4 de novembro de 2009

Confraternização (Walter Rosa)

GRANDES BRASAS DA HISTÓRIA
Quando escutei pela primeira vez essa série de sambas do Walter Rosa chamada "Confraternização", fiquei logo intrigado. Estava começando a mergulhar no universo do samba e me deparei com um compositor fora do comum. O disco em questão fazia parte da série "História das Escolas de Samba", mais uma das raridades que hoje podem ser baixadas gratuitamente na rede.

Os três sambas em que o compositor portelense vai enumerando nomes de valorosos e desconhecidos sambistas são incríveis. Walter Rosa consegue citar e rimar dezenas de nomes de gente do samba sobre melodias rebuscadas de maneira sublime. O primeiro dos sambas dessa série, inclusive, foi gravado pelo Terreiro Grande em seu disco ao vivo com a Cristina Buarque.

Após algum tempo, conforme eu ia aprendendo mais sobre a história do samba, comecei a notar algumas contradições nos sambas de Walter Rosa. Sim, porque ele anuncia nas gravações que os sambas são de 55, 57 e 59, respectivamente, mas alguns fatos citados no segundo e no terceiro samba aconteceram, certamente, na década de 60.

Ele cita, por exemplo, Paulinho da Viola e seu samba "Sei lá, Mangueira". Discorre sobre o samba-enredo "Chica da Silva", do Salgueiro. Aponta Martinho da Vila como um sambista que já está com "a bola branca". Tudo isso, entretanto, aconteceu nos anos 60.

Fiquei com essas dúvidas um bom tempo, mas relendo o que Sérgio Cabral escreveu sobre essa série de sambas, pude ver que, realmente, Walter Rosa se confundira ao falar o ano de composição dos sambas. Segue o texto do Sérgio Cabral:

Confraternização números 1, 2 e 3 (Walter Rosa) – Walter Rosa, grande compositor da Escola de Samba Portela, resolveu homenagear seus colegas compositores com um samba chamado Confraternização. O samba tornou-se imediatamente importante por registrar nomes de sambistas talentosos mas desconhecidos em sua maioria, pelo grande publico.

O samba Confraternização (feito em fins dos anos 50) foi muito cantado em rodas de samba mas jamais foi gravado. Em virtude da boa receptividade do samba, Walter Rosa decidiu compor o Confraternização nº 2. As referências ao samba Chica da Silva, cantado pelo Salgueiro em 1963, e Semente do Samba, gravado por Clementina em 1965 indicam que o samba foi feito bem depois do primeiro. O Confraternização nº 3 é do fim do anos 60, como se vê pela citação do Sei lá, Mangueira, lançado no festival da Record de 1968, e a Martinho da Vila, que só aí também começava a ter seu nome projetado nacionalmente, ficando “com a bola branca” como afirma Walter Rosa.

Em Confraternização nº 3, Walter fala que “muitos ficaram aborrecidos” e “levaram a cópia do original/ da confraternização nº 1/ ao conhecimento de um jornal”. É que compositor Mazinho, da Portela, fez uma resposta ao samba de Walter Rosa e a letra foi publicada num jornal. Mazinho não fora citado e se colocou até numa posição de humildade, dizendo-se um modesto compositor: “Mas quem sou eu para compor/ Como Ariosto Ventura/ Eu não teria perdido o amor/ De uma certa criatura”.

Walter Rosa nasceu no Rio (no Meier) no dia 5 de março de 1925 e antes de ingressar na Portela, em 1947, pertenceu às Escolas de Samba Filhos do Deserto, Recreio de Inhaúma e Academia de Engenho da Rainha.

Confraternização nº 1 (Walter Rosa)

Envio aqui musicalmente
Cartões de boas festas
A todos poetas e compositores
Espero que esses o encontrem
Contentes e gozando saúde
E feliz em seus amores
Zinco, lá dos Filhos do Deserto
Prefere sempre estar perto das florestas
Ouvindo os pássaros cantando
Cartola se afasta do morro
Mas não vai embora
A saudade lhe devora
De Carlos Moreira, Zagaia e Padeirinho
Com este último
Com quem conversei bastante
Sobre um assunto interessante
Do Nonô do Jacarezinho
Ariosto Ventura de tanto dizer
Vem morar comigo
Se andares direito te darei amor
Se errares te darei só castigo
Ilco, lá do Engenho da Rainha
Uma vez numa tendinha
Me chamou em particular
Walter Rosa, por Deus quero compor
Com você uma glosa
Que não relacione o amor
Silas, viga-mestra do Império Serrano
Lá do alto quando abre-se o pano
Aparece a cantar
És a luz da minha vida para ela
A Serrinha em peso abre a janela
Para ouvir o seu cantor
Candeia, Waldir, Picolino
Manacéia, Alvaiade, Avelino
Monarco e Chatim
Padrões de talento da Portela
Os seus valores não têm fim

Confraternização nº 2 (Walter Rosa)

Renovarei votos de estima
Aos poetas e compositores já citados
Chegou a vez daqueles que ainda
Não foram lembrados
Que vivem escondidos por aí
Com lindas melodias
Que o povo quer ouvir
Noel e Anescarzinho do Salgueiro
Quando lançaram no terreiro
Chica da Silva do cativeiro zombou
Cícero e Helio Cabral da Estação Primeira
Diz que a semente do samba
Quem possui é só Mangueira
Ramon Russo ao passar pelo Império
Foi um caso sério, com aquele tal de Timbó
Foi notório a presença de Osório
Diz o que quis no samba tango
Escreveu como ele só
Assim redigiu
Dançando me viu
E fingiu que não viu
Com aquele cavalheiro ela saiu
Valter Coringa só escreve o fino e bacana
Assim como o grande Cabana
Aidno, Catoni e Evancoé
Este que fez sua transferência
Pra Portela
Tal qual o Jair da Capela
Hoje com Jorge Bubu e Casquinha
Defendem Oswaldo Cruz
Aonde a música seduz


Confraternização nº 3 (Walter Rosa)

Parabenizaram-me
Muitos ficaram aborrecidos
Foi aquele zum zum zum
Dentre os que não foram incluídos
Levaram a cópia do original
Da Confraternização número 1
Ao conhecimento de um jornal
Garanto que não foi
Nenhum dos valores escondidos
Que existem por aí
Por exemplo: Everaldo que eu conheci
Na residência de Antonio Candeia
Para mim foi um dia feliz
Assim como vivem felizes
Carlinhos Sideral, Velha. Matias e Bidi
Enquanto possuírem o samba na veia
Defenderão a sua Imperatriz
Quem não se lembra do talento de Tolito
Geraldo Babão, Zuzuca e Darci
Que só faz samba bonito
Mantive um papo sadio com Aurinho da Ilha
Sobre Paulinho da Viola
E seu sucesso “Sei lá não sei”
Chegou Jorginho dizendo:
Gravei um LP que é só maravilha
Os autores são Pelado
Preto Rico e Leléo
Mostrou-se muito empolgado
Com Martinho de Vila Isabel
Que está com a bola branca
E promete ocupar o trono de Noel


Um comentário:

Anônimo disse...

Walter Rosa, o sambista mais louco da história! Louco porém genial.

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