10 de julho de 2013

Flores em vida. Homenagem, em tempo. Estou falando de Elton Medeiros


Eduardo Gudin teve a sensibilidade de produzir um grandioso tributo a Elton Medeiros, apresentando valorosos intérpretes, escolhendo um repertório representativo de sua obra e, principalmente, contando com a presença do sambista no palco. As flores em vida, os louros, em tempo. 

O genial compositor já não carrega a enorme vitalidade que ostentou por oito décadas de vida. Um ano e meio atrás, na última vez que havia assistido a uma apresentação de Elton, ele estava bem vigoroso, forte, cantando com desenvoltura suas composições, repletas de melodias rebuscadas e com poesias de forte apelo lírico. Hoje, prestes a completar 83 anos de vida, o icônico sambista parece padecer das agruras que a idade implacavelmente acomete até mesmo aos mais fortes e saudáveis homens. 

Debilitado, fraco e com dificuldade para cantar. Infelizmente, este era o aspecto de Elton Medeiros ao pisar no palco do Teatro do Sesc Vila Mariana, nas quatro apresentações que realizou, entre os dias 4 e 7 de julho, em São Paulo. Felizmente, Gudin não esperou que o nome do sambista virasse verbete em páginas de cancioneiros, biografias e relatos históricos e se posicionou: o sambista merecia uma homenagem à sua altura, em vida. E assim se fez este belo tributo, que emocionou a todos.

Nos dois primeiros dias de espetáculo, nos dias 4 e 5 de julho, foram convidados pelos anfitriões Eduardo Gudin e Hermínio Bello de Carvalho, o conjunto Demônios da Garoa, Paulinho da Viola, Beatriz Faria e Fabiana Cozza. Já nos dias 6 e 7, subiram ao palco Ná Ozzetti, Adriana Moreira, Carlinhos Vergueiro e Carlos Lyra. Estive presente nas duas etapas desta homenagem e deixo aqui algumas linhas com minhas impressões.

Antes de avaliar as atuações dos convidados, cabe ressaltar que os instrumentistas atuaram muito bem na apresentação (apesar do autor destas linhas não ser um grande entusiasta da presença de bateria e contrabaixo em espetáculos de samba). Estiveram presentes os seguintes músicos: Alfredo Castro (percussão), André Gomes (trombone), Da Do (saxofones, flauta e clarinete), Edu Malta (contrabaixo), Eduardo Gudin (violão), Henrique Menezes (flauta), João Poleto (flauta e saxofones), Jorginho Saavedra (bateria), Karina Ninni (vocal), Maik Moura (cavaquinho e bandolim), Maurício Santana (vocal), Maycon Mesquita (trombone) e Raphael Moreira (percussão).
O primeiro ato

O espetáculo teve início, tanto no primeiro ato quanto no segundo, com a interpretação, por Karina Ninni e Maurício Santana (cantores que integram o conjunto de Gudin, Notícias Dum Brasil), de composições de Elton em parceria com o sambista paulista, idealizador do espetáculo. "Estrela" (também com Roberto Riberti), "Mundo", "Fica esse samba comigo" (com José C. Costa Netto) e "Melhor carinho" celebraram a produção conjunta destes dois sambistas.

Os Demônios da Garoa, tão ligados ao nome do paulista Adoniran Barbosa, executaram três sambas do mestre, "Rita Maloca", "Maioria sem nenhum" e "Meu sapato já furou" (as duas últimas, parcerias com Mauro Duarte). Brilhante.

O clássico absoluto de Elton com Zé Keti, "Mascarada", não poderia ficar de fora. Com Fabiana Cozza, exímia cantora, uma das mais destacadas intérpretes de samba da contemporaneidade, o samba ficou em boas mãos. Cênica, a cantora também interpretou o belo "Sorri", também parceria com José Flores de Jesus, o Zé "Quietinho" da Portela.

Outra cantora que pisou no palco nas duas primeiras noites de celebração, Beatriz Faria, filha de Paulinho da Viola, cantou algumas parcerias da dupla Paulinho/Elton, como "Recomeçar". Na sequência, ponto alto da noite, quem ganhou os holofotes - e os longos aplausos - foi seu pai, o genial Paulo César Batista de Faria. 

Um dos principais parceiros de Elton Medeiros, Paulinho é um sambista categórico. E isso foi provado mais uma vez. Além de cantar sucessos da dupla, como "Onde a dor não tem razão" e "Pra fugir da saudade", Paulinho rendeu seu próprio tributo, ao cantar "Um cara bacana", samba que compôs em homenagem a seu parceiro, na ocasião da comemoração dos 80 anos de Elton. Paulinho é um espetáculo à parte e sua presença no palco, tão somente, já seria o suficiente para garantir a grandiosidade do evento.

Eis que entra no palco, bengala à mão - a outra, conduzida pelo poeta Hermínio Bello de Carvalho - o homenageado, Elton Medeiros. Ovação. Um momento histórico se configura no Teatro do Sesc Vila Mariana, tomado por 640 pessoas, absolutamente extasiadas com o que acontecia naquele instante. Paulinho, Elton e Hermínio, então, relembram os bons tempos do Zicartola, restaurante e casa de samba de Cartola e Dona Zica, que marcou época nos anos 60.

Há 50 anos, estavam os três, jovens, com o samba correndo nas veias, vivendo tempos áureos da música brasileira. Naquele palco, tanto tempo depois, foi hora, momento mais do que oportuno, de relembrar tais momentos, celebrando a vida e a obra do grande baluarte. Entre as lembranças, o espetáculo "Rosa de Ouro", um dos musicais mais importantes da história do samba. A composição-tema, homônima, foi composta por esse distinto trio e todos conheciam e cantaram os versos que abrem a música: "Ela tem uma rosa de ouro nos cabelos, e outras mais, tão graciosas..."

Duas das parcerias de Elton com Hermínio mais belas não ficariam de fora: "Folhas no Ar" e "Pressentimento". Esta última, como não poderia deixar de ser, levantou a plateia. Finalmente, o clássico "O sol nascerá", parceria com Cartola, fechava o primeiro ato, primoroso.

O segundo ato

No segundo ato, após a introdução feita por Maurício Santana e Karina Ninni, Adriana Moreira subiu ao palco para mostrar porque ela é uma das melhores cantoras de samba de nosso tempo. Ao cantar a belíssima "Sofreguidão", o fez com o mesmo primor que Elton e Cartola tiveram para conceber tal preciosidade. Certamente, foi um dos pontos altos da homenagem.

Cabe ressaltar a observação que Gudin fez sobre esta música. O compositor paulista frisou que, ao ouvi-la pela primeira vez, em meados dos anos 60, mudou para sempre sua maneira de compor. Para ele, a audição de "Sofreguidão" foi um marco em sua trajetória de compositor de samba.

Adriana Moreira cantaria, ainda, "A canoa virou", partido alto gravado pelo Conjunto A Voz do Morro, do qual Elton participou nos anos 60, antes de abrir espaço para Carlinhos Vergueiro. Este foi muito bem, interpretando, com muita bossa e divisão, "Meu viver" (parceria de Elton com Jair do Cavaquinho e Kleber Santos), "Injúria" (com Cartola) e sua parceria com o veterano sambista, "Relaxa". Muito bom.

Depois, foi a vez de Ná Ozzetti. Esbanjando técnica, a cantora cantou um dos mais belos sambas de Elton Medeiros (mais uma parceria com o Divino Cartola), "Peito Vazio", em uma interpretação primorosa. Ná Ozzetti cantaria, ainda, com propriedade, o samba "Um cara bacana", homenagem que Paulinho dedicou ao compositor, cantada pelo próprio Paulinho nos dois dias anteriores.

O convidado seguinte foi Carlos Lyra, que subiu ao palco para cantar "Mascarada" (com Zé Keti) e "Coração de Ouro" (Elton e Joacyr Santana). O violonista fez questão de assinar o arranjo das duas composições que interpretou, fazendo com que os sambas ganhassem, então, uma ligeira aparência de bossa nova. 

Então, chegava a hora de, novamente, Elton e Hermínio subirem ao palco, interpretando, mais uma vez, os clássicos "Rosa de Ouro", "Folhas no ar" e "Pressentimento". Desta vez, no entanto, Hermínio também cantou "Vida Madrasta", outra parceira dos dois. 

Papo vai, papo vem, Zicartola, Rosa de Ouro, e outras passagens célebres de outrora ganhavam vida nas falas saudosas de Hermínio e Elton. Este, a estrela da celebração, costumava falar muito, contar causos e fazer piadas em suas apresentações. Desta vez, preferiu escutar Hermínio, lembrando daqueles dias que o tempo levou, tal folhas sopradas no ar.

Tudo isto não poderia deixar de acabar com uma enorme ovação, das mais sinceras e efusivas que uma plateia dedicou a um compositor. "Estou falando de Elton", um gênio do nosso tempo que, felizmente, colheu flores plantadas em seu jardim, em vida.

Avaliação: **** (ótimo)
 





Um comentário:

Asfalto disse...

Bunicto!

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