Há alguns anos atrás, travei conhecimento de uma organização de sambistas chamada Grêmio Recreativo de Tradição e Pesquisa Morro das Pedras. Conheci o Roberto, do surdo, por intermédio de uma grande amiga minha, que estudou Sociologia com ele. Nos sambas do Morro das Pedras, senti-me em um terreiro de escola de samba das antigas. Eles fazem samba como se fazia quando o samba ainda era puro. Eles faziam samba como o samba era feito na Portela nos anos 30, 40, 50...
Sendo eu um amante do samba legítimo, fiquei apaixonado por aquela roda de samba com 20 pessoas, fazendo um samba cadenciado, equilibrado, sem atropelos e sem aceleração. Tinha três violões, quatro cavaquinhos, duas cuícas, três pandeiros... Era uma roda de samba típica dos terreiros que já não existem nas escolas de samba. Uma roda de samba sem microfone. Tudo no gogó mesmo. Todos cantavam no coro e o solista soltava a voz. Os partideiros cantavam bem, além de serem exímios versadores. Fiquei realizado. Aquele era o modelo de roda que eu gostaria que todos seguissem.
O G.R.T.P. Morro das Pedras, além de proporcionarem um belo espetáculo de samba, também (e principalmente) atuavam na pesquisa de antigos sambas de terreiro. Eles resgatavam antigos sambas de terreiro e a cada encontro um grande sambista do passado era reverenciado e revalorizado. Nomes como Aniceto da Portela, Carlos Cachaça, Silas de Oliveira, Paulo da Portela, entre outras cobras, foram homenageados. Além disso, também faziam um belo trabalho social na comunidade de São Mateus.
Com o tempo, voltei mais vezes nos encontros do Morro. Cristina Buarque de Holanda sempre aparecia por lá. E mais, ela, no fundo, era uma das pesquisadoras do Morro, já que ajudava, e muito, com suas fitas cassetes, com gravações de antigos sambas (vários deles, inéditos) de velhos bambas da Portela.
Qual não foi minha surpresa quando eu descobri que a Cristina Buarque iria se apresentar com o grupo Terreiro Grande. Quando li sobre o show, soube que o Terreiro Grande era formado por pesquisadores de samba de terreiro, de São Mateus, eu logo pensei que se tratava da turma do Morro. De fato, era. O Morro das Pedras acabou no final do ano passado, dando origem ao Terreiro Grande.
Fui para o show esperando ver aquilo que eu vira nas rodas de São Mateus. Foi o que aconteceu. Uma roda de samba com mais de 15 pessoas acompanhou a Cristina. Nada de baixo e bateria como nas apresentações de Elton Medeiros, Dona Ivone Lara, etc, nos teatros do SESC. E se a roda era fantástica, o que dizer do repertório? Cabe a transcrição:
O meu nome já caiu no esquecimento (Paulo da Portela)
Conversa puxa conversa (Francisco Santana)
Não pode ser verdade (Alberto Lonato)
Sofrimento de quem ama (Alberto Lonato)
Você me abandonou (Alberto Lonato)
Quantas lágrimas (Manacéa)
Já chegou quem faltava (Nilson Gonçalves)
O mundo é assim (Alvaiade)
Jura (Zé da Zilda, Marcelino Ramos e Adolfo Machado)
Meu primeiro amor (Alcebíades Barcelos e Marçal)
A lei do morro (Silas de Oliveira e Antônio dos Santos)
Quem se muda pra Mangueira (Zé da Zilda)
Assim não é legal (Noel Rosa de Oliveira)
Água do rio (Anescarzinho do Salgueiro e Noel Rosa de Oliveira)
Esta melodia (Bubu e José Bispo)
Ando penando (Alcides Dias Lopes, o Malandro Histórico da Portela)
Perdão, meu bem (Cartola)
Nem é bom falar (Ismael Silva, Francisco Alves e Nilton Bastos)
Na água do rio (Silas de Oliveira e Manuel Ferreira)
Vou navegar (Ernâni Alvarenga)
Inspiração (Candeia)
Banco de réu (Alvaiade e Djalma Mafra)
Você chorou (Silvio Fernandes, o Brancura)
Apoeteose ao samba (Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola)
Lenços Brancos (Picolino da Portela)
Sentimentos (Mijinha)
Conselhos de mamãe (Manacéa)
Brocoió (Zé Cachacinha)
Quando a maré (Antonio Caetano)
Confraternização I (Walter Rosa)
Portela (Zé Kéti)
Desengano (Aniceto da Portela)
A maldade não tem fim (Armando Santos)
Embrulho eu carrego (Alvaiade e Djalma Mafra)
Vida de fidalga (Alvaiade e Francisco Santana)
Fui condenado (Mijinha e Monarco)
Teste ao samba (Paulo da Portela)
Tu me desprezas (Paulo da Portela e Cartola)
Cantar para não chorar (Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres)
No bis, alguns partido-altos muito bem versados por Roberto e Careca.
É um repertório espetacular, só “brasas” mesmo. Alguns destes sambas são inéditos: Inspiração (Candeia), Conselhos de mamãe (Manacéa) e Tu me desprezas (Paulo da Portela). Lindos sambas. Um roteiro impecável.
Emocionado, cantei os sambas. Encantado com aquela maravilhosa roda. Quando Cristina começou a cantar Já chegou quem faltava de Nilson Gonçalves, o Terreiro ficou Grande mesmo, porque entrou o segundo cavaco, o coro, mais tamborins, cuíca... Nessa hora, me arrepiei inteiro. Lágrimas surgiram no canto dos meus olhos. Nunca, antes, eu tinha visto um show como aquele. Já presenciei e participei de rodas maravilhosas, mas uma apresentação, um show como aquele, eu nunca havia visto.
Foi uma apresentação de samba puro, sem deturpações. Tocaram samba como se tocava antigamente. Ao final, ovação. Onde estavam escondidos estes sambistas? Pesquisando samba bom. Cristina sabe bem. Para a turma do Terreiro Grande, samba é alegria, amor, paixão, inspiração, despido de qualquer caráter comercial. Se outros grandes sambistas do Rio vissem esta apresentação, passariam a se apresentar exclusivamente com eles. Lembrar-se-iam de como eram bons os terreiros da antiga.
Ao total serão oito apresentações no Teatro FECAP. Imperdível. Fernando Faro, produtor musical que não é bobo nem nada, irá gravar um programa ENSAIO a partir deste show. Será um documento do samba de terreiro. Nada mais justo que Cristina Buarque (e o Terreiro Grande) seja a porta-voz. Afinal, ela é o documento do samba em pessoa.
Avaliação: ***** (excelente)
3 comentários:
show divinal. os mestres do samba devem ter sorrido no além
Muito bacana seu blog!
Samba de verdade é mesmo bom demais!
Pirukets, do outro lado do mundo revivi esse show lendo seu texto...ainda bem que emoçao tbem tem memoria!!! parabens pelo trampo, ta super completo, cheio d boas dicas!
bjo grande
Postar um comentário