A ida de um grupo de sambistas de São Paulo para Aracaju foi algo que foi planejado para ser uma grande festa de celebração ao samba e a amizade. Os intrépidos e desbravadores viajantes pretendiam cantar samba e se fazer ecoar um ritmo que por lá está meio esquecido.
Presentes na jornada, grandes sambistas como Paulinha Sanches, Paulinho Timor e Cacá Sorriso, núcleo do Bula da Cumbuca. Também embarcaram os batuqueiros das Perdizes, logo batizados de "Os Perdizeiros", com Tenente, Boi, Garça, Martinho 87, Leleco (baiano, mas das Perdizes) e eu. As "cabrochas" Natinha, Jubs, Maíra, Vivinha, Áurea e Camila também foram para lá, assim como o "roadie" Tales, o popular Raí.
Embora sendo um Estado com riquíssima cultura popular, como pude perceber no Encontro Cultural de Laranjeiras - o maior do país -, na capital o que se ouve é o ritmo do arrocha, em alto e potente som. Logo pude perceber que a Rádio Aperipê FM, pública, era um oásis de música boa e que respeita nossa rica tradição cultural, em meio a um deserto de arrocha, arrocha e mais arrocha. E dá-lhe "Eu tô sofreendo!", bordão indefectível dos "arrocheiros".
Leo Levi, produtor da Aperipê FM e dono da casa de shows Cultiva, é um dos responsáveis por esta valorização da música, sobretudo independente, de qualidade em Sergipe. Nosso representante de Perdizes ("mais que um bairro, um estado de espírito", como foi bem dito por um perdizeiro - seria eu? - num momento de euforia) em Aracaju, Daniel Nakabayashi, o Japonês, ou Ponêis, ou Japa, ou Japão, ou ainda Japoronga, foi o nosso contato com Levi. Logo, o Japonês virou nosso manager e nisso ele foi bem (bem melhor que a desastrosa companhia de turismo sergipano para paulistas Japa Tour).
Logo ficou acertado que o Bula da Cumbuca iria tocar no Cultiva (a princípio no dia 30 de dezembro, mas depois adiado para 7 de janeiro). Como só haviam três integrantes do Bula - Paulinha, Paulinho e Cacá -, surgiu o complementar "Os Perdizeiros", para ajudar na cozinha e no coro.
Tudo ia bem e muito tranquilo naquela terra. Estávamos na roça, no Povoado de Areia Branca, a 20 quilômetros do centro de Aracaju e lá podíamos fazer nossos alegres e longos pagodes, regados a carne, peixe, camarão, cerveja e muita caipirinha de caju e manga (e dá-lhe manga e caju).
Eis que num dia, Japoronga vem com uma um papel colado nas costas do celular cheio de anotações, com datas dos nossos "compromissos". "Vocês vão tocar na rádio na terça, e na TV na quinta, pra divulgar o show de sexta-feira (7 de janeiro)", disse ele. "Eeeeeita carai!!", respondemos.
E bora pra rádio. Sete pesos pesados num Fiesta: Japão, Tenente, Paulinha, Cacá, Timor, Boi e eu. Vai que vai! Chegando na rádio, fomos recepcionados por Levi e entramos no estúdio onde o locutor boa-praça Mário Sérgio, tricolor carioca e salgueirense, comandava o ótimo programa "Seleção Brasileira".
Alguamas perguntas sobre o Bula, sobre o samba de São Paulo e tome samba. Adoniran, Jorge Costa, Riachão, Geraldo Pereira ("Seu presidente, sua excelência mostrou que é de fato...", alô Lula!!), Candeia e, em homenagem ao locutor, Branca di Neve e Luis Carlos ("Lá vem Salgueiro!!!"). Quarenta minutos muito bem vividos, muito bom. Saindo de lá ainda escutamos três músicas do Bula da Cumbuca no radinho de pilha do Ponêis, nosso manager, comprado no Mercado Central da cidade. "Olha moço, sou eu na rádio!", exclamava Paulinha para um funcionário do supermercado, onde paramos para comprar uma cerveja para brindar.
Dois dias depois fomos para o Parque da Sementeira, gravar duas vinhetas para a televisão. Uma para a Aperipê e outra para a TV Sergipe, afiliada da Globo. Beleza, desta vez fomos em dois carros, menos aperto. Tudo certo com a Aperipê, cantamos um samba do Timor, e vamos para a Globo. Só samba de protesto na Vênus Platinada, ficou decidido. Plin Plin. E dá-lhe "Seu Presidente, agora tudo vai ficar barato, agora o pobre já pode comer..." pra cima deles. Salve Geraldo Pereira, que brasa!!
No dia seguinte, todos no Bar do Pescador para ver o SE-TV na hora do almoço. E cortaram (ou censuraram?) o samba de 60 anos, "Ministério da Economia", clássico do nosso cancioneiro. Ah, claro, o sertanejo-emo foi divulgado...
Tudo bem, o recado foi dado e é esse mesmo. No show no Cultiva poderíamos cantar estes e outros sambas que o canal do plin plin não gostaria que chegasse aos incautos ouvidos de seus telespectadores. E assim foi. Mandamos brasa em cima de brasa, e saímos sob aplausos. Teve até "mais um, mais um" e a Paulinha indo para a galera, cantar "Foi um rio que passou em minha vida" na saideira.
Cabe o registro que, se o samba "estaciano", carioca, que ficou mais conhecido no Brasil está em baixa por lá, o samba de pareia e samba de coco, sobrevive como belíssimas manifestações culturais e folclóricas, sendo passado de pai para filho, sobretudo no interior do Estado. Salve Dona Nadir!!!!
E essa foi a nossa odisséia em Aracaju, nosso recado. Desta terra boa, fica a saudade. Obrigado Sergipe, até a volta.
6 comentários:
Pelo relato, emocionante aventura...é isso aí, gente boa mantendo o samba sempre vivo...imagino a surpresa das "mudanças de planos" pelo caminho...rádio, TV...que show! E quanto a "censura" velada, oposição sempre! : )
Desta adorável saga, muitas diversões, lições, e...sambas. Obrigada, amigos, por me fazerem participar desse universo, e depois ainda ler um texto ótimo como esse,de peso, rs. Saravá Aracaju!
Sensacional. Belíssima viagem!
Companheiros e companheiras do sertão, no próximo ano quero a mesma trip, porem quero um quarto com varanda para ficar com minha namorada.
Esqueci de avisar a todos que o banheiro voltou a funcionar do nada.
Inesquecível!!!
emocionada com o relato e querendo que vocês voltem logo! e você moço já tem onde ficar ;)
Eita Piruca, ficou um belo de um relato :)
Curti menos do que gostaria a estadia dos ilustres manos do Japa :P Mas a galera fica aqui no aguardo de mais.
xêro.
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