25 de fevereiro de 2011

Anhangüera dá Samba! Silvio Modesto

Silvio Modesto. Lenda do samba paulista. É carioca, mas pertence ao samba paulista. Plinio Marcos o definiu assim, em 1976:


Silvio Modesto é considerado o mais completo sambista carioca em São Paulo. Mestre-sala nota dez, compositor inspirado, excelente ritmista e um dos maiores partideiros do Brasil. Veio pra São Paulo pra desafogar, que a maré não estava pra peixe lá na Carioca. Veio se virando com os bilhetes premiados. Naquela de jogar a sorte grande no pé do otário e dizer que foi o destino. Encontrou por acaso o Jangada. Já se conheciam de velhos carnavais. Firmaram uma parceria e vêm sempre juntos. É outro carioca que não pensa em ir embora nunca mais.


Tá aí até hoje. Compondo e cantando bonito. Hoje vai mostrar todo seu talento no Clube Anhangüera. É o Projeto Anhangüera dá Samba! escrevendo mais um capítulo bonito da história. E dá-lhe Inimigos do Batente! Quantos bambas passaram por essa roda!


Projeto Anhangüera dá Samba / Inimigos do Batente convidam Silvio Modesto
Local: Clube Anhangüera
Endereço: Rua dos Italianos, 1261 – Bom Retiro – São Paulo - SP
Data: 25 de fevereiro (sexta)
Horário: a partir das 22h
Valor: 15 reais

24 de fevereiro de 2011

Pega o Lenço e Vai, um Bloco de Samba

Quando os sambas desfilados pelas Escolas de Samba no Carnaval deixaram de ser livres e espontâneos, ou seja, desvinculados de um enredo - de terreiro mesmo, e passaram a obedecer um formato que obedecesse uma temática histórica e nacionalista (era época do Estado Novo de Getúlio Vargas), os sambistas passaram a se valer de um novo elemento no momento das composições das músicas que iriam ocupar o imaginário coletivo durante o Reinado Momesco: os livros de história.

Saía de cena o formato de desfile em que eram cantados três sambas de terreiro com apenas a primeira parte, com temáticas diversas e desvinculadas do enredo do ano (que apenas servia para estabelecer uma unidade visual nas fantasias e alegorias), com os versadores improvisando nas segundas partes, e entrava o modelo que segue até hoje (embora totalmente descaracterizado) que obriga o samba a estar vinculado com o enredo da escola.

Os primeiros sambas enredos possuíam grande riqueza melódica e poética, herança dos sambas de terreiro que eram o que aqueles compositores sabiam fazer de melhor. Aos poucos, estes sambas enredos foram perdendo sua similaridade com os sambas de terreiro, que viraram quadra, e se transformaram em "marcha enredo". O que se vê hoje na Sapucaí não é mais samba, e isso é fato.

Mas mesmo quando os primeiros sambas enredos foram criados, com aquelas lindas melodias, a temática era sempre sobre a história oficial do Brasil, aquela dos livros de História da época, aquela história que era vista pela ótica dos vencedores. Sendo assim, muitas vezes se saudavam ditadores, coronéis e oficiais militares. O negro... O negro era quem desfilava e só. Jamais louvado, jamais festejado nos enredos.

Até que o Salgueiro começou a falar da Chica da Silva, do Chico Rei, do Navio Negreiro, de Palmares. A Unidos da Tijuca, também. E assim outras Escolas foram por este caminho.

Mas foi apenas um sopro. Hoje, nem a História do Brasil é mais contada pelas Escolas de Samba no Carnaval. Os enredos são comprados por empresas. E os compositores muitas vezes nem fazem mais samba de terreiro (ou quadra, nos dias de hoje).

Diante deste cenário surge um novo elemento. A Lei 10.639-03, que obriga o ensino da História e da Cultura Afrobrasileira. E como seriam os enredos do passado se esta lei já existisse àquela época?

Pois  neste cenário que une o carnaval descaracterizado - sem samba enredo e sem samba de terreiro nos desfiles - a uma estrutura educacional brasileira falha, que pena para por em vigor uma lei que já deveria ter criada junto com a Lei Áurea, temos um sopro de esperança.

É chegada a hora de anunciar a volta às origens, a busca pela tradição, o ideal de fazer com que o samba seja agente transformador: o Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai.


Um pouco de sua história e contexto geral. A Grande São Paulo abriga hoje diversos coletivos de sambistas que atuam na preservação de uma memória coletiva. Pessoas que estudam, pesquisam e resgatam muitos sambas antigos, de grandes compositores. Envolvidos na criação deste importante Bloco de Samba estão o Samba de Terreiro de Mauá, o Terra Brasileira, o Glória ao Samba, o G.R.E.S. Imperatriz Mauaense e mais alguns sambistas. Fundamental também para a criação deste Bloco é a atuação do Coletivo Usina Preta, que faz importante atuação no movimento negro.

Danilo Ramos Silva, o Danilão de Mauá, é peça chave na gênese deste projeto. Fundador e articulador político do Samba de Terreiro de Mauá, também é criador do Usina Preta. Pensando no centenário da Revolta da Chibata, completada em novembro do ano passado, começou a imaginar a criação de um Bloco que pudesse sair no Carnaval exaltando os heróis negros, esquecidos pela História, e com isso valorizar a Lei 10.639-03, ao mesmo tempo que pudessem novamente emplacar o samba na avenida, como nos bons tempos. A ideia de também se cantar sambas de terreiro, sem enredo, como na época carnavalesca pré-Estado Novo, também entrou em pauta.

"O Bloco surgiu com a ideia de resgatar os antigos carnavais e trazer uma discussão política dentro disso, com um tema chave, e abrindo espaço para composições desta linhagem de samba de terreiro de vários parceiros", explica o militante.


O samba enredo de 2011 é o João Cândido, herói brasileiro, de Danilão e Leo. Também serão cantados no desfile: Pobre bem-te-vi (Lo Ré e Tuco), Esquenta os tamborins (Robson do Terra Brasileira e Bola), Vertendo lágrimas (Edinho e Marcelo Baseado) e Ingrata mulher (Careca do Violão).


Na pesquisa para o enredo, foi fundamental o apoio do Ceap (Rio) e do Instituto do Negro Padre Batista.


A ideia era fazer algo novo, que pudesse reviver os carnavais de outrora, mas sem deixar de ter uma ligação com as atividades que os coletivos desenvolvem durante todo o ano. 


E se durante estas atividades o grande foco era a preservação dos sambas antigos, o desfile não seria a hora ideal para se cantar as novas composições que vêm surgindo por aí?


"Sempre tivemos em Mauá esse compromisso com o resgate de sambas antigos. Mas é importante abrir espaço para o novo. Senão fica contraditório. Qual é a renovação, que olhar novo?", analisa Danilão. "Dentro desse olhar, aproveitamos o bloco para explorar isso. Então anualmente teremos uma renovação", complementa.


Leonardo Dias, o Leo, outro grande articulador do Samba de Mauá analisa esta opção. "À princípio, pensamos em cantar alguns sambas de terreiro antigo, mas vimos que seria uma ótima oportunidade de cantar os sambas novos da rapaziada. O Marcelo Baseado, daqui de Mauá, foi um grande idealista disso aí."


O nome do bloco, Pega o Lenço e Vai, tem explicação. Os marinheiros usavam um lenço amarrado na testa (para proteger do suor, limpar a pólvora, etc) durante as guerras e confrontos. Em tempos de paz, o lenço ia pescoço. Hoje é símbolo da Marinha. Neste bloco que nasce homenageando um marinheiro negro, herói brasileiro, nada mais justo que o nome seja este. A ideia do nome partiu de outro sambista de Mauá, o Ocimar, também um grande batalhador pelo samba.


"No bloco, não vai ter fantasia, uniforme... Só um lenço no pescoço. Você pega o lenço e vai", afirma Léo.


Mais que um simples desfile carnavalesco, mais que apenas brincar o carnaval, os sambistas envolvidos pretendem mostrar que o samba pode ser um agente social, político, de transformação e conscientização.

Ao buscar estabelecer uma relação entre o samba e "uma cultura de paz, nossa arte, nosso amor", o Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai cumpre seu papel. No dia do desfile será o "dia de rei" para os foliões. Com civilidade, compromisso social e responsabilidade, conforme nos legou Paulo da Portela.

"Não podemos só ficar batendo pandeiro sábado e domingo sem compromisso, sem um propósito maior. Tem que haver uma ação social também", diz Léo. Ações que nos remetem a um tempo em que as Escolas de Samba cumpriam este propósito. "Estamos resgatando uma natureza que nos foi tirada", completa o sambista.

Neste sábado, às 15 horas, o bloco sai do Pólo Cultural Buiú's (Bar do Buiú), tradicional ponto de encontro do Samba de Terreiro de Mauá. O endereço é Rua San Juan, 121, Parque das Américas, em Mauá.


Hora de ver a história de ser escrita, participar dela. Vida longa ao Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai.

João Candido, o herói brasileiro (Danilão - Leonardo)

Salve o Almirante Negro
Que liderou a grande insurreição
Por anos foi tratado como desertor
Pela Marinha brasileira

Em 22 de novembro de 1910
Num jantar concedido
Para o alto escalão
Guanabara recebeu
O primeiro tiro de canhão

João Cândido herói
Cidadão negro brasileiro
Líder da revolta da chibata
Clamou justiça
Para o pobre trabalhador

Laiá laiá laiá
João Cândido é o nosso grande herói brasileiro
Laiá laiá laiá
Salve o Almirante Negro

18 de fevereiro de 2011

Agenda Cultural - De 18 a 24 de fevereiro

Samba da Ouvidor
Endereço: Esquina da Rua da Ouvidor com a Rua do Mercado - Centro - Rio de Janeiro/RJ
Data: 19 de fevereiro (sábado)
Horário: às 15h
Valor: Grátis


Samba da Maricota
Local: Marcelino Pan y Vino
Endereço: Rua Girassol, 451 - Vila Madalena - São Paulo/SP
Data: 19 de fevereiro (sábado)
Horário: às 17h
Valor: 10 reais


Bafafa do Caruru
Local: Serralheria
Endereço: Rua Guaicurus, 857 - Lapa - São Paulo/SP
Data: 19 de fevereiro (sábado)
Horário: às 21h
Valor: 10 reais


Ouro Verde
Local: Ouro Verde F.C.
Endereço: Rua 9 de julho, 41, Marapé - Santos/SP
Data: 19 de fevereiro (sábado)
Horário: 19h
Valor: Grátis


Central do Samba
Local: Afrosul Odomodê
Endereço: Av. Ipiranga, 3850 - Porto Alegre/RS
Data: 20 de fevereiro (domingo)
Horário: a partir das 17h
Valor: Grátis

Sábado é dia de samba com a Maricota!

Um sábado repleto de sambas na voz de Mariana Furquim, a minha amiga Maricota. 

À tarde, a partir das 17h, o "Samba da Maricota" será no Marcelino Pan y Vino (Rua Girassol, 451), com couvert sugerido de 10 reais. No acompanhamento, Helinho, Messias, Alfredão e Barba, só fera.


Na sequencia teremos o já tradicional "Samba na Serralheira", mais uma vez com o grupo Bafafa do Caruru. Mari vem acompanhada das ótimas cantoras Paulinhas Sanches e Flora Poppovic. Helinho e Barba também estão nessa, assim como Paulinho Timor, To Be, Cacá Sorriso e Luana Ozzetti.

Esta roda começa às 21h. Para entrar, dez contos (em dinheiro apenas). A Serralheira fica na Rua Guaicurus, 857. Bora sambar?


16 de fevereiro de 2011

Grande amor (Martinho da Vila)

GRANDES BRASAS DA HISTÓRIA

Brasa do Martinho, na voz da grande diva Clara Nunes (1968) e também na sua bela interpretação (1969).

Grande amor (Martinho da Vila)

Um grande amor
Sempre tem melancolia
Tem tristeza e alegria
Num mundo de ilusão
Num grande amor
Tem de tudo um bocadinho
Tem ternura e tem carinho
Tem castigo e tem perdão

Se o amor se vai, saudade vem
Um novo amor virá também
Se alguém brigou, sorriu, cantou
Feliz ficou
Se amou demais, perdeu a paz
Chorou, chorou

11 de fevereiro de 2011

Agenda Cultural - De 11 a 17 de fevereiro

Ouro Verde
Local: Ouro Verde F.C.
Endereço: Rua 9 de julho, 41, Marapé - Santos/SP
Data: 12 de fevereiro (sábado)
Horário: 19h
Valor: Grátis


Dona Inah
Local: SESC Birigui
Endereço: Travessa 7 de setembro, 5 - Vila Xavier - Birigui/SP
Data: 12 de fevereiro (sábado)
Horário: 20h30
Valor: Grátis


Anaí Rosa e a Sambíssima Trindade
Endereço: Avenida Luiz Dumont Villares, 579 - Santana - São Paulo/SP
Data: 12 de fevereiro (sábado)
Horário: 19h
Valor: Grátis


Central do Samba
Local: Afrosul Odomodê
Endereço: Av. Ipiranga, 3850 - Porto Alegre/RS
Data: 13 de fevereiro (domingo)
Horário: a partir das 17h
Valor: Grátis

8 de fevereiro de 2011

4 de fevereiro de 2011

Agenda Cultural - De 4 a 10 de fevereiro

Samba da Ouvidor
Endereço: Esquina da Rua da Ouvidor com a Rua do Mercado - Centro - Rio de Janeiro/RJ
Data: 5 de fevereiro (sábado)
Horário: às 15h
Valor: Grátis


Samba no Beco
Local: Favela da Vila Prudente
Endereço : Entrada pela Anhaia Melo com a Dianópolis
Data: 5 de fevereiro (sábado)
Horário: a partir das 19h
Valor: Grátis


Samba do Olaria
Local: Bar do Tião
Endereço: Rua Costa Barros, 1712, Vila Alpina - São Paulo/SP
Data: 5 de fevereiro (sábado)
Horário: a partir das 17h
Valor: Grátis


Ouro Verde
Local: Ouro Verde F.C.
Endereço: Rua 9 de julho, 41, Marapé - Santos/SP
Data: 5 de fevereiro (sábado)
Horário: 19h
Valor: Grátis


Carmen Queiroz canta Miriam Batucada
Local: SESC Vila Mariana
Endereço: Rua Pelotas, 141 - Vila Mariana - São Paulo/SP
Data: 5 de fevereiro (sábado)
Horário: 13h30
Valor: Grátis


Central do Samba
Local: Afrosul Odomodê
Endereço: Av. Ipiranga, 3850 - Porto Alegre/RS
Data: 6 de fevereiro (domingo)
Horário: a partir das 17h
Valor: Grátis

1 de fevereiro de 2011

Uberlândia era a própria Portelinha

Francisco Santana foi um dos grandes compositores que a Portela apresentou à música brasileira. Extremamente lírico, com melodias caprichosas, cunhou grandes páginas do livro do samba. Foi integrante da Velha Guarda desde sua fundação até os últimos dias de sua vida. Seria centenário neste ano de 2011 se não tivesse nos deixado, em 1988. Partiu para o Reino da Glória, mas deixou seu nome nos anais da história. 

Podemos considerar Chico Santana um herói nacional. Mais do que generais, mártires e outros vultos históricos que são citados nos livros escolares, sambistas como ele foram responsáveis por verdadeiras transformações na cultura e na sociedade brasileira, atuando ativamente na lapidação de um diamante em estado bruto que era a então nascente música popular urbana. Suas melodias e versos ultrapassaram as fronteiras dos terreiros e avenidas, foram além da Escola de Samba e do Carnaval. Chegaram aos nossos dias.

Hoje temos as Escolas de Samba e o Carnaval desvirtuados pela lógica do capitalismo e pela transformação provocada pelos "adventícios" em seus seios. Vemos as Velhas Guardas envelhecendo sem que possam passar o bastão para os jovens da Escola, pouco comprometidos com a preservação desta rica cultura.

Mas a Portela e, mais além, o samba de terreiro, não morre. Não morre e nunca morrerá. O espírito verdadeiro, a chama da Portela e de todas as Escolas de SAMBA, mora dentro do coração de quem cultua nossa história e atua ativamente na preservação deste patrimônio. A Portela, verdadeiramente, não é aquilo que se vê atualmente no Carnaval carioca, e sim o "coquetel de sambistas", o "comitê de artistas" que lutam e vivem para elevá-la. 

Brasil afora, existe hoje um movimento de valorização e preservação e, por que não dizer, culto ao samba de terreiro que se faziam nas Escolas de Samba de outrora. Principalmente em São Paulo, mas também em outros Estados brasileiros, existem fortes núcleos de pesquisa e estudo de sambas antigos da Portela, da Mangueira, do Salgueiro, do Império Serrano e do Estácio de Sá. Sambistas que bebem da fonte dos antigos, resgatando sambas que muitas vezes acabariam esquecidos dentro de um baú velho. Tocam o samba com todos os instrumentos desligados, com um grande coro permeando a bela orquestra de ritmo e harmonia.

E assim, com as Escolas de Samba desvirtuadas, mas com um forte núcleo nacional de sambistas atuando ativamente pela memória destas, as homenagens aos sambistas só poderiam partir dos sambistas de fato. Pois bem, neste centenário do Chico Santana, a homenagem não partiu da Portela, e sim dos sambistas de rodas de samba de São Paulo, Mauá, Uberlândia e Porto Alegre. Unidos, pelo samba e nada mais. Não há interesse comercial, político, sindical e nem religioso. O partido é o partido alto, a religião é o samba e o sindicato é dos sambistas brasileiros. Unidos para exaltar um grande baluarte da Portela.
A preparação começou ainda no ano passado. Ficou decidida a participação das seguintes rodas de samba: Roda de Samba de Uberlândia, Projeto Samba de Terreiro de Mauá, Projeto Comunitário de Resgate à Velha Guarda Terra Brasileira (São Paulo), Glória ao Samba (São Paulo), Núcleo de Samba Jequitibá (São Paulo) e Projeto Resgate (Porto Alegre). Ainda está prevista uma roda de encerramento no Rio de Janeiro, no fim do ano.

A organização é conjunta, discutida entre todos os coletivos. E o trabalho de pesquisa, idem. Juntamente à obra gravada do mestre (pequena, mas muito significativa), alguns sambas inéditos foram coletados.

E neste último final de semana tivemos a primeira roda, em Uberlândia. A recepção, foi digna das respeitosas visitas que aconteciam entre as Escolas de Samba do Rio de Janeiro, na antiga. Uma aula de civilidade e respeito. Não à toa, os antigos se tratavam como "mano", devido à grande fraternidade e respeito que havia entre eles. Hoje, os sambistas que seguem a linha da Velha Guarda mantêm esta  tradição. Estavam lá, vários "manos" do samba, estilo que cunhou essa "irmandade" bem antes do rap.

Presente também nesta primeira celebração, Dona Neide, filha de Francisco Santana. Ela, que foi as lágrimas várias vezes, assim como muitos presentes, inclusive este "mano" que lhe escreve. Ela que, no dia seguinte, ainda embriagada de emoção, disse: "Depois de ontem, eu sou a pessoa mais feilz do mundo".

Presentes os sambistas, era hora de organizar a roda. Careca, exímio ritmista da Paulicéia, arregimentava os integrantes da gigantesca roda. "Os tamborins juntos, cavaco em bandolim pra cá, o outro cavaco pra lá, um violão aqui, etc..". Entre muitos instrumentos, um pandeiro à la Alberto Lonato, do Mano Galego, minerim bão, e um tamborim grave, de couro de cabrito, à lá batucada do Estácio, do Mano Janderson, da Baixada Santista, berço do maior time de futebol do Brasil.

Tudo pronto para o início. Antes de começar a homenagem, Fernando Paiva, representante da Roda de Samba de Uberlândia, um grande sambista brasileiro, estudioso e curioso (o que é uma excelente qualidade à astutos repórteres e pesquisadores), fez um breve discurso e concluiu com as belas palavras: "Nossa intenção aqui não é nenhuma outra a não ser homenagear o Chico Santana, não queremos mudar a história da música, não queremos revolucionar nada, nós só queremos mostrar o que a Velha Guarda tem".

E tome samba. "Si bemol"

Em primeiro lugar eu quero a graça de Deus
Em segundo lugar
Quero a saúde e que Deus me ajude
Em terceiro eu quero o dinheiro
Em quarto lugar, quero a mulher
E o resto seja o que Deus quiser

Em preces eu solicito
As graças do infinito
Pois desejo sim
Tudo de bom pra mim
Pois viver é sonhar 
E sorrir e cantar
Sem blasfemar um sentimento qualquer
Pois o mundo é tão bom
Com saúde, dinheiro e mulher

O samba, parceira de Chico Santana com Armando Santos, é inédito, assim como outros tantos cantados na Toca do Patrimônio, em Uberlândia.

Pude sentir algumas lágrimas sobre meu rosto. E antes que pudesse me dar conta, escutava os versos ecoando na bela roda de samba: 

O pranto que é chorado interiormente
Deixa no coração uma dor pungente
Meus olhos sentem vontade de chorar
Nenhuma lágrima para derramar
Sorrir, já não posso mais
Chorar, já não sou capaz
Porque secou a fonte do meu pranto
Meu Deus porque eu sofro tanto

Ah se meu pranto revivesse
E em meus olhos corresse
Gotas d'água a derramar
Com os olhos razos d'água
Escondia minha mágoa pra desabafar

Olhava para os lados e me sentia na Portela antiga que não vivi. Cada sorriso, cada olhar marejado, cada gesto de alegria dos sambistas faziam-me mais feliz. A Toca do Patrimônio ("um espaço para o samba", como dizia o texto na entrada do local) era a própria Portelinha. E entre nós ali, estava presente o espírito de civilidade que Paulo da Portela nos legou.

Cada rufar de pandeiro, cada acorde vibrando no ar. Tudo era gravado na minha retina. Cada vez que entrava o surdo, batia junto, mais forte, meu coração. Chico Santana era compositor de mão cheia, um dos grandes símbolos da Portela. Era o Chico Traidor, "foi traído e não traiu jamais". Pois logo foi entoado o samba:

Quem vê cara, não vê coração 

Um sorriso também pode ser uma traição 

Cristo também foi traído 

Por Judas fingindo ser amigo 
Com tanta ternura um beijo na testa lhe deu 

E por trinta dinheiros lhe vendeu 
Com um sorriso Cristo recebeu o beijo de ironia 
Dando a impressão que nada sabia 
Judas estremeceu ao ouvir sua voz: 
Existe um traidor entre nós


Era brasa em cima de brasa. "Noite, que tudo esconde, devolva meu primeiro amor". O hino da Portela. O hino da Velha Guarda. 

E caía a noite, e a cachacinha mineira descia bem. A cerveja gelada refrescava o calor mineiro. E o feijão dava "sustança" para o restante da roda. 

Tudo era perfeito, mágico. "Corri pra ver, pra ver quem era, chegando lá, era a Portela".

"Portela é um batalhão de sambistas". "Portela é um coquetel de sambistas".

"Chegou a hora de caminhar, eu vou.Vou pra Portela, que o samba já me chamou".

Era a Portela ali. Eram portelenses, aqueles sambistas. Sim, a Águia Altaneira estava ali. Fechei os olhos, peguei o belo reco-reco produzido pelo Luís de Sumaré (que reco, hein, malandro!) e toquei. E cantava. E sentia o samba. As vozes fortes, não eram de Ventura ou João da Gente, mas sim de novos nomes como Lo Ré, Tuco, Marcelo Baseado ou Mano Paiva, para citar apenas quatro grandes "gogós" da nova geração.

Poucas vezes em minha vida me senti tão bem.

A roda terminou e uma incrível energia permanecia pairando no ar. Abraços e lágrimas entre os sambistas deixavam uma certeza no ar. Algo histórico havia acabado de acontecer ali. Salve todos os envolvidos neste projeto! 

E foi só o primeiro samba. Dia 12 de março, é a vez da roda de samba do Glória ao Samba. Francisco Santana, lá de cima, feliz, mal pode esperar.
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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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