partes: antes e depois dele, Nelson. Então, é preciso saber, chegar perto do Pamplona e perguntar qual a posição dele.

C – Eu só queria acrescentar rapidamente ao que o Paulinho falou com relação ao Pamplona, sobre a maneira como eu vejo a participação dele dentro desse processo todo que ele ajudou a criar. É o seguinte: quando o Pamplona entrou na escola de samba e deu essa dimensão toda, essa nova visão em relação ao samba, não há dúvida também que houve um lado negativo, e o Paulinho citou aí. O fato de que os carnavalescos passaram a ser pagos a preço de ouro e, também, com esse processo, nós, ao invés de incentivarmos a arte popular, porque em vez de colocar o elemento nato, o artista primitivo, aquele elemento que tem condições de desenvolver o seu trabalho, tiramos dele a possibilidade imediata e total de ele trabalhar.

PV – Perfeitamente.

JBR – Sem discutir a intenção boa ou má do Pamplona, pode-se dizer que sua participação e inovação dentro da escola de samba foi o ponto de partida dessa corrida do ouro, certo?

PV – Não. A coisa não deve ser colocada nesse nível.

RF – Ele estilizou uma manifestação espontânea dos caras com padrões trazidos de fora de quem tem uma formação diferente daquela.

C – Exatamente, perfeito. Quando ele transformou tudo, empregando talvez, na confecção das alegorias, materiais até então estranhos àquela cultura, àquele meio ambiente. Estilização, sofisticação.

PV – Mas até nesse plano estético, a gente...

C – É necessário que fique registrado que nós não somos contra a evolução, nem contra as posições de atualização em todos os sentidos. Porque tudo evoluiu mas tem de haver uma evolução equilibrada.

PV – E a gente pode ser até contrário a isso, mas já é uma outra discussão, não tem nada a ver. Eu, por exemplo, prefiro mil vezes um carnaval feito... bom, podem me chamar de folclorista, do que for, azar, eu assumo. Prefiro mil vezes um carnaval feito por um cara que tá vivo, mas que tem o vocabulário dele, que é X, tem a linguagem dele que é aquela e que, se você entregar o carnaval na mão dele, ele... “seu” João, por exemplo, você vai entregar o carnaval na mão dele e ele vai chegar e vai dizer: “Eu tenho um carnaval que são as datas que não sei de quê, patati patatá”. Ou se pegar um cara que vai fazer os bonecos... não importa. O que interessa é que seja um cara da escola, com a visão dele. O que me interessa é saber até que ponto isso vai contribuir para um carnaval. Mas, essa é minha visão particular que não entra nesse papo. O que eu quero saber é o seguinte: essa interferência política dentro da coisa, de o cara assumir uma atitude dentro da escola que é autoritária de dizer: “É isso que tá aqui e acabou”. Com toda a sinceridade do Pamplona que nunca recebeu dinheiro pra fazer o que fez. Isso tem de ser dito. Ele fez porque gostava da escola.

C – O trabalho dele no Salgueiro foi por amor.

PV – Por amor, e isso tem de ficar claro. Não é como nego tá fazendo, ganhando milhões pra fazer um carnaval, entregando a vida dele lá e vivendo daquilo.

C – Um absurdo!

PV – Então, o cara chega, vem não sei de onde e pega dinheiro pra fazer carnaval. Não, eu prefiro dar esse dinheiro, então, pro João das Couves fazer também. E que se disputa no nível de João das Couves, eu não quero disputar no nível de artistas do municipal.

RF – Dentro dos padrões de “bom gosto”...

PV – Eu discuto esses padrões de “bom gosto”, isso é discutível.

RF – Eu também.

PV – Isso não me interessa, isso pra mim é uma farsa, essa estética é uma farsa.

C – Isso tem de ser colocado muito bem para que nossa posição não seja confundida com a posição de anticultura, não é isso. O que nós estamos colocando é que o elemento que antes confeccionava umas alegorias tinha que ser considerado e até julgado de acordo com o grau de escolaridade que ele tinha, que não pode ser o mesmo do cara que faz escola de Belas Artes.

RF – Ai, a manifestação deles ali, a linguagem do samba é daquela comunidade ali, que tem um nível de escolaridade X, mas vivência diferente.

C – Perfeito, mas aí é que o conceito foi modificado. O cara que veio das Belas Artes, em vez de dar a esse elemento meios para ele desenvolver o seu trabalho, ele o sobrepujou, ele matou, tirou essa chance. É como no samba. Ninguém pode exigir que um Mijinha, o próprio Manacéa, ou os outros façam uma letra como a de não sei quem aí... vamos dizer... o Vinícius de Moraes, por exemplo. Tem que respeitar as posições e condições e vivências diferentes.

RF – São linguagens diferentes.

C – São linguagens diferentes. Não que não haja poesia na letra do Mijinha não, certo?

PV – Ah, sim, faça essa ressalva.

C – É preciso dizer isso sim. As pessoas é que às vezes formam discriminações, porque não sabem sair daquela redoma de intelectualidade.

RF – É questão de padrão, de valor.

C – É saber, então, encontrar arte, beleza, naquele elemento que faz aquela rima de amor com dor, mas que sabe dizer de coração. E as pessoas de uma hora pra outra transformaram tudo isso.

JBR – Dentro desses padrões e tal, como é que vocês vêem a Beija-flor?

PV – Ih, rapaz...

C – Peraí. Tem fatos novos em relação à Beija-flor. Bem, antes de mais nada é necessário que se registre que Joãozinho Trinta é cria do Fernando Pamplona. Então, é conseqüência natural do trabalho de Fernando Pamplona, já é fruto do trabalho dele.

JBR – Bem, mas, bem na frente daquilo que o Pamplona iniciou, né?

C – É, exato, já vem dentro do mesmo processo, mais agigantado.

PV – Uma pergunta cretina pra esses caras. Isso é o que eles chamam de socialização “do samba”? “Democratização” do samba? Todo mundo poder chegar e fazer o que quer, abrir, isso é que é chamado “abertura”? Em que o valor dos caras, a linguagem dos caras... o cara quando chega e diz: “Muito embora abandonado (canta exaltado) eu estou conformado com a minha dor, Deixa eu viver sozinho, eu vivo bem sem teus carinhos”. Em detrimento disso aí, vem um babaca desses e fala essas merdas que tão falando aí. Eu quero perguntar é isso aí: Isso que é a “democratização do samba”? Quer dizer, “abrir”, isso é que é “abrir” certos valores pra nego chegar e dizer que quer, entende? Esmagando essas coisas.

C – Esmagando esse tipo de obra.

PV – É isso que eu quero que eles me respondam. Se eles disserem: Não, é isso mesmo, evolução pra nós é isso, então, eu calo minha boca, porque eu não concordo com isso.

C – Então já tens a resposta, porque o Hiram considera o Jair Amorim e o Evaldo Gouveia (compositores do rádio, de fora do meio das escolas de samba) os maiores poetas de escola de samba, ele disse isso. Um absurdo. To denunciando mesmo, é pro gravador registrar. Disse ainda que a letra da Portela deste ano é a melhor que a escola já teve em sua história.

PV – Ficou louco. Ficou completamente louco!

C – É dito por ele. Falou pra mim, não mandou recado não. Disse pra mim.

JB – Qual a posição do Hiram Araújo dentro da escola?

C – Olha, vou te dizer qual é. Vou abrir o jogo. É a denúncia...

PV – No dia em que eles fizerem um samba assim (canta exaltado): “Quero viver como um passarinho/cantar...

C – Ô, rapaz, Paulinho já disse pra você que eles não têm condição pra fazer.

PV – No dia em que eles fizerem um samba desses...

C – Eles não têm um negócio chamado cultura própria de sambista.

PV – Vivência.

C – Exato, vivência de sambista, sofrimento, meio ambiente. Você sabe perfeitamente que a formação até harmônica de um samba-enredo sempre foi diferente da de rádio, de bloco...

PV – Eu quero que eles façam um verso com o sentido deste de Cartola, por exemplo: “À vezes dou gargalhada ao lembrar do passado”, ou, então, “semente de amor sei que sou desde nascença”, posso enumerar milhões deles aí.

C – O próprio Paulo da Portela já tinha umas letras consideradas bem avançadas pra época.

PV – Quero que eles digam isso.

C – Na Portela tinha um cara chamado “Fininho” que era um poeta assim, que até complicava as coisas com o vocabulário dele e até mesmo as mulheres da escola não conseguiam cantar os sambas que ele fazia. Mas, voltando ao assunto, eles não têm essa cultura própria de sambista, isso é verdade. Então, jamais o nome deles será citado. Até há bem pouco tempo havia diferença entre um samba de escola de samba e um samba de bloco, pra samba de rádio. Sabe por quê? Na sua estrutura, na sua formação de harmonia e melodia, nós tínhamos diferença, nós sabíamos... Hoje em dia, o negócio ficou assim, uma um espécie...

C – (cantando) ...uma voz que me chama/corre e vem ver/essa mulher que chora...

PV – Se for enumerar vai dar de vinte a zero.

C – “Louca para mim voltar/ela está/Deixa o carnaval passar...” Quer dizer, a estrutura harmônica, a melodia...

CE – Acontece que esses caras não sabem fazer isso.

PV – Não, não, mas isso tem que ser denunciado. Nego fala de escola de samba hoje, assim: O sambista “autêntico” e tal. Essa palavra está desgastada. Não é sambista autêntico não. Substitui o termo “sambista autêntico” por um verso de Cartola. É simples, é muito simples, substitui o termo por um verso de Carlos Cachaça, por um verso do Mijinha, por um verso do Zinco, por um verso do Silas de Oliveira, do Osório, do Alvaiade, por um verso do Mano Décio, do Alberto Lonato. Substitui, meu Deus, substitui. Em vez de colocar sambista “autêntico”, põe um verso desses. Ta tudo aí por ser feito, sabe? Pega uma letra de estrutura mesmo e “taca” aí. Taca o samba do Cartola, quando ele foi convidado a voltar para a Mangueira, depois de muitos anos afastado, e ele não se sentiu à vontade porque a realidade era outra diferente. Então, o que ele fez? Ele fez uma coisa da maior dignidade que uma pessoa pode fazer. Ele respondeu com um samba. Agora, você vai ouvir o samba?

JBR – Sim.

PV – “Todo o tempo que eu viver/só me fascina você/Mangueira/Guerreira na juventude/fiz por você o que pude/Mangueira/Continuam nossas lutas/podam-se os galhos/colhem-se as frutas/outra vez se semeia/E no fim desse labor/surge outro compositor/Com o mesmo sangue nas veias”. Quando é que esses caras vão fazer um samba desses? Nunca, nunca!

C – E são pretensiosos, inclusive em dizer... Quando eu coloquei, afirmei que faltou a eles humildade, confirmo, realmente, faltou humildade.

RF – Faltou tudo, humildade e talento, sobrou ignorância.

C – Faltou também conhecimento.

PV – Pô, ter a pretensão de dizer, de subestimar o passado da Portela, pelo amor de Deus!

C – Deturpando. Então, vieram falar pra mim que têm seis anos de Portela como justificativa! O que que há?

CE – Têm seis anos de ignorância.

C – Pó, eu recebi herança de pai pra filho. E que tivesse seis anos? Isso aqui é importante. Evaldo Gouveia deu uma entrevista há uns três anos em que ele declara, na época do samba do Pixinguinha, que nunca freqüentou escola de samba, que ele costuma ir pro sítio em época de carnaval no Rio de Janeiro, tá registrado, é só pegar a entrevista.

CE – Foi em 74, eu me lembro.

C – Isso é fundamental porque não é a minha palavra nem do Paulinho da Viola, é dele. Ele diz que nunca passou um carnaval no Rio de Janeiro, diz que veio do Norte e que entrou nesse “negócio” de escola de samba convidado pelo Jair Amorim.

PV – Agora, chamar a gente de racista, isso é a maior leviandade.

C – Isso é tática fascista, de intimidação.

PV – Claro.

C – Vou explicar por quê. A razão por que isso é tática fascista de intimidação. Eu já a disse a você, que o que está havendo no samba é problema de discriminação de aspectos sociais; poder econômico e, realmente, o crioulo o maior atingido. Qual é a maioria do operariado? Não é o negro que tem menor poder aquisitivo, não é ele que compõe a maioria dos que moram em favelas? Isso é uma realidade, um fato, uma constatação. Não existe nada disso de
racismo nosso. Mas, quando a gente cita esse aspecto do que é o negro realmente que está sendo um tanto marginalizado dentro da escola de samba, aí eles acham que nós estamos invocando essa posição de racismo. Nem cabe mais isso hoje.

RF – O racismo é deles que querem impor lá dentro as mesmas discriminações existentes cá fora...

C – Exato, é isso mesmo. Sabe o que é isso? É tática, a velha tática de chamar o cara de comunista. Eu não engulo mais essa. Pode querer me rotular, me chamar disso e daquilo, mas já não estão me dizendo nada, inclusive, porque existem caras de pele branca dentro de escolas que fazem e sabem muito mais de samba do que muito crioulo por aí, portanto... Dentro da favela, lá no Acari, onde é o foco maior do Quilombo, lá nós temos elementos brancos que fazem parte de tudo, mas por quê? Porque estão integrados, sabem fazer a coisa. A mesma jogada, não existe isso.

PV – Claro, mas nego ta falando uma linguagem que é completamente diferente.

C – Isso é tática de intimidação, para rotular a gente.

PV – Eles usaram o termo racista, bem claramente. Sabe o que eu estou a fim de fazer? Pegar isso tudo depois, fazer um documentário, sozinho, assim: colocar toda a minha posição em relação a isso tudo e assinar embaixo. Eu acho que esse negócio não pode ficar assim sem resposta.

C – Quero ressaltar uma coisa aqui. Esse tipo de entrevista que você está citando aí, de nego nos chamar de racista, disso e daquilo, tá sendo apadrinhada, apoiada por dirigentes da escola. Quer saber quem? Maurício (de Mattos, presidente da revista Rio, Samba & Carnaval, presidente da ala dos Estudantes, criada em 1968 na Portela, e atual presidente da GRES Acadêmicos da Rocinha), Carlos Lemos (jornalista ex-integrante da Comissão de Carnaval da Portela e atual Coordenador do júri do Prêmio Estandarte de Ouro do jornal O Globo) e Mazinho (Osmar Nascimento, filho de Natal, ex-presidente do Conselho Fiscal da Portela, marido de Vilma Nascimento, fundador da GRES Tradição). São eles que têm feito uma espécie de...

PV – Tudo bem...

C – Em resumo: o que significa a posição desses compositores em relação à Portela? Houve uma crise na escola com a escolha do samba-enredo sobre Pixinguinha, do Jair Amorim e Evaldo Gouveia, que culminou com a marginalização do Zé Kéti dentro da escola. Agora, o negócio está se voltando contra mim e o Paulinho. Aos poucos, me parece que há um processo quase sistemático de afastar as pessoas com uma certa posição de destaque dentro do samba, e sei lá, parece que para deixar o campo aberto, uma ala de tradicionalistas, de conservadores, o rótulo que eles quiserem dar, de “sambista autêntico”, sei lá, e poderem penetrar na escola livremente. Então, seria este o melhor sistema . Pôxa, afastaram o Zé Kéti, agora essa campanha, essa deturpação contra nós que realmente não tem sentido, fundamento, nós estamos chamando a atenção. Nós temos um documento que foi entregue na Portela, quando nós reclamamos e o Carlinhos Maracanã nos disse: quem tiver alguma
coisa pra dizer que o faça por escrito. E nós fizemos um documento.

PV - O que está neste documento são coisas que realmente existem, entende? Eu, por exemplo, se for chamado por um cara desses, se um cara desses quiser discutir comigo o assunto, debater, eu, a qualquer momento, publicamente, abro o jogo. Quer dizer, se for uma polêmica, no nível que for, eu topo. O grande problema não é esse. Se não tiver uma polêmica, se nós não conseguirmos fazer... Escola de samba hoje é o seguinte: não existe um livro escrito sobre escola de samba que seja verdadeiro.

C – A propósito, eu estou resumindo aí um trabalho em livro...

PV – Certo, mas não existe um livro até hoje, que realmente tenha colocado, pelo menos, o samba, o problema do sambista, tudo enfim. Eu sempre ouvi dizer pelo Edson Carneiro que o melhor livro de escola de samba foi escrito em inglês. No Brasil, não existe nenhum. Esses todos que saíram aí são superficiais, sabe? Falando coisas que todo mundo já sabe, estatísticos...

C – Peraí um pouquinho, sem visão, sem conteúdo.

PV – Então, o que acontece é o seguinte. É tempo já de se pegar isso tudo e tentar fazer um
material, uma coisa completa sobre o assunto, com peso e profundidade realmente. Porque, ô Candeia, essas coisas mesmo publicadas no Correio Braziliense, que dizer, lá em Brasília, elas não vão ficar largadas, porque tudo o que é publicado é uma coisa registrada, é um documento. A qualquer momento, você puxa esse documento e diz: Olha, ta aqui, ta registrado e tal. Essa matéria do CB não vai esgotar o assunto, ela vai abrir uma frente enorme. A coisa tem de ser colocada dentro do ponto de vista sociológico, histórico, etc.

C – Talvez o trabalho que eu estou fazendo com o Isnard, o nosso livro, não esteja no nível que você está falando, mas dentro da família portelense com depoimentos da Velha Guarda e etc. A pesquisa que nós fizemos neste livro que deve sair no final mês contém muita coisa que vocês vão gostar. Os problemas da descaracterização, do aspecto social e tudo, o que era o samba, com fatos, depoimentos, tudo.

CE – Está com você ou está na Portela este material?

C – Não, está com o Isnard, porque nós não temos condições de deixar isso lá. Este livro, eu e Paulinho íamos fazer juntos. Ele, por falta total de tempo, foi adiando durante anos e, aí eu acabei iniciando o troço. Mas o importante é que este trabalho vai preencher, em parte, esses senões que nós estávamos citando aí. Então, eu creio que será um pequeno degrau galgado dentro da enorme escadaria a ser explorada e vencida. Também eu não tive condições de escrever um livro com toda a profundidade das escolas de samba, porque o meu âmbito de informação é a Portela, eu me baseei na Portela, mas, mesmo assim, ele tem bastante conteúdo.

JBR – Mas, talvez a Portela, seja um reflexo de toda essa crise que atravessam as escolas de samba.

C – Ah, sim. Eu creio que sim.

JBR – Porque ela teve o mesmo começo das outras, atravessou as mesmas fases e no fim, agora, a grande crise e descaracterização do samba desabou dentro da Portela, em cima da Portela, entende?

PV – Mas eu acho que ainda existe uma certa estrutura de comunidade, sabe? Uma coisa assim... não sei. Na Mangueira tem a comunidade que é do morro de Mangueira. É aquela velha história: nós fomos jogar outro dia contra a Mangueira (a Portela tinha um time de futebol, composto por compositores e ritimistas) e empatamos de 1x1 e o Afonsinho (ex-jogador de futebol, famoso por, na década de 70, liderar o movimento pela profissionalização dos jogadores de futebol) queria entrar no time da Mangueira. É um negócio engraçado, o Afonso jogou já com a gente e tudo, tá sempre lá no time e eu cheguei pra ele e disse: o Afonso, nós estamos meio quebrados e tal, você não quer jogar com a gente? Ele disse: Não, eu não posso fazer isso porque sou mangueirense. Aí eu disse: Então nunca mais joga na Portela. Aí, ele foi arrumar uma vaga na Mangueira e aí o treinador falou assim: Olha, não leva a mal não, mas aqui só joga nego do morro. E ele ficou de fora (risadas).

RF – Eu gostaria que o Elias contasse como foi a sua saída da Portela.

CE – Eu, Candeia e Paulinho estávamos fazendo um trabalho lá de moralização da ala (de compositores). A ala tinha muita gente e nem todos eram compositores. Então, tinha que ser consertado. Foi em 71 ou 72. Então, começamos a ver quem fazia samba de terreiro mesmo, samba-enredo, fizemos concursos internos para apurar isso.

C – E ainda vêm dizer que nós não participávamos. E o que é isso? Nós estávamos dando o máximo de nós.

CE – É, nós fizemos o concurso. Como concurso era exatamente para ver quem era realmente quem é dentro da ala. Então, nós só poderíamos admitir outras pessoas na ala depois que já tivéssemos visto, dentre os que já estavam na ala, quem poderia ficar, certo? Mas, o presidente da escola, por motivos que... (ri), não cabem aqui especificar, queria impingir um determinado compositor na ala, entendeu? Aí, queria que ele concorresse no certame que
estávamos transando. O Carlinhos Maracanã queria que o David Corrêa concorresse, mas o David não era da escola, como poderia?

C – David era de um bloco lá da Pavuna.

CE – É. Aí, pra tentar contornar as coisas, o Candeia achou que poderia deixar o cara participar do concurso, inclusive, para testa-lo também como compositor. Mas, o samba dele foi eliminado logo de cara, né.

C – Mas não foi eliminado pela gente. Tinha uma comissão formada por pessoas competentes.

CE – E isso dele participar já foi uma concessão, uma consideração nossa.

C – Por sinal, o samba dele foi eliminado porque na época havia um samba novo do Vinícius de Moraes, aquele “Tonga da Mironga do Kabuletê” e que ele fez um samba que era a mesma coisa, mas sem a qualidade do Vinícius.

CE – Então, mesmo não ficando na ala, o cara participou de uma coisa interna da escola, para atender um pedido do presidente. Mas, não aprovou, o samba dele foi eliminado, foi provado que ele realmente não tinha condição. Mas, o Carlinhos Maracanã insistiu que ele tinha que participar, mesmo sem pertencer à ala, entendeu? Aí, a coisa foi até o dia em que me chateei. E o cara ia todo dia lá pro ensaio querendo cantar. Começou a ficar muito chato. O ensaio era em Botafogo (na Sede Náutica do Botafogo de Futebol e Regatas, conhecida como Mourisco), né. Candeia, vez por outra ia lá e ficava meio de longe assim, como uma espécie de guardião. Quando o Candeia não ia, o “chaveco” piorava, pois o cara ficava querendo cantar de qualquer maneira. Aí, um desses dias em que o Candeia não foi, o Mazinho, pra me atiçar, falou: Pô, vocês não querem deixar o rapaz cantar, pois o samba dele em Jacarepaguá pegou fogo. O certo é que um dia em que o Candeia não foi, o Carlinhos cismou que o cara ia cantar o samba dele no ensaio em Botafogo. Ora, sem pertencer à ala e com o samba dele eliminado. Se outros compositores que eram da ala e tiveram seus sambas eliminados não iam cantar, como é que um cara que não pertencia à ala da Portela, e que teve o seu samba eliminado, podia fazê-lo?

C – E esse negócio que o Paulinho citou aí. Nego chega e vai entrando na maior. O Joãozinho Trinta que está na Beija-Flor e ninguém sabe por quê... Bem, a gente sabe porque, mas chega de repente assim e assume uma posição de comando. Bem, a Beija-Flor é um caso à parte, há um interesse político, é bom nem falar muito...

PV – Sobre isso aí é bom depois a gente se reportar às últimas declarações de Carlinhos Maracanã, que disse assim: “Em 72, eu cheguei na Portela e acabei com a máfia da escola”.

CE – Vai ver quem era a máfia...

PV – Pois é, vai ver quem era...

RF – Era o sambista (risadas).

CE – Exato, éramos nós mesmos. Mas, então, não tinha cabimento você permitir que um elemento que não era da escola e cujo samba já havia sido eliminado, participar dos ensaios, cantando o dito samba. Aí, ele se aborreceu e disse lá o seguinte: “Pô, eu fiz um pedido, sou presidente da escola, certo ou errado, tem que fazer o que eu mando, entendeu?”

C – Mas, você passou por cima do porquê dessa atitude do Carlinhos, dessa imposição...

CE – Ah, eu já não me recordo...

C – Não, você sabe sim.

CE – Deixa pra lá. Mas, aí eu to ouvindo aquela gritaria, aquele bafafá no meio da quadra, o Natal lá e Paulinho depois me contou que Natal teve vontade de me dar uma bolacha (risadas). Eu tava atrapalhando a política deles. Natal era presidente de honra, mas foi o Carlinhos que deu a decisão: tem de contar, que ele era o presidente da escola e a gente tinha que fazer o que ele mandasse. Então, eu achei que não devia fazer e tirei minha camisa (nessa época a gente usava camisas iguais) pedi uma emprestada ao Waldir 59, fui embora e não voltei mais. No dia seguinte, o Mazinho me chamou pra conversar, aquele blá-blá-blá, né?

C – É, e vieram aqui em casa me chamar pra voltar, porque eu conivente com a tua posição, me solidarizei, né. Achei que devia, porque você era nosso auxiliar imediato e achei que quando fizeram isso com você fizeram comigo também. Aliás, foi a única tentativa da Portela em formar uma ala de compositores moralizados. Hoje tem lá uns cento e poucos compositores e, verdade seja dita, nem todos têm condições de estar numa escola de samba da tradição da Portela. Mas, isso faz parte do processo de eliminação de todos os valores de peso dentro da escola, afastar essas pessoas que “atrapalham”. Eu não entendo o porquê disso. Porque há uma preocupação muito grande em fazer show, em faturar. O Hiram até andou dizendo aí numa entrevista que o negócio é faturar, ele falou um monte de bobagens que até agora eu não entendi. O que tem o mundo árabe com isso, hein? (risadas). Eles disseram isso. Que que nós temos com essa pomba de mundo árabe?

JBR – Como é que o Amaury Jório (um dos fundadores do GRES Imperatriz Leopoldinense, do qual foi presidente e ex-presidente da AESG/AESCRJ entre 1970 e 1978) e o Hiram Araújo entraram nesse negócio de samba, hein?

CE – Pela Imperatriz Leopoldinense.

JBR – O Hiram é médico, né?

CE – É, e o Amaury é farmacêutico.

RF – São sócios na farmácia e tal...

CE – Eles não podem dizer que nós não fizemos nada. Não podem negar o valor do nosso trabalho pois nós fizemos um movimento tão grande e tão certo naquele curto espaço de tempo, organizando a ala, saiu até um disco pela Odeon (em 1972) e que atrasou por causa dessa confusão que eles criaram. Foi tudo bem planejado, começou em maio com a abertura das inscrições e em junho nós ouvimos as músicas e em julho foi executado o festival.

PV – Foi gravado na Odeon?

CE – Foi você quem produziu, já esqueceu?

PV – Não, não.

CE – O Trabalho foi todo feito dentro do prazo previsto. Não houve furo. O único furo que houve foi o retardamento do lançamento do disco, por causa dessa confusão que eles fizeram. Aí, nós ficamos afastados. Paulinho se aborreceu, não queria continuar, mas depois o Candeia insistiu e ele acabou fazendo o disco e, eles com inveja da gente, quiseram fazer o disco também e fizeram um outro (Refere-se ao LP Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, gravado pela Continental, também em 1972, com os seguintes samba e intérpretes: Ylu-Ayê (Silvinho do Pandeiro); O mais belo requinte (Avelino); Manchete (Tacira da Portela); A noite vestia azul (Catoni); Saudade (Tacira da Portela); Andorinha torta (Avelino); Decepção (Tacira da Portela); Minha ambição (Cabana); Nova forma de amar (Silvinho do Pandeiro); Choro (Adilson); Segundo rio que passou (Adelino); Só lágrimas (Silvinho do Pandeiro) e Mestre Cinco e os Cobras da Bateria da Portela) com os compositores perdedores, mas aqueles que gravaram conosco não fizeram nenhuma outra gravação (sic). E eles fizeram rapidamente um outro disco lá com David o mais não sei quem lá. Mas um disco mal feito, correndo.

C – Mal feito em tudo.

CE – E tem outro detalhe: no ano seguinte, eles tentaram fazer o mesmo torneio de samba que nós tínhamos feito, mas não deu pé.

C – Nunca mais realizaram outro trabalho igual àquele. Mataram, tiraram a possibilidade, nunca mais realizaram um trabalho de organização, aquele movimento foi de uma importância fundamental dentro da escola, sabe por quê? Porque ali nós já estávamos sentindo a necessidade de soerguer coisas que estavam se extinguindo. Então, nós fizemos aquele concurso, mas mantendo as diversas características, quer dizer, o samba de terreiro e o partido alto, exatamente para incentivar o pessoal a voltar a compor e cantar samba de terreiro e partido alto. Mas, o que fizeram esses inovadores? Mataram tudo isso, jogaram por terra. Não era nada fechado, havia um clima de acesso mas um acesso gradativo. Um coisa normal que todo mundo passava. O cara chegava numa escola de samba ficava numa espécie de estágio, fazendo samba para a escola, para ver se dava pé mesmo, e se era aprovado. Todo mundo da antiga conta isso. Eles conseguiram derrubar tudo isso. E são esses mesmos elementos que dizem que nós não participamos. Nós temos participado e continuamos participando, só que a nossa participação não é considerada ou então eles nos usam da maneira que nos usaram, que foi uma coisa acintosa. Nos chamaram para participar de uma comissão julgadora de samba-enredo, cuja música já estava com a carta marcada, quer dizer, já sabiam quem seria o vencedor. E nos chamaram pra poderem dizer mais tarde que o Candeia e o Paulinho da Viola participaram da comissão. E aí, nós levados por um espírito de cooperação, de participação, fomos. Fomos usados. Onde o tiro saiu pela culatra e eles não esperavam foi que nem eu nem Paulinho votamos no samba dos caras. E não foi nada combinado não. Foi uma questão de sensibilidade, foi de consciência, comunhão de pensamento. Porque, meu irmão, se nós tivéssemos votado naquele samba...

PV – Eu disse lá: olha, esse samba aqui não tem nada a ver, não pode, é ruim.

C – Não tem a menor característica de samba-enredo, é uma coisa forjada. Até então, o samba-enredo tinha uma característica própria, ele tinha uma melodia e uma harmonia diferente dos sambas de rádio.

PV – Olha, se for mexer nesse negócio vai ser uma pesada. Nós estamos nos referindo ao samba da Portela, agora se vocês forem ver, escutar os outros sambas das outras escolas, vão ver que é tudo uma coisa só. Aquela coisa enjoativa, repetitiva, chavão, cansativa, padronizada, mal gravada, com aquele negócio assim de “vamo lá minha gente”, forçando uma alegria que não existe, sabe como é?

C – E um: É, aquele negócio de “Que beleza”, né?

PV – Era preciso fazer uma análise disso, pegar e mostrar o que está se repetindo. Os sambas-enredo estão chatos, feios, repetitivos, sem nenhuma criatividade. Agora, é chato pra gente falar isso, porque nós somos compositores também. Daqui a pouco todo mundo se levanta contra a gente pra dizer: “Pô, esses caras são uns despeitados” (risadas). Agora, porque o exercício democrático dentro das escolas, como havia, quer dizer, o que é o exercício democrático? O tempo para os compositores trabalharem nos seus sambas, terem maior liberdade, não estarem tão comprometidos com esse tempo para gravar o disco, através da AESERJ que envolve negócio de dinheiro, senão não dá tempo. Eu já denunciei isso numa reunião aí e disse que isso tem que acabar.

C – Quando eu chamei a atenção para esses contratos assinados com a AESERJ, foi por causa disso. Que dizer, chegou o final de novembro o samba tem de estar pronto.

RF – E com isso fica prejudicada a qualidade do samba, né?

C – Além de diversas outras implicações, mas a primeira é essa. Olha, uma coisa que foi dita e foi até o Paulinho quem disse, na reunião da Portela, foi que voltassem todos os sambas e se começasse tudo outra vez.

PV – Não. Eles acharam isso. Eles pegaram e disseram: “Olha, realmente, não tem nenhuma letra à altura.” Aí, o Hiram tomou a palavra e disse: “Olha, eu dei toda a liberdade, pra que eles (os compositores) dissessem aquilo que sentiam com relação ao enredo. Dessem a visão deles, queria que dessem a visão pessoal de cada um.” Foi isso que foi dito pelo Hiram. Aí, eu disse: “Não, nesse caso, já que a gente constatou que não tem nada à altura, só tem duas opções: ou você, Hiram, volta atrás e manda começar a feitura dos sambas outra vez, volta tudo outra vez, e não vai dar tempo, ou você assume isso. Diz, explica publicamente que a Portela resolveu dar toda a liberdade aos seus compositores do tema “Mulher à Brasileira” e o que saiu foi isso, um visão média do homem de escola de samba. Uma visão pessoal do sambista, com relação à mulher. Então, nós da Portela, assumimos isso”. Mas, existe um compromisso com a mentira, é uma coisa nojenta e incrível. Volto a dizer: a impressão que dá é a de que existe um complô armado para se apagar, mas apagar mesmo, assim: Não, o passado das escolas de samba é um negócio que não existe. Escola de samba é agora “essa coisa fantástica que existe agora”.

RF – Claro, claro.

C – Eu to ouvindo dizer que quem vai surpreender este ano vai ser a Beija-Flor. Está ensaiando quase em regime militar, cinco horas por dia, a portas fechadas. Não sei se por dedicação ou por amor, ou sei lá porque, existe lá uma disciplina muito rígida, num regime de respeito, do medo e do terror. Vai ver que é por dedicação, por comprometimento, coisas assim. Bem, segundo o Joãozinho Trinta, vem ensaiando um samba no pé...

RF – Mas, esse regime de terror que você diz o que é? Quer dizer, você vê isso como uma coisa positiva?

C – Não, não é isso. É positivo o lado da disciplina e, isso também é porque a Quilombo sacudiu a cuca de muita gente, lutando contra esse estado de coisas. Mas, regime de terror não é bom, não. A moral da história é que parece que a Beija-Flor vai surpreender no carnaval (o enredo para 1978 foi "A criação do mundo segundo a tradição Nagô", com o qual a Beija-flor obteve o primeiro lugar e, por conseguinte, o Tetra-Campeonato). Mas, dizem que não é essa “surpresa” dos anos anteriores não. É samba no pé mesmo. Dizem. Então, dizem que o Joãozinho Trinta vai acabar com esse negócio de mulher seminua em cima de carro alegórico, outras subindo nos carros para dar beijinhos. Ele diz que vai dar o grande golpe e inclusive vai cobrar de você, Paulinho, e vai dizer: “Como é Paulinho? Como é Candeia?”

PV – É (irritado) mas não foi assim no ano passado. Ele veio com outras coisa que não considero escola de samba.

C – Não, mas este ano será, dizem, diferente. Agora, olha a minha conversa com o Hiram. Aliás, o foi no dia em que a Clara (Nunes) lançou o disco dela (As forças da natureza, com show de lançamento no Portelão, eternizado em placa de bronze ainda existente numa parede da quadra) e você estava lá, eu nem pude falar com você.

PV – Fui lá por causa da Clara e depois me mandei. Não fico mesmo. Fui lá por causa da Clara e só.

C – Eu também. Nem cheguei perto, fiquei na cozinha da Tia Vicentina (casa existente entre a Praça Manacéa e a área coberta: neste espaço eram realizados os pagodes com o famoso “feijão da Vicentina” e são realizadas as feiras de fantasias, às quartas-feiras), mas olha só. O Hiram foi lá bater papo. Ele não diz as coisas com fundamento. Conversamos mais ou menos uma hora. Ele não é tipo de pessoa que diz as coisas com fundamento. Ele me decepcionou porque eu percebi que o Hiram não fala as coisas por saber, com fundamento, ou defendendo pontos de vista dele. Ele apenas é um cara que transmite aquilo que outros...

PV – Porta-voz.

C – É. Porta-voz. Um papagaiozinho, certo? Não, diz as coisas por saber ou porque pensa assim. Eu até pensei que fosse haver um “tête-a-tête”, de alto nível, eu defendendo a minha posição e ele defendendo a dele, mas, não deu porque o cara é fraquinho, é um São Cristóvão. Então, o que aconteceu? Eu disse pra ele que a Portela é a única escola que tinha condições de fazer uma abertura, de não se prender ao chamado mercado, de atender ao consumo, porque a Portela tem um patrimônio e tem 19 carnavais ganhos, então a Portela pode abrir com tudo isso, pode dar uma pancada nisso que ta aí. Aí, ele falou: “Não, porque eu ainda não ganhei nenhum carnaval. Eu preciso ganhar um carnaval pra manter diálogo com você.” Eu disse: “Pô, mas a escola está divorciada, aquele velho papo, há quanto tempo vocês não travam um diálogo com o pessoal da escola? E ele disse: “Só tem diálogo se a Portela ganhar um carnaval.”

PV – Não ganha, não ganha.

C – Como, se está tudo “arrumado” pra isso?

PV – Mas, as minhas fontes são seguras. São aquelas fontes...

C – Mas eles estão convencidos que ganham, com o dinheiro.

PV – Mas não ganham. Enquanto essa diretoria não mudar, não ganha carnaval.

C – Pois eles acham que ganham.

PV – Deixa eles acharem. Não é dinheiro não, é outra coisa.

C – O que é, política?

PV– Não, Candeia, é lá no Fundamento, entende?

C – Certo, certo. Mas, eles estão convencidos... Deixa eles se convencerem.

PV – Guarda bem o que eu vou falar. Só não acontece na Portela por causa da tradição. Mas, esse ano descem quatro escolas e uma vai ser grande, esta ano. Este ano (de fato, “caíram” para o então Grupo Dois os GRES Arranco do Engenho de Dentro, Arrastão de Cascadura, Unidos de Vila Isabel e Império Serrano). Eu queria que acontecesse isso com a Portela, sabe por quê?, Saía essa moçada toda, que está aí, que só tá a fim de dinheiro e não iam querer investir milhões numa escola que está no segundo grupo. Seria a maneira de a Portela renascer.
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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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