Domingo, 22 de janeiro de 1978
por João Bosco Rabello
Homem de Escola de Samba, compositor e parceiro de Paulinho da Viola, Élton Medeiros é também profundo conhecedor e estudioso da cultura popular. Neste depoimento, ele faz uma comparação entre o que aconteceu com as gafieiras e o que acontece com as Escolas de Samba: a invasão do elemento estranho que quer impor seus hábitos e as conseqüências disso.
Elton Medeiros: “Estão vendendo sua cultura”
Elton Medeiros – Olha, já em 1948, o Império Serrano introduz modificações na escola de samba. A Aprendizes de Lucas também nesta época introduziu modificações na bateria, a frigideira. Então, você identificava o som da escola pela bateria, pela frigideira e pelo prato, isso em 1948, quer dizer, antes da aparição de Fernando Pamplona. O Pamplona começa a fazer carnaval no Salgueiro mais ou menos em 1959/60. O Salgueiro introduziu modificações, mas visando à participação de elementos da comunidade da escola em que ele saiu, ou a escola para a qual ele trabalhou, que foi a Acadêmicos do Salgueiro. Então, ele teve a preocupação de fazer um carnaval barato. Se não me engano, o primeiro carnaval do Salgueiro com Pamplona foi uma homenagem aos Fuzileiros Navais. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros. Depois, ele veio com temas de escravidão. Esses temas como você pode notar, dão oportunidade aos carnavalescos de fazerem, criar um carnaval barato. As fantasias são tangas, fantasias de escravos, e o que ornamentam essas fantasias são os adereços, que são feitos pelos cenógrafos, hoje em dia chamados carnavalescos. Então você tem de notar influências que a escola de samba sofre em razão de modificações da vida da cidade, entende? Modificações de caráter social, e que refletiram no comportamento do sambista. Eu falei, note bem, sobre modificações feitas no Império Serrano e, essas modificações foram feitas a partir, talvez, de uma necessidade sentida pelos elementos naturais de escola de samba. Foram modificações feitas por esses elementos. As que o Pamplona fez já não foram feitas por elemento natural de uma escola de samba. Já as do Império Serrano, em 1948, foram feitas pelos elementos naturais da escola de samba, daquela comunidade. A Aprendizes de Lucas também. Outras escolas de samba devem ter feito também modificações, mas essas foram as mais marcantes. Dessas eu posso falar porque eu acompanhava os desfiles dessas escolas de samba.
JBR – Fernando Pamplona era um elemento de fora da escola. Quero que você veja as duas posições: a do desenhista Lan com relação a Portela e do Pamplona em relação ao Salgueiro. O Lan é portelense desde 1949, mais ou menos, e nunca fez um traço para a Portela; e dizia: “Não faço figurinos para a Portela porque estaria interferindo num processo que não me diz respeito”. Diante disso, como você vê a atuação de Pamplona?
EM – O que eu quero dizer a você é que a Escola de Samba, por ser comunitária, ele deve ser artesanal. Ela não deve ser uma escola de samba que sirva de estágio de acadêmicos, nem mesmo veículo de promoção pessoal. Então, o artista de TV se utiliza da escola de samba para ser apontado na rua. Dona Beki Klabin, por exemplo, há alguns anos, disse que desfilava porque gostava de ser apontada na rua. Ora, pombas, escola de samba foi criada para proporcionar um divertimento barato, coisa de pessoas marginalizadas na sociedade. Essas pessoas criaram um divertimento barato. A escola de samba sempre foi de pessoas que não tinham dinheiro para ir ao Baile do Municipal, de pessoas que não tinham dinheiro para ir ao Monte Líbano, outro qualquer baile de gala.
JBR – O que era uma escola de samba no início?
EM – Ela vem dos concubins, que eram aqueles grupos de pessoas, concubins..., cordões de velhos, ranchos... Os ranchos é o tal negócio. O rancho vem dos concubins, entendeu, os ranchos passaram por um processo de transformação que as escolas estão passando atualmente, os ranchos atraíram pessoas da classe média, e você pode ver que o Ameno Resedá era um bloco de sociedade, foi um rancho de elite, e depois do aparecimento do Ameno Resedá trouxe realmente uma satisfação visual para muita gente e, ao mesmo tempo, decretou a decadência de todos os outros, porque o que ocorre com as escolas de samba hoje em dia é o que ocorreu com as gafieiras em relação à classe média.
Bom, a classe média tomou um divertimento barato. Acabou com o divertimento deles. Mas, ainda tinha a escola de samba como opção. E a classe média foi para as escolas de samba e a mesma coisa está ocorrendo com as escolas de samba. Esse processo inflacionário é o resultado. Com fantasia de custo superior a dez mil cruzeiros, coisa que o sambista salário-mínimo não suporta. Não pode suportar financeiramente. Como ele não podia tomar uísque na gafieira, como ele não pode comer salgadinhos mais caros, acostumado que estava com o sanduíche de pão francês com salame. Com batidas. A mesma coisa está ocorrendo com as escolas de samba. Algumas têm uísque para vender, mas mesmo a bebida normal do sambista está custando um preço absurdo. Uma garrafa de Leite de Onça custa tão caro que você tem a impressão que ali dentro tem ouro. Uma garrafa de cerveja a Cr$ 30,00. Então, as escolas de samba hoje, apesar de serem consideradas, até por decreto, como de utilidade pública, não é de utilidade pública coisa nenhuma. Elas são pequenas empresas. Onde é que está a utilidade pública? São empresas, não são mais de utilidades públicas. Você paga no primeiro passo que você dá dentro do terreiro, verdadeiras casas de comércio. Então, as escolas de samba estão sujeitas a influências, isso, todos nós estamos sujeitos a influências.
JBR – Bom, isso também foi dito pelo Paulinho e pelo Candeia, que ninguém tem ilusão de que as escolas voltem a ser o que eram há muitos anos. Eles acham que apesar dos compromissos com turismo, comprometimento de ordem financeira e tudo mais, a estrutura interna das escolas não deve sofrer alteração. Acontece que as escolas estão se transformando também internamente, na sua essência, lá dentro.
EM – É claro. Eu vou chegar onde você quer. O que ocorreu foi o seguinte.
JBR – Peraí, só pra acabar meu raciocínio. Eu quero dizer que, por exemplo, a Riotur interfere bastante em todo esse processo, a partir do momento em que ela mantém contratos de prestação de serviços com os sambistas, mas ela não vai lá dentro do terreiro da escola, determinando qual samba-enredo que vai representar a agremiação, ou determinar se fulano ou beltrano farão ou não parte da Ala de compositores da escola, certo? Ela não diz, por exemplo, que o samba vencedor deve ser o do Jair Amorim e do Evaldo Gouveia, entende?
EM – Certo, mas eu quero dizer pra você porque existe esse processo de permissividade dentro das escolas. Isso ocorre por causa da inflação existente hoje nas escolas. Então, um grande passista, um grande mestre-sala, um grande diretor de harmonia, descobriram que para comprarem uma fantasia cara, basta que eles trabalhem como garçons ou roleteiros nas escolas. Então, ele se evadiu do terreiro da escola de samba para a roleta, ele se transferiu do terreiro das escolas para servir nas mesas. Deixou de ser sambista para ser roleteiro, para ser garçom, pra ser cozinheiro, porque ele sabe que dentro da escola de samba ele recebe dinheiro sem se aborrecer a troco de nada, vamos dizer assim como uma troca. Uma compensação financeira. É isso exatamente, uma compensação financeira. Então, ele prefere trabalhar de garçom. Quem perde com isso? Um grande mestre-sala deixa de dançar para servir cerveja. Perde-se um grande mestre-sala e ganha-se um mau garçom, perde-se um grande tamborinista e ganha-se um péssimo roleteiro que, às vezes, trata mal o usuário, porque ele está revoltado. Nos seu subconsciente ele sabe que ali não é o seu lugar. Ele pode desconhecer as causas, ter consciência do porque de ele estar ali, mas ele, no fundo sabe que ali não é o seu lugar, ele fica revoltado.
JBR – Bom, se dá destaque prum médico, dá muito mais para um compositor né?
EM – Exato. Dá porque o colunista social quando faz uma citação de uma determinada pessoa na coluna social, ele dá a entender ao leitor dele que está bem por dentro dos outros componentes das escolas de samba. Então, ele cita nomes de pessoas da comunidade, o lado desses que estão procurando promoção pessoal. Pra dizer – que está a par da vida da escola. Então, o compositor de classe média que nunca se dedicou à escola de samba, percebe que é um acordo meio de divulgação, não só pessoal como profissional. E, chega trazendo vícios dos meios de divulgação do comércio musical, a chamada caitituagem paga, que já está dentro das escolas de samba. Então, hoje, o compositor que não é de escola de samba mas que já conseguiu numa ala de compositores, paga, porque ele sabe que para cantar samba-enredo e preciso ter determinadas... Um tipo de interpretação à qual ele não está acostumado, exige sacrifício de quem canta, porque às vezes um puxador de samba fica mais de uma hora cantando um samba-enredo, então, ele paga a elementos da escola de samba para fazerem isso. É a chamada caitituagem paga, um vício do comércio musical.
JB – Depois, o próprio sambista tem de pagar aos colegas para poder cantar o seu samba. Quer dizer, o elemento natural da comunidade vê-se obrigado a entrar no esquema de caitituagem, para que, por exemplo, a bateria toque durante a apresentação de seu samba, do contrário vai cantar sozinho. É o começo da desunião, certo?
EM – Perfeito. Então, está dividindo a escola. Esses vícios de caitituagem que estão sendo trazidos para as escolas de samba estão provocando a desunião dentro da escola de samba. Tá dividindo a escola. Então, se não pagar a bateria e um determinado número de coristas para cantar o samba-enredo, o puxador de samba terá de cantar sozinho. Você está percebendo que quem tem maior poder aquisitivo é que está mandando hoje na escola de samba. Então, o sambista está em último plano. E o samba também. Fica o sambista marginalizado dentro de seu próprio ambiente. Ele hoje é garçom, varredor da sede, roleteiro, carpinteiro, só não é sambista. Tudo que ele pode fazer dentro da escola de samba para tirar proveito, ele vai fazer. Ganhar dinheiro, ele se acha no direito de tirar proveito também daquilo que ele criou. Mas, acontece que esse proveito que ele tira é muito menor do que o tirado por aqueles que se promovem através de colunas sociais, sendo citados como ilustres médicos, ilustres jornalistas, então, são pessoas que procuram chamar a atenção da sociedade de um modo geral. E, não há dúvida que isso tem reflexo na profissão deles, só traz benefícios, profissionalmente falando.
Agora, o sambista que era um excelente passista e que passou a varrer, esse não vai se promover como um grande varredor, porque isso é subemprego e subemprego é o que mais existe hoje em dia, aqui. Ser promovido como um integrante de uma classe de subemprego, isso não leva a nada. Porque até a invasão dessa turma de classe média no meio do samba, o sambista, o cenógrafo, que hoje é chamado de carnavalesco, ele dava vazão às suas tendências artísticas. Mas hoje, o elemento natural da escola de samba não faz mais o carnaval, porque o carnaval hoje é feito por um grupo de acadêmicos liderados por um professor deles, geralmente é assim, ele não faz mais samba-enredo, porque esse negócio eclodiu agora com a Portela, a tomada do samba-enredo foi oficializada agora com a Portela, então, ele não é mais destaque, porque o destaque nunca teve sentido de ostentação, que aos poucos esse sentido foi crescendo dentro da escola, e hoje o destaque...
4 comentários:
Entrevista muito boa.
Mas na minha opinião, para se falar em escola de samba atualmente suporta um pouco mais de estudo.
abraço a todos.
alicate falou tudo...
o lona... pede pro piruca o livro do isnard e do candeia "a árvore que perdeu a raiz".
vai ver que o alicate falou tudo
Aí o cara vê a imperatriz leopoldinense com sua organização focada na matriarca rosa magalhães: carnaval frio e centralizado. (embora a bateria seja muito foda)
aqui em porto alegre, tem uma escola cujo tema encomendado são os correios. Lógico que os correios tão patrocinando com uma bela grana... e pode ter certeza: o enredo vai tirar 10!
(a escola é a império da zona norte, campeã ano passado, e que tem que perder a autonomia numa coisa como enredo, pra poder competir no carnaval!!)
salve!!
alicate não, quem falou foi o elton
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