15 de janeiro de 2008

Os "comprositores"

Antigamente, era muito comum o comércio de sambas. Compositores talentosos, mas muito pobres, vendiam suas inspirações, suas ricas melodias, suas belas poesias para poderem terem o que comer. Às vezes (muitas vezes) vendiam para terem o que beber. Muitos sambistas não sabiam que poderiam ganhar dinheiro com direitos autorais. Preferiam ver o dinheiro vivo na hora. O fato é que alguns compositores eram tão talentosos que podiam fazer um novo (e bom) samba a cada dia. Nelson Cavaquinho pagou muitos porres vendendo sambas que acabara de compor.

E se para os compositores do asfalto este comércio era normal, para alguns personagens do morro isto beirava o absurdo. Cartola que ficou espantado quando Mario Reis subiu o Morro da Mangueira para comprar um samba seu. Como poderia vender um samba? Era como vender o canto dos pássaros, a brisa do mar ou o pôr-do-sol... Achou estranho, mas vendeu (não era todo dia que as verdinhas vinham bater na porta de casa).

Os compradores de samba, também chamados de “comprositores”, ora assinavam sozinhos a autoria do samba, ora apenas acrescentavam seus nomes na parceria. Ismael Silva e Nilton Bastos sempre colocavam o nome de Francisco Alves nas parcerias, apesar de o “Rei da Voz” jamais ter composto algo.

Raul Marques, Buci Moreira e Wilson Batista eram os maiores vendedores de samba da época (anos 30). O ponto de encontro era o Café Nice, no centro do Rio, então Distrito Federal. E quem era o maior comprador, o mais tarimbado “comprositor”? Segundo Raul Marques, era um sujeito de nome Miguel Baúza. Ele era seu maior freguês. Baúza comprava muitos, mas muitos sambas da dupla Raul Marques e Buci Moreira, dois dos maiores ritmistas do passado. Mesmo quando ele comprava sambas de outros compositores, sempre pedia o aval para os malandros.

Quem também sonhava ser compositor, mas só tinha talento (leia-se dinheiro) para ser “comprositor” era um indivíduo chamado César Brasil. Raul Marques conta (em entrevista para Sérgio Cabral) que ele tinha tantas letras de samba amontoadas num baú, que sempre precisava comprar queijo para os ratos, pretendendo assim, preservar os velhos escritos, já amarelados, rabiscados pela maladragem em botequins, batucadas afora.

E se houvesse quem vendesse e comprasse, era óbvio que haveria quem roubasse composições. E na maior cara de pau. Sinhô, o rei do maxixe, dizia que “samba é igual passarinho, é de quem pegar primeiro”. Kid Pepe e Benedito Lacerda também pensavam assim. E tinham uma boa estratégia para “assaltarem” os sambistas: ficava o Kid Pepe, valente e boxeador, sentado numa mesa de um boteco e o Benedito Lacerda atrás, com um caderno de partituras e um lápis na mão. Quando alguém cantava um samba para o Kid Pepe, o Benedito anotava as melodias e a letra num papel. Pronto, estava furtado o samba. Se o sambista lesado reclamasse... A navalha de Kid Pepe era sacada de seu bolso. Era o suficiente para que o pobre sambista roubado saísse de fininho.

Com o tempo, os compositores do samba passaram a dar mais valor aos direitos autorais. Mas o folclore da compra e venda (e roubo) de sambas ficou pra sempre (se bobear, deve existir até hoje).

Este video eu achei lá no Balaio do Carl Ole (obrigado). É uma reportagem do Fantástico que trata do assunto já mostrando uma outra época (anos 70)

Um comentário:

Anônimo disse...

Se pagar um aluguel eu tô vendendo!!!!

...um por mês.

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