29 de março de 2007

Coruja - Márcia Derraik e Simplício Neto


Bezerra da Silva é a voz do morro. Ele é a voz de quem vive e faz o morro. Ele é a voz dos favelados. É a voz dos pobres. Gente que vive na pobreza, mas é digna. E, sobretudo, feliz. Vivem com malandragem. E malandragem não é bandidagem. Bandido é “bicho solto”. Já dizia o próprio Bezerra, em parceria com N. Dias, “malandro demais vira bicho”. O bicho solto acha que é malandro. Para os malandros, ele é um mané, um otário.

Estas crônicas do morro que Bezerra canta são de autoria dos personagens que habitam a colina. Gente que trabalha e rala para conseguir colocar o pão na mesa de casa. Mas sempre faz seu sambinha, seu churrasquinho e dá suas risadas... Eles são anônimos. Mesmo quando seus sambas são verdadeiros clássicos. Quem conhece Popular P., Adezonilton e Moacyr Bombeiro? São os compositores do famoso “vou apertar mas não vou acender agora”. Todos falam “o samba do Bezerra”... Bezerra é a voz deles.
Muitos chamam o samba que Bezerra canta de “sambambido”. Ele repugnava este termo. Ele dizia ser malandro, não bandido, bicho solto. Ele cantava as coisas do morro. Mas não aquele morro bonito, de alvoradas e passaradas, cheio de amor. Ele cantava a realidade mais dura mesmo. “Eu não posso cantar o amor quando eu nunca tive. Sou realista. Canto a realidade.”

Este documentário de Márcia Derraik e Simplício Neto é sobre estes compositores anônimos. Cronistas do morro. Produtos do morro.
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28 de março de 2007

Os arranjos do samba

Há diversos tipos de arranjos para o samba. No começo, ainda nos anos 30, as gravações eram com muita orquestra, deixando os instrumentos tradicionais do samba (cavaquinho, pandeiro, etc.) em segundo plano. Era uma influência do maxixe. O samba já tinha uma nova rítmica, mas os arranjadores ainda estavam condicionados ao samba amaxixado. Assim sendo, as primeiras gravações de Ismael Silva, Bide, Marçal e toda a turma do Estácio de Sá (inventores do samba que nós conhecemos) eram repletas de instrumentos orquestrais.

O primeiro samba a ser gravado com instrumentos de escola de samba foi Na Pavuna de Candoca da Anunciação e Almirante. O próprio Almirante cantou acompanhado do Bando dos Tangarás, para o carnaval de 1930. A partir daí, ficou mais comum o samba ter a roupagem mais adequada em suas gravações. As gravadoras, então, foram atrás dos bons ritmistas das escolas de samba. Marçal, Bide, Bucy Moreira e Raul Marques foram alguns dos batuqueiros que estavam sempre nas gravações.

Esta roupagem do samba (cavaco, violão, pandeiro, surdo e ritmo geral) é a roupagem que temos hoje. Mas, ao longo dos anos, houve muito tipo de arranjo diferente. Nos anos 60, os conjuntos Rosa de Ouro, A Voz do Morro, Os Cinco Crioulos, Os Mensageiros do Samba e Os Cinco Só, entre outros, eram grupos de sambistas de Escolas de Samba. A cadência era um pouco mais acelerada do que a que viria se firmar na década seguinte. Já nos anos 70, os discos de partido alto (os mais emblemáticos foram os da série Partido em 5) obedeciam a uma estrutura rítmica um pouco mais lenta, que seguia ao ritmo do pandeiro partido. Foi nesta época que o grande percussionista Doutor introduziu o repique de anel nas gravações.

Os anos 70 foram os anos em que os grandes sambistas esquecidos pela mídia finalmente gravaram discos. Os arranjos? Bons. Instrumentos que se usam numa roda de samba tocados com uma cadência linda. Cartola, Candeia e Wilson Moreira finalmente foram para a vitrola.

Outros sambistas, infelizmente, não gravaram os seus discos com bons arranjos. O ótimo João Nogueira insistiu em usar baixo e bateria em alguns de seus discos. Estragou lindas composições e uma linda voz. Poucos discos seus tem arranjos bons... Um deles, entretanto, eu tiro o meu chapéu: o álbum Parceira, com Paulo César Pinheiro. As belas composições foram cantadas com um arranjo de violão sete cordas, seis cordas, cavaco, piano, bateria e baixo. O belo arranjo foi feito por quem sabe muito, o maestro e pianista Cristóvão Bastos. Não tenho críticas ao baixo e à bateria aqui. Foram muito bem arranjados...

Quem gosta de usar baixo e bateria (além de um sempre presente piano), mas de forma harmônica e bem feita é Paulinho da Viola. Usa bem. O baixista, o baterista e o pianista são feras (Dininho, Wilson das Neves e Cristóvão Bastos) e Paulinho sabe fazer arranjos lindos para seus sambas. A bateria não se sobressai aos outros instrumentos de percussão e essa é minha maior critica ao uso da bateria no samba.

No final dos anos 70, surgiu o samba do Cacique de Ramos. Foi a última grande modificação da rítmica e dos arranjos de samba. Entrou o repique de mão e o banjo e acelerou-se a cadência. Era o samba caciqueano, feito no Fundo do Quintal. Assim se atravessou os anos 80: as gravadoras iam atrás do “pagode” e os sambistas iam atrás de quem gravasse samba. No caso, um produtor japonês chamado Tanaka. Praticamente, só ele produziu discos de samba nesta década. Vivíamos a ditadura do “pagode de raiz".

Os anos 90 e os atuais anos vêem uma nova valorização do samba. Em muitas rodas de samba em São Paulo e no Rio toca-se samba como se tocava nos terreiros das escolas da antiga. Os novos cartazes do samba também preferem gravar samba com arranjos mais cadenciados. E isso não é passadismo. O samba se renova a cada dia. Mas sem se descaracterizar.

E assim “o samba bate outra vez”...

22 de março de 2007

Cursos na Casa das Rosas

A Casa das Rosas está promovendo, nos meses de março e abril, cursos sobre a música popular brasileira. O módulo “A história do Samba” já está em andamento, com as vagas encerradas. Mas, mas ainda há vagas para um curso sobre a história da canção brasileira, a começar pelo nascimento do choro (que curiosamente, não é um tipo de canção, e sim uma maneira de se tocar). Eu já me inscrevi.

HISTÓRIA DA CANÇÃO BRASILEIRA: O NASCIMENTO DO CHORO
Por André Domingues
Terças-feiras: 3, 10, 17 e 24 de abril, das 20 às 22h
Vagas: 50 - Inscrição: R$10,00

O módulo inicial do curso de História da Canção Brasileira tratará do nascimento do choro, o primeiro produto de excelência da MPB, investigando as suas origens e as da própria música popular no Brasil. Modinha, lundu, polca, maxixe e muitas outras manifestações da época estarão em foco nessa etapa.

Casa das Rosas
Av. Paulista, 37 - Bela Vista - São Paulo – SP

19 de março de 2007

Dona Inah, gogó de ouro

Dona Inah é uma das melhores cantoras de samba de São Paulo. Depois de atuar por muitos anos (na década de 50) nas rádios paulistanas, ela ficou um bom tempo no ostracismo. Recentemente, gravou um CD. Agora, prepara o seu segundo.

Ela canta toda terça-feira no Ó do Borogodó. Toda vez que eu vou lá vê-la cantar, eu me sento um pouco em sua mesa para bater um papo com ela.

Entre os goles de cerveja (ela não bebe bebida forte, parou há 30 anos, depois de um porre homérico) ela vai falando de sua infância em Araras. Seus antepassados foram escravos e ela se emociona quando fala da antiga fazenda que ela viveu na infância. “Tinha uma olaria que foi construída onde era a senzala. E toda vez que construíam algo lá, na manhã seguinte acordava tudo quebrado, inexplicavelmente”.

O samba era diferente. “Não era esse samba carioca que tinha na fazenda, não. Era samba paulista, com zabumba e tambu mesmo”. O tambu é um instrumento de percussão feito a partir do tronco de uma árvore. Perguntei a ela se não interessa a ela gravar um CD de sambas rurais. “Pode ser...” respondeu ela, sem muita convicção.

Dona Inah é muito simpática e gosta de contar as suas histórias. Ela conheceu todos os grandes cartazes do rádio dos anos 50. Henricão, Blecaute, Adoniram Barbosa... “Esse aí gostava de tomar um “mé”. Ficava ali na rua Consolação, à tarde mesmo, tomando uma pinguinha. Esse gostava...” E o Henricão? “Esse era a bondade em pessoa. Uma pessoa com um grande coração”.

De uns anos pra cá, ela conseguiu o reconhecimento tardio. Gravou um CD, prepara o segundo e já excursionou no exterior. Foi para França, Espanha e Marrocos. Em todos os lugares, causou comoção. “É tão bom isso... Você se sente gente. Os estrangeiros valorizam muito nossa música. Você vê que eles estão emocionados e gostando mesmo da música. No Marrocos eu causei uma comoção: cantei na Praça do Palácio Real para 15 mil pessoas. Estas coisas eu nunca vou esquecer.” Ela vendeu todos os CDs que levou para o exterior.

Na preparação de seu segundo álbum, ela recebe muitas músicas inéditas para gravar. “Tenho inéditas do Wilson Moreira, do Candeia, do Eduardo Gudin, do Paulo César Pinheiro...” Que beleza hein, dona Inah? Só brasa.

Enquanto o choro rolava solto no Ó do Borogodó, Dona Inah, só esperava a hora de voltar para roda. Enquanto isso, falava pelos cotovelos. “Tem uma música do Candeia que chama Testamento de Partideiro. Você conhece uma outra que chama Testamento de Sambista? É assim...” E começou a cantarolar um belíssimo samba. Ao terminar de cantar, eu a interpelei. Disse que era um samba lindo e perguntei quem era o compositor. “Eu mesma”, respondeu ela. Que descoberta!!! Dona Inah, além de ser uma grande cantora, é também uma ótima compositora. Falei que ela deveria gravar um disco com suas composições. “Vou pensar a respeito...”

O bate-papo estava chegando ao fim. “Dona Inah, venha cantar mais alguns sambas aqui”, pediu Alexandre Penezzi, um dos violonistas da roda. E lá foi ela, fazer o que ela faz melhor na vida, cantar.

12 de março de 2007

Grupo Natal - Partido do Povo (1985)

Para encontrar os discos com gravações de partido alto é preciso vasculhar os sebos. Garimpar é a palavra mais adequada. No meio de um monte de discos de novela, da Xuxa, do Julio Iglesias, você pode encontrar pérolas. Toda vez que eu vejo aquelas montanhas de discos de um real, eu paro para ver se encontro alguma coisa boa. Se não tiver nestas enormes pilhas, eu procuro naquelas seções chamadas genericamente de “SAMBISTAS” ou “SAMBAS”. Numa dessas, eu encontrei este tesouro: Grupo Natal – Partido do Povo.

Só partideiro bom participa do disco. Velha, da Portela, é quem comanda a turma. Ele participou dos três primeiros discos do Partido em 5, além de ter participado anteriormente dos conjuntos Os Cinco Só e Turma do Ganzá. Velha é falador e, assim como em suas participações no Partido em 5, fala em cada intervalo de samba, apresentando os sambistas e tirando um sarro dos partidos dos parceiros.

Luiz Grande, que hoje faz parte do Trio Calafrio, é outro que está em tudo quanto é disco de partido alto. Participou, também, do Partido em 5 e de outros LPs pau-de-sebo, como são conhecidos os discos com vários artistas. Bezerra da Silva e Zeca Pagodinho gravaram sambas seus. É um gozador. Um dos seus sambas que ele canta neste disco mostra bem isso:

A maré ta ruim (Luiz Grande)
A maré ta ruim
Pra você e pra mim
E também para ela
Até bicho de estimação, meu irmão,
Já está indo pra panela

Meu compadre Malaquias
Que mora na Boca do Mato
Já não comia há três dias
E foi obrigado a papar o seu gato
Meu amigo Nicolau
Meu vizinho lá do morro
Tava no maior sufoco
E foi obrigado a comer seu carrocho

A maré ta ruim...

Minha comadre Maria
Chegou lá em casa até dando desmaio
Dizendo que estava com fome
E já tinha comido o seu papagaio
A minha nega também
Dizendo que estava esquesito
Não suportou a maré
E fritou o seu periquito


Completam o time de partideiros: Ary do Cavaco, Rubens da Mangueira, Anézio e Casquinha. Todos com rodagem em gravações e discos de partido alto. Casquinha já passou por tudo quanto é conjunto de samba (Mensageiros do Samba, Partido em 5, Os Partideiros...) e hoje faz parte da Velha Guarda da Portela. Anézio, além de ótimo compositor, toca cavaco na gravação. O outro cavaco quem faz é Osmar do Cavaco. O violão é de Jorge da Conceição e a participação especial fica por conta de Cláudio Camunguelo.

Quem organizou a cozinha, o time de ritmistas, foi Mazinho, filho de Natal da Portela. O nome Grupo Natal foi uma homenagem ao patrono da Portela, na época já falecido. Os batuqueiros: Timbira, no surdo; César, na timba; Rixa, no repique de mão; Djalma, no pandeiro; Bené, na cuíca; Cleber Calixto, no atabaque e Mestre 5, no tamborim. No coro, As Gatas e Grupo Natal.

Uma beleza de disco. Gravação muito boa, partidos de primeira. É o Partido do Povo.

LADO A

VIOLÊNCIA
Velha da Portela/ Joel Teixeira
VELHA DA PORTELA

CHEIO DE POSE
Ary do Cavaco
ARY DO CAVACO

O TOURO
Casquinha
CASQUINHA

ENTERRO DE POBRE
Rubens da Mangueira/Velha da Portela
RUBENS DA MANGUEIRA

A MARÉ TÁ RUIM
Luiz Grande
LUIZ GRANDE

NÃO DÁ, CAMARADA
Cabana/Anézio
ANÉZIO

LADO B

LAÇOS DO AMOR
Velha da Portela/Zé Catimba
VELHA DA PORTELA

BOCA DE ESPERA
Rubens da Mangueira/Velha da Portela
RUBENS DA MANGUEIRA

TÔ CAÍDO
Luiz Grande
LUIZ GRANDE

OLHO NELA
Ary do Cavaco/Velha da Portela
ARY DO CAVACO

BOA VIAGEM
Casquinha
CASQUINHA

AMARRE NO LAÇO
Anézio/Vovó Ziza
ANÉZIO

Grupo Natal

Cavaquinho - Osmar e Anézio
Violão de 7 - Jorge
Surdo - Timbira
Timbá - Cesar
Repique de mão - Rixa
Pandeiro - Djalma
Cuíca - Bené
Atabaque - Cleber Calixto
Tamborim - Mestre 5
Participação especial de Cláudio Camunguelo na flauta
Coro: As Gatas

Direção Artística, Produção Executiva e Coordenação: Waldomiro e Velha da Portela
Assistente de Gravação: Genilson Barbosa
Técnico de Gravação e Mixagem: Mário Jorge Bruno
Auxiliares de Estúdio: Liu (Luiz Carlos) - Mauro Moraes
Supervisão do Estúdio: Edeltrudes Marques
Manutenção: Ricardo Luppi
Montagem: Esveraldo
Corte: José Oswaldo Martins
Supervisão de Áudio: Gunther J. Kibelkistis
Fotos: Bruno Lins
Capa: Valério do Carmo
Arte Final: Vittore Talone

Velha da Portela
Vice-Cidadão Samba 1969. Cidadão samba 1984. Presidente da ala de compositores da Portela no período de 1971 a 1977. 70 músicas gravadas e editadas; sucesso brasileiro 6 vezes como compositor. Vencedor do samba-enredo da Portela no ano de 1974, "O Mundo melhor de Pixinguinha" (Pizindin), vencedor do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense no ano de 1984, "Alô Mamãe"; 4 LPs, 2 compactos duplos e 2 simples gravados como intérprete e produtor. Participante do LP "Partido em 5".

Luiz Grande
Compositor da Imperatiz Leopoldinense, 30 músicas gravadas e editadas; sucesso brasileiro como compositor 6 vezes.

Rubens da Mangueira
Compositor da Mangueira. 30 músicas gravadas e editadas; sucesso brasileiro 6 vezes. Vencedor de samba-enredo 3 vezes em sua escola, nos anos de 1976, 1978 e 1980.

Ary do Cavaco
Compositor da Portela, autor dos sambas de enredo dos anos de 1969 e 1971, "As 13 Naus" e "A Lapa em Três Tempos"; 3º colocado no Festival do MPB/Shell, em 1982 , com "Mordomia". 30 músicas gravadas e editadas, sucesso brasileiro 6 vezes como compositor.

Anézio
20 músicas gravadas e editadas; participante do LP "Partido em 5". Foi compositor da Portela e atualmente, está vinculado à ala de compositores da Beija-Flor de Nilópolis.

Casquinha
Compositor da Portela, autor do samba enredo da escola em 1956, "Panteon de Glória"; 50 músicas gravadas e editadas; sucesso brasileiro 5 vezes como compositor.

(texto do encarte do disco de 1985)

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Avaliação: *** (bom)

11 de março de 2007

Compacto de Batatinha

Por falar em Batatinha, achei esta capa e contra-capa de um compacto seu na Internet. Vale a pena ler o texto da contra-capa.



8 de março de 2007

Sambas da Bahia - Riachão, Batatinha e Panela (1973)

NA VITROLA

Certa vez, meu amigo Paulinho Timor trouxe-me um disco do Ederaldo Gentil para eu ouvir. Samba da Bahia. “Samba de roda?” perguntei eu. “Não, samba mesmo” ele respondeu. Era samba mesmo. Lindos sambas da Bahia. O samba não nasceu lá, como disse Vinícius de Morais (que também foi infeliz em afirmar que São Paulo era o túmulo do samba). Mas tem muito baiano que faz samba bom. Fiquei muito bem impressionado com Ederaldo Gentil.

Aos poucos, fui travando conhecimento da obra de outro genial sambista baiano, o Batatinha. Nunca tinha sequer escutado uma gravação sua, mas conhecia algumas músicas da roda de samba (Direito de sambar, Toalha da saudade, Depois eu volto...) Do Riachão, eu conhecia alguns sambas (Cada macaco no seu galho, Até amanhã), mas nem sabia que eram dele. O Panela, eu não conhecia.

Batatinha, sambista da Bahia. Sempre ouvi falar muito bem dele. No CD do ENSAIO da TV Cultura, pude conhecer um pouco mais de sua obra. O programa ainda tinha o Riachão e o Ederaldo Gentil. Gostei muito da gravação, só com um violão, caixa de fósforo, pandeiro e outras percussões leves. O samba do Batatinha é muito intimista, com uma cadência lenta e letras, normalmente, sofridas.

Recentemente, eu baixei na Internet a obra completa do Batatinha. São três álbuns solos e este em conjunto com Riachão e Panela. Fiquei encantado com suas composições. Muito harmoniosas. Cadenciadas. Lindas.

O disco em conjunto com os outros sambistas baianos é o seu mais antigo (1973). E um dos mais bem arranjados. Umas das músicas mais belas (em sua melhor versão) é Direito de sambar, um clássico das rodas de samba.

Direito de sambar (Batatinha)
É proibido sonhar
Então me deixe o direito de sambar

O destino não quer mais nada comigo
É meu nobre inimigo
Me castiga de mansinho
Para ele não dou bola
Se não saio na escola
Sambo ao lado sozinho

É proibido sonhar
Então me deixe o direito de sambar

Já faz dois anos que eu não saio na escola
A saudade me devora quando eu vejo a turma passar
Eu mascarado, sambando na avenida
Imitando uma vida que só eu posso enfrentar

Tudo é carnaval
Pra quem vive bem
Pra quem vive mal









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Batatinha ainda tem mais três ótimos sambas no disco. O “samba de protesto” Inventor do trabalho (O tal que inventou o trabalho/ Só pode ter uma cabeça oca/ Pra conceber tal idéia/ Que coisa louca...), a homenagem a Paulinho da Viola, Ministro do samba (...o samba bem merecia/ ter ministério algum dia/ então seria ministro/ Paulo César Batista Faria) e o também clássico Diplomacia (Meu desespero ninguém vê/ sou diplomado em matéria de sofrer...). Lindos sambas.

Tão bom quanto o Batatinha é o Riachão. Um malandro de marca maior. Seus sambas são diferentes dos sambas de Batatinha, Ederaldo Gentil e Panela. Estes fazem um samba bem próximo do samba carioca. Aquele samba que nasceu no Estácio de Sá. Já Riachão flerta com o samba de roda, com a chula raiada, o partido alto... Basta ouvir, por exemplo, o samba Cada macaco no seu galho:

Cada macaco no seu galho (Riachão)
Chô, Chuá
Cada macaco no seu galho
Chô, Chuá
Eu não me canso de falar
Chô, Chuá
O meu galho é na Bahia
Chô, Chuá
O seu é em outro lugar

Não se aborreça moço da cabeça grande
Você vem não sei de onde
Fica aqui, não vai pra lá
Esse negócio da mãe preta ser leiteira
Já encheu sua mamadeira
Vai mamar em outro lugar










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Os outros sambas seus (têm outros seis no álbum) também são ótimos. Meu destaque pra Pitada de tabaco e Até amanhã. Esta última (Até amanhã/ Até amanhã se Deus quiser/ Eu vou me embora/ Vou rever minha mulher/ Até amanhã/ Até amanhã se Deus quiser/ só vejo homem/ Neste samba não dá pé) é sempre interpretada quando o samba está murchando. Naquela hora que não sobra nem uma cabrochinha para fazer o coro e para sambar... Esta é a hora de cantar o samba do Riachão e depois ir embora.

De Panela, não posso dizer muita coisa. Não o conhecia. E agora conheço só um pouco, afinal ele só canta duas músicas... O patrão é o meu pandeiro e Não suje meu caixão. Os títulos são sugestivos. São bons sambas. Gostei muito de Não suje meu caixão. Um samba de malandro:

Não suje meu caixão (Garrafão/ Panela)

Eu não quero você nem para pegar na alça do meu caixão
E hoje vive sofrendo, você foi a culpada da separação
Fiz tudo para ver você feliz
E você me traiu
E diz por aí que o destino não quis

Arrependida hoje pede pra voltar
Mas por favor, não venha me procurar
Chega de ingraditão
Mas eu não quero você nem para pegar na alça do meu caixão










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Um disco de três baianos sambistas. Dos bons.

Avaliação: **** (ótimo)

5 de março de 2007

Nelson Sargento - Estevão Ciavatta Pantoja

Documentários

Nelson Sargento tem toda a sua história ligada à Mangueira. Conviveu com os grandes baluartes fundadores da Estação Primeira. Foi amigo de Carlos Cachaça e Cartola. Seus sambas tem a dolência gostosa típica dos sambas do morro.

O morro era muito mais romântico antigamente. Nelson Sargento tinha 72 anos quando foi filmado este documentário (1997) e já sentia muita saudade dos tempos idos. Hoje, dez anos depois, ainda faz o seu sambinha na cadência gostosa dos antigos sambas de terreiro.

É dele e de Alfredo Português o samba-enredo As quatro estações (Primavera), considerado um dos mais belos de todos os tempos. É dele também o clássico Agoniza mas não morre, um clássico do samba.

Ele ainda participou, juntamente com outros bambas (como Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Zé Kéti, Jair Cruz, Oscar Bigode e Mauro Duarte) dos conjuntos Voz do Morro, Rosa de Ouro e Cinco Crioulos.

Com vocês, Nelson Sargento de Mangueira
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A história de uma roda de samba. Capítulo 2

O terreiro estava em festa. A roda de samba era contagiante. A alegria que reinava no local em nada lembrava o clima de enterro de alguns meses atrás. Naquela época, o reco-reco de bambu e o repique estavam seqüestrados. Além disso, o violão estava com uma depressão terrível, não queria saber de nada, só sofria.

O tempo passou. Tudo se acertou: os instrumentos foram libertados, a depressão do nosso amigo foi superada por um grande amor e a roda de samba voltou a dar espetáculo. Qualquer coisa era motivo de comemoração. Desta vez, a festa era de despedida.

O violão, que estava arrebentando nas rodas de choro, iria passar uma temporada na Espanha. Sua namorada, a flauta, ficou triste, mas sabia que a experiência na Europa seria muito boa para o seu parceiro. Afinal, ele iria entrar em contato com novos ritmos e novas técnicas.

Na véspera do embarque, a festa foi completa. Integrantes da escola de samba, do terreiro de macumba e da roda de choro também estavam presentes. Uma festa digna da admiração que todos tinham por ele. Ao final do pagode, só os mais resistentes continuavam fazendo barulho. A maioria já havia capotado.

Chegou a hora do embarque. Para todos, a promessa de trazer muito virtuosismo da Espanha. No avião, ficou pensando na flauta. Era difícil dizer para ela, mas a verdade é que ele já não a agüentava mais. Ela só chorava. Tudo bem, chorinho é legal, mas o violão cansou. Quem agüenta tanta choradeira?

Chegando em Madri, foi recepcionado por dois violões. Descansou um pouco e logo embarcou para Sevilha. Era lá que iria aprender novas técnicas de violão. Era lá que ele iria conhecer um novo amor (ou melhor, dois grandes amores).

No Brasil, os instrumentos seguiam suas vidas normalmente. As rodas de samba e de macumba continuavam a sacudir os terreiros. Já o chorinho... Não estava muito bom, não. A flauta não estava conseguindo solar direito. Tinha muita saudade do violão. Percebendo isso, o bandolim, chegou junto dela e falou: "Ô Dona Flauta, não me leve a mal não, mas você não está tocando bem. Quer tirar uma folguinha, descansar, esperar passar esta saudade louca?". Ela não teve dúvida: tirou uma licença...

Aos poucos, a rotina da roda de samba começou a ser alterada. A flauta, convidada pelo cavaquinho, abandonou seu retiro e começou a tocar na roda de samba. Estava sem cabeça para solar, mas podia acompanhar tranqüilamente a levada do samba. O cavaquinho adorou. Era muito amigo do violão, mas tinha um amor platônico pela flauta. Iria ficar mais perto dela.

Os instrumentos que compunham a roda de samba tinham uma amizade muito forte, quase fraternal. Isto não impedia que conflitos ocorressem... Durante a época em que o violão esteve fora, muita coisa aconteceu.

Em Sevilha, o violão começou a freqüentar espetáculos de música flamenca. Ficou impressionado com as técnicas requintadas dos violões de lá. Entretanto, o que realmente o impressionou foram as castanholas. Na hora, pensou na flauta. Pensou naquela choradeira que não agüentava mais. Pensou, pensou, pensou... E correu pro abraço... As castanholas eram encantadoras demais para ficarem sozinhas.

Findado o espetáculo, o violão convenceu as castanholas a irem para o quarto do seu hotel... E, depois de uma noite de muito amor, o violão fez uma propôs a elas: "Por acaso vocês não querem vir para o Brasil comigo?". Era uma proposta absurda, a flauta o esperava no Brasil. Mas elas aceitaram. Como seriam recepcionadas no Brasil?

Muita coisa aconteceu no Brasil durante a época em que o violão esteve fora. Os instrumentos começaram a abrir novos horizontes e a roda de samba começou a ficar cada vez mais em segundo plano.

O repique (aquele mesmo que um dia foi seqüestrado) conheceu uma cítara em uma apresentação de música indiana. Deixou para trás seu antigo romance para começar a se apresentar com ela. Veja como são as coisas: a cuíca, disputada a tapas outrora, agora estava abandonada. Ela ficou injuriada com essa história e se mandou para os EUA. Lá iria ganhar dinheiro com apresentações nas ruas de Nova York.

A deserção não parou por aí... O pandeiro se juntou a um grupo de samba-rock. Ele adorava a roda, mas precisava colocar dinheiro em casa. Sua mulher, a caixinha de fósforo (que só ia ao samba de vez em quando) já o pressionava para arranjar um emprego mais decente.

O atabaque cansou de tocar samba e voltou para a macumba... A roda estava se desintegrando apesar dos apelos do surdo, que cantava a todo o momento: "Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar...".

Chegava o dia da volta do violão. A roda estava em crise... O repique, a cuíca, o pandeiro e o atabaque haviam abandonado o samba. Cada um tinha a sua desculpa, mas uma coisa era certa: a tirania do surdo impossibilitava qualquer harmonia na roda. Ele se considerava o líder e todos tinham que fazer as coisas do jeito dele.

Quando o violão desceu do avião todos estranharam a presença das castanholas junto dele. A flauta já foi enquadrando seu namorado: "Quem são essas lambisgóias?". A resposta do violão: "Elas vieram conhecer o Brasil e o samba". A flauta, com uma pulga atrás da orelha, foi sucinta: "No momento que elas entrarem na roda, eu saio". O violão, que já não agüentava mais a flauta chorona, se sentiu aliviado e falou: "Então, adeus".

A flauta não acreditava no que estava vendo. Acabara de ser trocada por duas castanholas.
Decidiu nunca mais freqüentar essas rodas boêmias. Iria para uma orquestra... Com isso, mais uma baixa se confirmava na roda.

E não era a última... O violão foi vetado de participar da roda. Sua atitude desagradou a todos. Como ele pôde fazer aquilo com a flauta? Um canalha como ele não tinha vez no samba.

Com a partida da flauta e do violão, o cavaquinho passou a compor desesperadamente. Era a maneira que ele encontrou para não enlouquecer. Mas ele teria de esperar um pouco para mostrar suas músicas. O futuro da roda de samba não era nada animador.

Sobrara apenas o tamborim, o surdo, o cavaco, o sete-cordas, o agogô e o ganzá... Era uma roda com muitos problemas e muita disputa interna. Não se conseguia nem mesmo ensaiar. A prepotência do surdo irritava a todos.

Deu-se então um golpe final. O agogô, o tamborim e o ganzá resolveram voltar para a escola de samba. Lá estariam livres do surdo. Já o sete-cordas e o cavaco, foram convidados para gravar um disco. O prato e a faca, sem terem para onde ir, voltaram para a cozinha. O surdo ficou sozinho...

Após muito samba, a roda de desintegrou. O surdo, sozinho no terreiro vazio, repensou todas suas atitudes. Mas era tarde. Estaria morta a roda de samba? Seriam superados os conflitos internos? Só tempo resolveria esta questão.

3 de março de 2007

A história de uma roda de samba

O cavaquinho dá o tom: é um ré menor. O pandeiro entra, juntamente com o tamborim e o agogô. Quando o samba vai repetir o verso, o 7 cordas capricha na baixaria e o surdo entra na marcação. A cuíca que estava de espreita, só esperando sua hora, começa a gemer. O ganzá vibra enquanto o prato e a faca seguem na levada.

O ritmo é bom, é redondinho. Mas esta faltando alguém: o violão. Pobre violão. Brigou com o cavaquinho e decidiu não entrar mais no samba. O motivo: ciúmes do sete cordas. Viu que o cavaquinho estava muito cheio de entrosamento com as baixarias em ré menor. Depois que descobriu o 7 cordas, o cavaquinho só queria saber de brincar com o mais novo amigo. O antigo parceiro, companheiro de tantas histórias, ficou relegado a ser um mero coadjuvante. O violão, que antes era idolatrado, assediado por todos, teve que se contentar em segurar a melodia.

E não era só o violão que estava ausente: alguém percebeu que o repique de anel e o reco-reco de bambu ainda não haviam chegado. Em compensação, o reco-reco de metal estava lá. E como o samba não pode parar, o ganzá, que estava meio arredio, entrou no refrão. Ele estava invocado. Não era só ele. O pandeiro também estava muito bravo. Desconfiavam seriamente que o reco-reco de metal tinha armado uma cilada aos dois comparsas, o repique de anel e o reco-reco de bambu.

Tudo começou no samba da noite anterior. O reco-reco de metal não pôde participar da roda, já que o reco-reco de bambu era mais educado, não falava pelos cotovelos e nem ficava gritando. A verdade era que o ganzá e o pandeiro tinham simpatia apenas pelo reco-reco de bambu. Este chegava na humildade, não atravessava ninguém. Não gostava de aparecer, não gostava de soar mais alto que ninguém. Já o reco-reco de metal era mais barulhento, mais chegado a desfiles de escola samba. Lá era seu reduto, não o terreiro.

Por diversas vezes, o reco-reco de metal foi barrado na porta do terreiro. A desculpa era sempre a de que já havia outro reco-reco na roda. Como se sentia muito desprestigiado, chamou toda sua gangue, a bateria da escola de samba, para fazer uma emboscada. Queria dar fim no reco-reco de bambu, seu arqui-rival, e no repique de anel. Mas por que o repique de anel estava na lista negra do maldoso reco-reco de metal?

Esta rixa com o repique era antiga. Muitos anos atrás, o reco-reco de metal teve um caso com uma cuíca da escola de samba. Era uma cuíca super afinadinha, uma graça. Foi nos ensaios, na quadra da escola, que começou o caso. Foi um romance tórrido. Mas aí aconteceu uma coisa que o reco-reco de metal não esperava: a cuíca se desentendeu com o cavaquinho puxador. Logo com o cavaquinho puxador, o dono da escola. Resultado: a cuíca foi expulsa e acabou indo parar num terreiro. Neste terreiro, se envolveu com o repique de anel.

Por isso, o reco-reco de metal estava louco. Além de não poder entrar no terreiro (por causa do outro reco-reco), ainda viu seu grande amor se envolver com o repique de anel. Aquilo foi a gota d’água.

Voltemos a fatídica noite da emboscada. Findado o samba, o reco-reco de bambu estava indo para casa quando foi abordado por vinte e cinco tamborins com sangue nos olhos. Quando tentou fugir, foi espancado e amarrado. Já o repique foi cercado por um bando de surdos mal-encarados e nem tentou reação. Foi levado ao cativeiro.

Todos estranharam quando, no samba do dia seguinte, o repique e o reco-reco de bambu não apareceram. Mais estranho ainda foi a presença do reco-reco de metal. Desta vez ele não quis nem saber. Justificou que faltavam dois instrumentos e que sua presença era aceitável. A cuíca ficou meio sem graça ao rever o reco-reco de metal. Afinal, abandonou o seu antigo amor para ficar com o repique.

O samba não ficou muito bom. Todos estavam muito incomodados com o reco-reco de metal (menos o violão, que estava encostado num canto, deprimido). Ele atravessava todo mundo com a potência de seu som. Além disso, estava meio descontrolado, tinha tomado umas e outras. Quem mais ficou bravo foi o pandeiro e o ganzá. Eles eram os maiores prejudicados já que o som do reco-reco de metal os abafava.

O clima ficou tenso. O samba acabou mais cedo. O 7 cordas foi com o cavaquinho para uma roda de choro, queriam esquecer o incidente. Já os outros estavam com os nervos à flor da pele. Sabiam da rixa do reco-reco de metal com o reco-reco de bambu e sabiam que a cuíca trocou o reco-reco de metal pelo repique de anel.

O surdo já estava quase partindo para cima do reco-reco de metal quando a turma do deixa-disso o afastou. O atabaque acabou convencendo a todos os batuques para irem a um terreiro de macumba. Lá eles conversariam mais calmamente.

Depois de muito pensarem no que fazer, o surdo teve uma idéia: ele conhecia o cavaquinho puxador da escola de samba. Iria pedir para ele (que conhecia bem os seqüestradores) ajudar na investigação.

O reco-reco de bambu e o repique de anel eram muito queridos na roda. Estavam sempre contagiando a todos com sua alegria. Sem eles, não havia clima para a roda prosseguir. Além disso, a eterna melancolia do violão já começava a preocupar.

Mais um dia se passou e lá veio o reco-reco de metal, com um baita sorriso. Recebeu de volta olhares fulminantes. O samba estava suspenso até que os dois amigos fossem encontrados. O vilão da história não estava nem aí. Foi embora rindo, crente que iria conquistar o coração da cuíca novamente. Porém, ela estava morrendo de raiva dele.

Ao chegar na escola de samba, dando risada, o reco-reco foi enquadrado pelo cavaquinho puxador. Ele disse: "Ó, é o seguinte: tô ligado na sua, sei do seu proceder errado. Meus amigos lá do terreiro disseram que você é o culpado pelo desaparecimento dos chegados deles". O reco-reco tremeu na base. Se havia alguém que ele respeitava, era este cavaco. O puxador prosseguiu: "Se você quiser continuar tocando, libera os malucos. Se não, vai acabar no ferro-velho". Ele, então, aceitou liberar os prisioneiros.

À noite, após muita negociação, os dois instrumentos foram libertados, não estavam entendendo nada. Viram a cara de arrependimento do reco-reco de metal e o perdoaram. Voltaram para o terreiro e o reco-reco de metal voltou para o ensaio geral.

Triste por não poder fazer samba de terreiro e por ficar sem seu amor, mas feliz por ter sido perdoado, o reco-reco de metal se entregou de corpo e alma à escola de samba. Mas não esqueceu seu grande amor. Morreu de desilusão.

No terreiro, tudo voltava ao normal: o reco-reco de bambu estava de volta dando sua graça, o romance da cuíca com o repique pôde prosseguir e o ganzá e o pandeiro já não estavam sendo atravessados. Mas o violão ainda estava triste. E era ruim ter alguém triste na roda.

Todos os instrumentos se reuniram e tiveram uma idéia: o 7 cordas e o cavaquinho iriam levá-lo para uma roda de choro. Lá, iriam apresentar o violão para a flauta, que já era afim do violão há tempos.

O violão foi e, quando viu a bela flauta de prata, se apaixonou. Não saiu do choro nunca mais. E o casamento se deu em grande estilo: muito samba e choro, com todos caprichando. E mais uma vez a roda trouxe alegria e prazer.

2 de março de 2007

Partido Alto - Leon Hirzman

Documentários

O documentário "Partido Alto" de Leon Hirzman é o melhor já feito sobre a nobre arte de versar (e dançar) no samba. O partido alto é coisa de quem é gabaritado no meio. Daí o nome "partido alto". Ser um bamba é coisa para poucos também. A expressão deriva de tarumbamba, como eram chamados os grandes jongueiros da antiga.

Mestre Candeia e um jovem Paulinho da Viola mostram que a arte do partido é a mais pura forma de comunhão do samba. Quem versa, versa com categoria. Não se pode errar, então tem que caprichar. À tarde, na roda com o Candeia, estavam lá Wilson Moreira, Tantinho da Mangueira, Osmar do Cavaco, além dos batuqueiros e as pastoras do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo dos Palmares. Lá também se mostrou como é a dança do partido alto. O "miudinho" foi dançado pelo Wilson Alicate e o "amoladinho" quem fez foi o Tantinho.

A segunda parte se passa na casa de Manacéa, da Portela. um típico pagode, com muita comida, bebida (dá pra ver bem o estado etílico dos partideiros na hora em que eles versam) e partido alto. Algumas feras presentes: Joãozinho da Pecadora, Lincoln, Chico Santana, Argemiro, Casquinha, Alberto Lonato, seu Armando Santos e Paulinho da Viola. O último partido, de Mijinha, é lindo e por muito tempo os versadores mandam suas rimas.

Documentário show de bola. Sambistas, desfrutem...

1 de março de 2007

O japonês e o samba

Como a vida é cheia de coincidências. Na viagem de volta do carnaval, escutei o disco “Peso na Balança” do Wilson Moreira e meus amigos que não conheciam ficaram impressionados com a qualidade do álbum. Chegando em casa, fui atrás de uns jornais velhos para saber os resultados do meu time do coração na semana que eu fiquei isolado do mundo. No meio da busca, achei uma reportagem dizendo que o sensacional disco do Wilson finalmente vai sair em CD...

Como eu fiquei feliz... O grande produtor japonês Katsunori Tanaka, além do disco do Wilson Alicate, produziu outras pérolas do samba nos anos 80 e 90. A maioria destes álbuns só foi lançada em CD no Japão. No Brasil são raridades só encontradas em vinil (ou em mp3, na Grande Rede).

Agora, sete destas produções irão virar CDs. São pérolas. Álbuns com arranjos primorosos de artistas da mais alta patente sambística. Os discos são estes:

Velha Guarda da Portela – Doce Recordação
Velha Guarda da Portela – Homenagem a Paulo da Portela
Velha Guarda da Mangueira – Mangueira Chegou
Guilherme de Brito – Folhas Secas
Wilson Moreira – Peso na Balança
Monarco – A Voz do Samba
Cristina Buarque – Resgate

Como vocês podem ver, são artistas gabaritados. Bambas. Discos sensacionais que só existiram porque um japonês amante de samba tomou a iniciativa. Sim, porque nos anos 80, as gravadoras só queriam gravar Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho e outros pagodes. Samba, com o formato de samba da antiga, estava fora de moda... Ainda bem que tinha um japonês no meio da história.

Valeu, Tanaka.
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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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