18 de maio de 2010

O bamba e a verdadeira escola do sambista, a roda

A roda de samba é sempre a melhor escola. É nela que você pode encontrar os verdadeiros sambistas e aprender com os bambas - que vivem em toda plenitude a essência desta que é a nossa maior expressão cultural - todo o valor que há na arte dessa verdadeira entidade que é o nosso SAMBA. Uma arte que não se ensina (no máximo se orienta) mas se aprende nestes momentos sublimes em que podemos experimentar o néctar que existe em cada ‘brasa’ entoada e saborear cada gota de conhecimento que se adquire ao ver uma batucada caprichada contagiando o ambiente.

Neste fim de semana, eu tive a imensa honra, o grande prazer, a incrível experiência de poder participar de uma roda com a presença de Tio Mario, baluarte da Velha Guarda da Camisa Verde e um dos maiores sambistas vivos do Brasil. À este verdadeiro acontecimento em minha vida, eu devo toda a gratidão a Paulinho Timor, batuqueiro e compositor da Paulicéia que foi o anfitrião da lendária batucada que narro nestas linhas.

Com mais de 80 anos, Tio Mario parece um menino empolgado com suas estripulias - aquela criança feliz que só sabe o que é brincar - quando entra na roda de samba. Talvez, animado com a mocidade, uma nova geração que é amante do samba e o trata com o devido respeito, ele tenha se lembrado de seu tempo de juventude, onde podia batucar no Largo da Banana e sambar até o sol raiar. Talvez, contagiado com o samba quente entoado no Clube Nacional do Bom Retiro, no último sábado, aniversário do já devidamente citado (e exaltado) Paulinho, Tio Mario não fez nada mais do que fazer o que um sambista - e que sambista! - faz, independente de qualquer idade, nestas horas: deixa a cadência o levar. A altivez, disposição e animação foi algo inesquecível de se ver. Um verdadeiro capítulo da história do samba acontecendo diante de meus olhos.

Tio Mario cantou, tocou tudo que é instrumento de batucada (quando pegou o atabaque não largou mais, castigando o couro do instrumento na batida que se tocava os antigos tambus), versou, bebeu a noite inteira e desfilou sua elegância de sambista, de verdadeiro bamba. Uma escola em pessoa, uma verdadeira lenda viva.

Cada minuto numa roda de samba dessas é valioso, é aprendizado no duro. Algo para se levar para vida.

Abaixo, segue o depoimento dele que consta no encarte do disco da Velha Guarda do Camisa Verde e Branco e um pot-pourri de sambas seus, cantado por ele mesmo, também desse disco, lançado em 2005.

“Eu trabalhei no Largo da Banana de garoto. Antiga estação Barra Funda, que tinha porteira ainda, o bebedor dos cavalos e tal... A gente diz Largo da Banana porque a mercadoria que a gente trabalhava mais lá era banana e abacaxi, depois vinha o café. Cada um escolhia o que podia, entendeu? Tinha um que ficava às vezes no veneno, tinha que encostar no outro, tinha que pedir uns cinquenta centavos para comer a marmita ali no Arthur. Ali acontecia muita coisa, viu? A tiririca e faca de ponta... Era rasteira pra lá, rasteira pra cá e, no fim, tudo dava certo... Ali era a roda de samba, a malandragem que rolava todo dia. Naquela época não tinha covardia, era na mão mesmo, entendeu? E quem perdia, perdia. Hoje não, hoje em dia tá tudo diferente.”

“A minha família sempre foi do samba. Quando a gente saiu do Campos Elíseos, nós fomos pro Camisa Verde. Eu comecei na bateria. O apitador era meu falecido irmão, Panca. Da bateria eu fui pra comissão de frente, e da comissão de frente eu agora estou na Velha Guarda. Eu não vou dizer que sou um compositor, entendeu? Veio bem uma coisa na minha cabeça, então eu comecei a escrever, comecei a pôr pra frente. Graças a Deus, parece que está dando certo.”

“Eu fui num casamento de um personagem em Pirapora. Começou o tambu e teve um amigo, já falecido, que disse: ‘eu vou entrar na imbigada’ Eu digo: ‘você não vai entrar lá porque você não sabe o que significa isso aí’ Ele teimou e foi, deu imbigada... E passou a noite inteira sentada no tronco, no pé da fogueira, sem poder levantar.”

“Eu era garoto. O Fredericão, (família Penteado), que era do Bixiga, era o presidente da Barra Funda, do Cordão do São Geraldo. Ai depois ele saiu da Barra Funda e foi pro Bixiga, entendeu? Barra Funda e Bixiga não podiam se encontrar que o bicho pegava.”

“Eu e o meu falecido irmão vínhamos do Camisa Verde; a gente chegava fantasiado, de dia, quando terminava o desfile. A gente vinha pra Vila Carolina, então juntava ele, eu, a família dos Quinzinho, e o pessoal que era da Alameda Glete - nós fomos criados tudo junto, que da Alameda Glete a gente foi pra Carolina, entendeu? Aí formava lá, pegava dez, quinzes caras; a gente pegava nos instrumentos e saía por ali, e cada boteco que passava, um dava uma garrafa de cerveja, uma garrafa de vinho... E daí surgiu a idéia: ‘Vamos montar uma Escola de Samba!’ A minha ideia sempre foi essa: Eu não quero morrer antes de pôr uma escola de samba aqui nessa Carolina...’ Foi assim que começou a Portelinha.”

Tio Mario

Maria e João / Tem pó, não tem açúcar / Rosa (Tio Mario) - canta Tio Mario

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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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