16 de maio de 2007

Anhangüera dá Samba - Wilson Moreira

Às vezes ser um gênio não basta. É preciso muito mais. Quantos gênios não ficaram na escuridão da história simplesmente porque não apareceram para a mídia?

Mas mídia nunca se preocupou com os negros favelados. Nunca se preocupou com a cultura que brota dos morros, dos subúrbios, das metrópoles brasileiras. Então, muitos gênios ficaram anônimos. Simplesmente por serem favelados.

Wilson Moreira Serra é um destes gênios que poucos conhecem. Compositor de primeira, da estirpe de Cartola, Noel e Candeia, de quem inclusive foi parceiro, Wilson Alicate, como é conhecido no meio sambístico é um senhor sambista.

Alicate nunca foi um queridinho da mídia. Sempre se virou como pôde. A ajuda dos amigos sempre valeu muito mais do que qualquer coisa.

Mas injustiças históricas podem ser reparadas. Não, a Rede Globo não vai fazer um especial sobre o Wilson Moreira... Nem a MTV vai estrear um clipe seu na programação... Esta mídia ele ainda está longe de conquistar. Mas não importa. Ele será homenageado mesmo assim: será ele o primeiro convidado do projeto Anhanguera dá Samba, que todos os meses irá homenagear um sambista,

Quem está produzindo este projeto é o agitador cultural Arthur Tirone, vulgo Favela além do Fernando Szgeri, cantor dos Inimgos do Batente, o grupo que acompanhará os mestres todos os meses.

Nesta sexta-feira teremos Inimigos do Batente e Mestre Wilson Moreira. Imperdível.

Segue a filipeta com maiores informações.

8 de maio de 2007

Padeirinho e o samba de gírias

Antigamente, as escolas de samba eram um ambiente de respeito. As cabrochinhas tinham que ter autorização dos pais para desfilar e um clima familiar regia o mundo do samba. Em Mangueira não era diferente.

Certa vez, Quincas do Acordeon chegou com uma primeira parte de um samba cheio de gírias e pediu para Nelson Sargento fazer a segunda. Ele negou. Mangueira era um ambiente de respeito, como cantar um samba daqueles?

Ninguém queria fazer a segunda para o Quincas. O único que se interessou foi Padeirinho. Ele fez a segunda parte com um andamento mais sincopado (como era característico de suas composições) e rimou novas gírias. Afinal, samba bom para ele era samba cheio de rimas. O samba ficou assim:

Mora no assunto (Quincas do Cavaco - Padeirinho)

Mora no assunto e vê se te manca
Me admira muito você dando bronca
Ora deixe disso, que é fogo na roupa
Sabe lá o que é isso?
Então, mudou
Te dei o serviço e você não morou

Nessas alturas tenho que te esculachar
Pra seu governo, você deve se mancar
Como é que pode você dar tanta mancada?
Tenteia a Volga e deixa de chinfra, meu camarada
Como é que é? Vê se mora na jogada



Quincas, o inventor da nova modalidade de samba não aproveitou este filão. Já Padeirinho passou a fazer vários sambas de gíria, muitos em parceria com o próprio Quincas. Os dois assinam juntos “Vida de operário”, “Fofoca no morro”, “Salve a Mangueira”, além do clássico “Linguagem do morro”. Jamelão se encantou com Padeirinho e o gravou muito. Depois de Lupicínio, foi o compositor mais gravado pela lenda da Mangueira.

Em “Deixa de moda”, Padeirinho conta com todas as gírias possíveis, que o caso dele com a mulher “mirinhou”, ou seja, acabou;

Deixa de moda (Padeirinho)

Ora deixa de moda, que eu não vejo roda na tua baiana
Tens idéia de atraso, mas é que teu caso é assunto de grana
Sabe lá o que é isso, eu lhe dando um serviço e você não morar
Nunca foste modista, teu golpe de vista só tem que falhar

Esse teu baratino não é englobado para me engrupir
Tem bastante conversa, mas eu não vou nessa, é melhor desistir
Deste muita mancada, eu morei na jogada, você bronqueou
Nunca foste de nada, teu assunto mirinhou



Os sambas de gírias eram muito bons. Mas era impossível para quem não fosse do morro entender o que dizia um samba como “Nota de duque”, um dos sambas mais cantados no morro na Mangueira no final dos anos 50:

Uns e outros entrou no estarro
E foi o esparro da situação
Por causa de uma ninharia
Entrou numa fria de bobeação
Ele se meteu no truque
Da nota de duque
Virar um girau
Sem estar por dentro de nada
Caiu na robada
Que nem um capiau...

Padeirinho viu, então, que precisava “traduzir” os seus sambas. Assim surgiu um dos seus maiores clássicos, que mereceu várias regravações, “Linguagem do morro”, parceria com Quincas.

Linguagem do Morro (Padeirinho - Quincas)

Tudo lá no morro é diferente
Daquela gente não se pode duvidar
Começando pelo samba quente
Que até um inocente sabe o que é sambar
Outro fato muito importante
E também interessante
É a linguagem de lá
Baile lá no morro é fandango
Nome de carro é carango
Discussão é bafafá
Briga de uns e outros dizem que é burburim
Velório no morro é gurufim
Erro lá no morro chamam de vacilação
Grupo do cachorro em dinheiro é um cão
Papagaio é rádio
Grinfa é mulher
Nome de otário é Zé Mané




Padeirinho, “o filólogo do morro”. Um dos grandes compositores da Manga.

Fonte: Padeirinho da Mangueira, retrato sincopado de um artista - Franco Paulino

1 de maio de 2007

Samba Autêntico

Acabei de voltar do SESC Pompéia, onde vi uma espetacular roda de samba. Fiquei muito satisfeito com o que vi: o projeto Samba Autêntico, sob a batuta do cavaquinista T Kaçula, é um projeto e tanto, destes que deveriam se proliferar Brasil afora.

O projeto busca resgatar o samba em todas as suas vertentes, desde suas origens até os dias de hoje. Hoje eu escutei chulas, sambas de partido alto, de roda, de breque, de terreiro... Tudo muito bem tocado, com muita categoria.

Os sambistas são pesquisadores e cada samba, cada cantiga, cada batucada é apresentada com sua história e sua situação histórica no mundo do samba. Os sambas se perpetuam através de sua interpretação, mas sua história deve ser lembrada e exaltada sempre. E dependemos destes pesquisadores para isso.

A história do samba vai se escrevendo com o tempo. No Rio, a documentação acontece. Em marcha lenta, mas acontece. Em São Paulo, ainda há muito poucos registros. Pouco se sabe dobre o passado das tradicionais escolas de samba paulistanas. As Velhas Guardas de São Paulo também são pouco estudadas. E quantas histórias estes velhinhos não guardam?

Fiquei feliz em conhecer novos sambas. Sambas de terreiro da Rosas de Ouro, da Unidos de Vila Maria, da Nenê, do Peruche, da Vai-Vai, do Camisa... Sambas lindos da Velha Guarda e sambas lindos (viva!!) de jovens compositores.

Estes jovens têm um papel histórico e fundamental no samba. São eles que vão fazer com que as Escolas de Samba ainda sejam redutos de samba. Sim, porque hoje em dia vivemos a ditadura do samba enredo: quase ninguém, a não ser a Velha Guarda, pratica o samba de terreiro (ou de quadra) nas Escolas... Quanto mais jovem fizer isto, portanto, melhor.

Viva o Samba Autêntico, o Nosso Samba de Osasco, o Morro das Pedras (atual Terreiro Grande) e todos os sambistas que vivem para resgatar e preservar o samba, nossa maior expressão cultural.
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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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