Entrevista com o sambista Airton Santa Maria, da Velha Guarda da Camisa Verde e Branco
Como é seu nome e onde o senhor nasceu?Me chamo Airton Fortunato, nasci aqui no bairro das Perdizes, na Zona Oeste. E vida de paulistano sabe como é... Sempre agitada. E minha família já era do samba...
O samba veio do berço, então?Já nasci no samba. Naquela época a Camisa Verde e Branco não existia. Então a escola era Campos Elíseos, ali perto da Barra Funda, mesmo. Eu me lembro que eu era criança e as tias levavam a gente pelas mãos. Me lembro dos desfiles no Parque da Água Branca nesta época.
E quem fazia samba em São Paulo nesta época? Quem foram os precursores?Precursores, amigos dos meus parentes... Tinha o Henricão, famoso Henricão, que sempre fazia uns pagodes ali na Rua Ministro Godoy, nas Perdizes. Aí aparecia também o Blecaute, figura antiga do carnaval paulistano. Eu tinha uns 6 anos, isso foi por volta de 1948.
O Cordão Camisa Verde neste época ainda não havia voltado às atividades?O pessoal da Barra Funda militava lá no Campos Elíseos, mas o Grupo Barra Funda, fundado por Inocêncio Tobias, que é a primeira fase da Camisa Verde, parou em 32 em razão da Revolução. Como os fascistas eram conhecidos como “camisas verdes”, o cordão teve que mudar para Camisa Verde e Branco. Porém, nesta parada, só conseguiu voltar em 1953.
Você freqüentava o Largo da Banana?Em 1949, 1950, nós saíamos dos Campos Elíseos e ficávamos vendo. Íamos com os tios, sempre, porque eu era muito pequeno. Mas grandes nomes freqüentavam o Largo: o famoso Pézão da Barra Funda era um. Mas eu era criança e ficava só observando.
Tinha muita pernada, roda de tiririca?Pernada eu cheguei ver nos primeiros tempos do Camisa Verde e Branco, em 54. Me recordo muitos dos bebedouros de cavalos lá no Largo da Banana e nas calçadas tinha umas demarcações para eles venderem as bananas e outras coisas. Aí o pessoal jogava caixeta e tal. E rolava umas rodas de pernada também. Mas era sempre na boa, na brincadeira.
Quando você ingressou na Camisa?Eu só não ingressei lá quando ela foi refundada porque lá em casa a gente tinha uma política de não deixar criança ir ao samba. Porque tinha muita malandragem. Então eu só fui freqüentar a Camisa quando eu tinha uns 19 anos. Aí eu vesti a camisa. A Camisa Verde e Branco.
Quais as diferenças entre os cordões e as Escolas de Samba?
A Escola eliminou o porta estandarte, o baliza...Entrou a comissão de frente, o mestre-sala...
Isso trazido do Rio, né?
É, quando o desfile virou oficial em São Paulo, em 67, eles tiveram que fazer um regulamento. Aí imitou o Rio. A Nenê já tinha ligações com o Rio, mas quem inovou mesmo foi a Mocidade Alegre. Eu, particularmente, acho que não deveria ter mudado.
E a música? O samba daqui era diferente do carioca?
O samba paulista, em sua origem, é um relato, com estrofes. O samba carioca já é mais partido alto, com um refrão e versos de improviso. Mesmo os sambas de partido alto daqui tem outra medição. São Paulo fez grandes sambistas: Geraldo Filme, Henricão, Paulo Vanzolini, o próprio Adoniram Barbosa. São Paulo tem uma história muito rica.
Quando os cordões começaram desfilar ao ritmo de samba?
Isso foi no começo dos anos 50.O Camisa só desfilou uma vez com marcha. Depois, só samba.
Os compositores das escolas de samba chegaram a gravar disco, fazer sucesso nas rádios?Sempre houve um problema porque a marginalidade era a marca das escolas de samba. Mas o Henricão gravou nos anos 40. Outros sambistas daqui como Gordurinha, o Verdurinha, o Vadico, estes também gravaram. O Geraldão da Barra Funda (Geraldo Filme) fez muita turnê, mas só foi gravar um disco solo em 1980. Tinha os artistas de rádio e os sambistas das escolas. Era muito diferenciado e estes artistas não iam às escolas porque se sentiam alienados.
Como eram os terreiros e as sedes das escolas de samba?
A primeira escola a ter um terreiro, em razão de ter uma quadra, foi o Camisa, em 70. O Peruche tinha uma coisa lá no Caqui, mas era um pasto com os cavalos e eles batiam samba lá. Quando eu conheci o Peruche, antes de ir para a Camisa, por volta de 52, eles faziam uma roda de samba na rua e depois iam para o “pastão”, o famoso “pastão”. Tinha que desviar de bosta de cavalo, buraco, formigueiro. As sedes também não existiam. As reuniões sempre se davam na casa de algum sambista influente.
E os primeiros sambas enredo? Eram tirados do terreiro ou já eram feitos para se desfilar?
Já era em formato de samba-enredo, falando de temas históricos. O primeiro que eu desfilei foi sobre a Nega Fulô.
E como era o samba de terreiro das escolas?
Como eu disse, se dava em ambientes diversos. Eu tive a felicidade de ver grandes sambistas lá das Perdizes. Então eu cresci aprendendo com eles. Rolavam altas festanças, com fogueira e muito sambão. Lá no final da Rua Caetés, do outro lado do então riacho do Sumaré, havias o chamado Morro da Calábria. A galera fazia um pagodão lá no morro, no meio da floresta de eucaliptos.
E os jornais e revistas davam destaque ao samba?
Muito pouco, pois os sambistas eram muito mal vistos pela sociedade.
E como se deram os primeiros desfiles?
Os primeiros desfiles, ainda quando eu era criança, aconteciam no Parque da Água Branca. Depois passou para a São Luís, Parque do Ibirapuera, Avenida São João, Anhangabaú, novamente São João, Tiradentes e finalmente, Anhembi.
Antigamente, algums sambistas diziam que o samba gravado perdia a magia na vitrola. Você concorda?
Não, eu acho que todo sambista tem o sonho de ver seu samba gravado, é uma grande satisfasção.
Como você vê o samba de hoje?
São Paulo tem vindo em um movimento bom há mais de 20 anos. Só precisa de mais divulgação. O pessoal vem resistindo aí, fazendo sambas bons. O interesse , talvez, esteja maior do que no Rio. Você vê movimentos de sambistas novos que cantam sambas novos...
E o ritual de samba de terreiro nas escolas de samba? Existe ainda?
Antigamente, todo sábado havia uma roda de samba na sede da escola. Mas pra participar, você tinha que fazer um samba. O pessoal te dava um tema e você tinha que apresentar no fim da festa. Hoje só tem roda de samba de terreiro nos encontros da Velha Guarda. A molecada não quer saber de nada. E não é só no samba de terreiro que está o problema. A Liga das Escolas de Samba de São Paulo é uma sujeira só. A Globo dá o dinheiro dos direitos de Tv para eles e eles não repassam para a gente. Se não somos nós para batalhar...
O jovem não deveria estar mais presente?
O problema é que o jovem da escola de samba vai lá, toca seu tamborim no ensaio, depois toca na avenida e depois vai pro funk. Deveria ficar na quadra, tocar sambas de amor, de exaltação à natureza. Mas há uma juventude, sem relação com escolas, que revaloriza o verdadeiro samba como Quinteto em Preto e Branco, o T Kaçula, o Morro das Pedras, o projeto Nosso Samba.
Muito obrigado pela entrevista...
Como é seu nome e onde o senhor nasceu?Me chamo Airton Fortunato, nasci aqui no bairro das Perdizes, na Zona Oeste. E vida de paulistano sabe como é... Sempre agitada. E minha família já era do samba...
O samba veio do berço, então?Já nasci no samba. Naquela época a Camisa Verde e Branco não existia. Então a escola era Campos Elíseos, ali perto da Barra Funda, mesmo. Eu me lembro que eu era criança e as tias levavam a gente pelas mãos. Me lembro dos desfiles no Parque da Água Branca nesta época.
E quem fazia samba em São Paulo nesta época? Quem foram os precursores?Precursores, amigos dos meus parentes... Tinha o Henricão, famoso Henricão, que sempre fazia uns pagodes ali na Rua Ministro Godoy, nas Perdizes. Aí aparecia também o Blecaute, figura antiga do carnaval paulistano. Eu tinha uns 6 anos, isso foi por volta de 1948.
O Cordão Camisa Verde neste época ainda não havia voltado às atividades?O pessoal da Barra Funda militava lá no Campos Elíseos, mas o Grupo Barra Funda, fundado por Inocêncio Tobias, que é a primeira fase da Camisa Verde, parou em 32 em razão da Revolução. Como os fascistas eram conhecidos como “camisas verdes”, o cordão teve que mudar para Camisa Verde e Branco. Porém, nesta parada, só conseguiu voltar em 1953.
Você freqüentava o Largo da Banana?Em 1949, 1950, nós saíamos dos Campos Elíseos e ficávamos vendo. Íamos com os tios, sempre, porque eu era muito pequeno. Mas grandes nomes freqüentavam o Largo: o famoso Pézão da Barra Funda era um. Mas eu era criança e ficava só observando.
Tinha muita pernada, roda de tiririca?Pernada eu cheguei ver nos primeiros tempos do Camisa Verde e Branco, em 54. Me recordo muitos dos bebedouros de cavalos lá no Largo da Banana e nas calçadas tinha umas demarcações para eles venderem as bananas e outras coisas. Aí o pessoal jogava caixeta e tal. E rolava umas rodas de pernada também. Mas era sempre na boa, na brincadeira.
Quando você ingressou na Camisa?Eu só não ingressei lá quando ela foi refundada porque lá em casa a gente tinha uma política de não deixar criança ir ao samba. Porque tinha muita malandragem. Então eu só fui freqüentar a Camisa quando eu tinha uns 19 anos. Aí eu vesti a camisa. A Camisa Verde e Branco.
Quais as diferenças entre os cordões e as Escolas de Samba?
A Escola eliminou o porta estandarte, o baliza...Entrou a comissão de frente, o mestre-sala...
Isso trazido do Rio, né?
É, quando o desfile virou oficial em São Paulo, em 67, eles tiveram que fazer um regulamento. Aí imitou o Rio. A Nenê já tinha ligações com o Rio, mas quem inovou mesmo foi a Mocidade Alegre. Eu, particularmente, acho que não deveria ter mudado.
E a música? O samba daqui era diferente do carioca?
O samba paulista, em sua origem, é um relato, com estrofes. O samba carioca já é mais partido alto, com um refrão e versos de improviso. Mesmo os sambas de partido alto daqui tem outra medição. São Paulo fez grandes sambistas: Geraldo Filme, Henricão, Paulo Vanzolini, o próprio Adoniram Barbosa. São Paulo tem uma história muito rica.
Quando os cordões começaram desfilar ao ritmo de samba?
Isso foi no começo dos anos 50.O Camisa só desfilou uma vez com marcha. Depois, só samba.
Os compositores das escolas de samba chegaram a gravar disco, fazer sucesso nas rádios?Sempre houve um problema porque a marginalidade era a marca das escolas de samba. Mas o Henricão gravou nos anos 40. Outros sambistas daqui como Gordurinha, o Verdurinha, o Vadico, estes também gravaram. O Geraldão da Barra Funda (Geraldo Filme) fez muita turnê, mas só foi gravar um disco solo em 1980. Tinha os artistas de rádio e os sambistas das escolas. Era muito diferenciado e estes artistas não iam às escolas porque se sentiam alienados.
Como eram os terreiros e as sedes das escolas de samba?
A primeira escola a ter um terreiro, em razão de ter uma quadra, foi o Camisa, em 70. O Peruche tinha uma coisa lá no Caqui, mas era um pasto com os cavalos e eles batiam samba lá. Quando eu conheci o Peruche, antes de ir para a Camisa, por volta de 52, eles faziam uma roda de samba na rua e depois iam para o “pastão”, o famoso “pastão”. Tinha que desviar de bosta de cavalo, buraco, formigueiro. As sedes também não existiam. As reuniões sempre se davam na casa de algum sambista influente.
E os primeiros sambas enredo? Eram tirados do terreiro ou já eram feitos para se desfilar?
Já era em formato de samba-enredo, falando de temas históricos. O primeiro que eu desfilei foi sobre a Nega Fulô.
E como era o samba de terreiro das escolas?
Como eu disse, se dava em ambientes diversos. Eu tive a felicidade de ver grandes sambistas lá das Perdizes. Então eu cresci aprendendo com eles. Rolavam altas festanças, com fogueira e muito sambão. Lá no final da Rua Caetés, do outro lado do então riacho do Sumaré, havias o chamado Morro da Calábria. A galera fazia um pagodão lá no morro, no meio da floresta de eucaliptos.
E os jornais e revistas davam destaque ao samba?
Muito pouco, pois os sambistas eram muito mal vistos pela sociedade.
E como se deram os primeiros desfiles?
Os primeiros desfiles, ainda quando eu era criança, aconteciam no Parque da Água Branca. Depois passou para a São Luís, Parque do Ibirapuera, Avenida São João, Anhangabaú, novamente São João, Tiradentes e finalmente, Anhembi.
Antigamente, algums sambistas diziam que o samba gravado perdia a magia na vitrola. Você concorda?
Não, eu acho que todo sambista tem o sonho de ver seu samba gravado, é uma grande satisfasção.
Como você vê o samba de hoje?
São Paulo tem vindo em um movimento bom há mais de 20 anos. Só precisa de mais divulgação. O pessoal vem resistindo aí, fazendo sambas bons. O interesse , talvez, esteja maior do que no Rio. Você vê movimentos de sambistas novos que cantam sambas novos...
E o ritual de samba de terreiro nas escolas de samba? Existe ainda?
Antigamente, todo sábado havia uma roda de samba na sede da escola. Mas pra participar, você tinha que fazer um samba. O pessoal te dava um tema e você tinha que apresentar no fim da festa. Hoje só tem roda de samba de terreiro nos encontros da Velha Guarda. A molecada não quer saber de nada. E não é só no samba de terreiro que está o problema. A Liga das Escolas de Samba de São Paulo é uma sujeira só. A Globo dá o dinheiro dos direitos de Tv para eles e eles não repassam para a gente. Se não somos nós para batalhar...
O jovem não deveria estar mais presente?
O problema é que o jovem da escola de samba vai lá, toca seu tamborim no ensaio, depois toca na avenida e depois vai pro funk. Deveria ficar na quadra, tocar sambas de amor, de exaltação à natureza. Mas há uma juventude, sem relação com escolas, que revaloriza o verdadeiro samba como Quinteto em Preto e Branco, o T Kaçula, o Morro das Pedras, o projeto Nosso Samba.
Muito obrigado pela entrevista...
Não há de quê... Airton Santa Maria falou...
Um comentário:
Sou amigo do Airton e estou feliz por vê-lo contribuindo para a história do samba paulista.
Aquele Abraço do Prof. Eraldo Buldrini
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