27 de setembro de 2011

"A vitória do samba" ou "Um dia para a história da música brasileira"

De repente, encontrei-me na Portelinha, sede antiga da tradicional agremiação de Oswaldo Cruz. Confesso que senti uma grande emoção invadir-me o peito. Poucos lugares são tão representativos para o samba (música brasileira, cultura popular e verdadeira História do Brasil) como a quadra situada na Estrada do Portela, 446.  Local onde Paulo da Portela fez irradiar, para todo o Mundo do Samba, a civilidade. Foi lá que nasceram tantas e tantas pérolas de nosso cancioneiro. Sambas puros, espontâneos e sinceros. Feitos com o amor natural de quem gosta por que gosta, é inerente, sem explicação. Eles, os antigos portelenses, viveram o samba puro, espontâneo, sincero, de amor natural, inerente a vida, a cada dia e noite, inerente à própria respiração, batida de coração.

É a Velha Portela. E lá, a Portelinha é o espaço físico que representa isso tudo. É como se fosse um portal, uma representação real do irreal, do sonho, da imaginação. Porque somente na mais distante imaginação eu poderia viver o que vivi neste sábado que se passou. O desfecho de uma homenagem pura, espontânea, sincera, natural, ao centenário de Francisco Santana, glória do samba brasileiro, foi algo mágico. De fato, imaginávamos que seria algo jamais visto por nós, sambistas da nova geração, amantes da Velha Guarda e da linhagem de samba de terreiro que eles criaram e cultivaram em nossos sentimentos.

Não era por menos. Presentes ali, a fina flor da nova safra do samba brasileiro. Sim, porque quem trata o samba com o carinho e respeito que ele merece, sem encará-lo como um tipo de música qualquer, que pode ser tratado como mercadoria ou produto pseudocultural-comercial, só pode ser dignificado e louvado com com toda a distinção e deve receber estes elogios sem falsa modéstia. Porque são batalhadores, legítimos guerrilheiros culturais. Roda de Samba de Uberlândia, Glória ao Samba (São Paulo), Samba de Terreiro de Mauá , Terra Brasileira (São Paulo) e Projeto Resgate (Rio Grande do Sul): autênticos sambistas. Com a civilidade que Paulo da Portela tanto apreciou.

Bambas como Alfredão, Careca, Alexandre, Luiz, de Sumaré, o pessoal da Baixada Santista, do Movimento Cultural @migos do Samba.com e outros concientes sambistas também se fizeram presentes. Áurea Alves, que tantou faz por este samba (do qual estamos falando) no Rio de Janeiro, ajudava a organizar tudo, retribuindo a satisfação que encontrou nas rodas de samba em São Paulo. Dona Neide, filha do mestre homenageado, esbanjava alegria. A Velha Guarda não deixou de aparecer: Monarco, Valdir 59 e Dona Eunice, viam naqueles jovens a sequência que não se deu com a juventude portelense, que toca a bateria no carnaval, mas não traz o samba no sangue. Não este samba.

Servida a macarronada, formou-se a roda. Então entoou-se:

Portela
Suas cores tem
Na bandeira do brasil
E no céu também
Avante portelense para a vitória
Não vê que o teu passado é cheio de glória
Eu tenho saudade
Desperta oh! grande mocidade
As suas cores são lindas
Seus valores não têm fim
Portela querida
És tudo na vida pra mim

Creio que lágrimas rolaram nos olhos de praticamente todos ali. Mesmo nos mais brutos. Neste momento, Dona Eunice levantou-se, ergueu os braços. Vibrava por dentro. Voltava no tempo. Sérgio Cabral, que tantou viveu este mágico Mundo do Samba, também esteve presente e afirmou o mesmo: era um tempo que já havia se passado que, de repente, voltava. Era novamente a realidade diante de seus olhos.

Samba atrás de samba, cantou-se e louvou-se Chico Santana. Com a emoção crescente, os sambistas ganharam a rua. Destino: Praça Paulo da Portela, com seu busto representando um verdadeiro herói brasileiros, desses que realmente merecem uma placa, uma estátua.

E cantava-se, por muitas e muitas vezes, cada vez por mais gente, com mais força, com mais tamborins, cavaquinhos, cuícas e pandeiros: "Tu que tinhas vida de fidalga, hoje vive a pão e água, coisa que me comoveu...". Os carros passavam, muitos com motoristas apressados, indiferentes a magia que se desenrolava no asfalto, sequer sabiam que naquele local a História se escreveu e, naquele 24 de setembro de 2011, novamente era escrita. Outros riam, gostavam, vibravam, diziam, apontando para estátua de Paulo: "Esse é o mestre".

A emoção era extrema, dezenas (seria uma centena?) de sambistas, naquele momento foliões, cantavam junto a Paulo da Portela. Seus sambas eram relembrados, a homenagem ao "pacificador" - como foi grafado na placa - mais pura, espontânea, sincera e natural acontecia ali. O momento foi tão sublime que, por algum tempo, não mais que dez minutos, choveu. Nada que atrapalhasse o samba. Pelo contrário, todos entendíamos que o céu também chorava de emoção.

O tempo parou naquele momento. Era o auge, o momento maior de uma homenagem que começou em Uberlândia, passou por São Paulo, Mauá, Porto Alegre e agora terminava na casa do centenário mestre homenageado.

Um momento marcante na História do Samba. Por que não dizer da História Contemporânea do Brasil. Afinal, são esses nossos heróis. Sambistas. Foi despertada uma nova grande mocidade.

Hoje, mais do que nunca, e para sempre, sou um portelense.

10 comentários:

Ricardo Santana disse...

Que belo texto! Parabéns! E que alegria a minha por ter feito parte deste momento sublime!

Fernando Paiva disse...

Mano Piruca, parabéns de novo! Conseguiu retratar exatamente o que aconteceu e o que todos sentimos. Ler seu texto é reviver o que aconteceu no melhor domingo dos últimos tempos. Grande abraço, irmão.

Bruno disse...

Lindo peruca!!!

Anônimo disse...

Piruca..parabéns por tamanha sensibilidade ao falar do nosso inspirador SAMBA ..q coisa linda! Emocionou! Dedê

Anônimo disse...

Coisa linda de se ver imagina de sentir!!!!!! abraços Juliana Gabriel/RS

Vicente disse...

Piruca, lendo seu texto não me parece ter voltado à Portelinha, mas não ter saído de lá. Abração!!!
Vicente

Tuco disse...

Olha ai o Perucão ... Muiot bacana a sua forma de expressão !!! Parabens !! Avente Mocidade .. !

Tuco

Fabrício Garcez Caetano disse...

Mano Piruca, mestre das palavras. Seu texto retrata tão fielmente a emoção do momento que a sensação retorna à tona e se esvai em lágrimas que agora me rolam no rosto. Ler seu texto escutando ao mestre Candeia intensifica um dos sentimentos que adquiri este sádabo, um amor incondicional pela Portela antiga, e uma admiração sem tamanho por todos vocês que estavam alí presentes e são responsáveis também pelo momento mais sublime e feliz de minha vida, sem exagero.
Não sei se choro de saudade de um momento que se passou, ou da alegria de ter vivido um momento tão especial, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza. Hoje sou feliz!

Grande abraço meu irmão!
Espero revê-los em breve e sempre.

Thiago do Nascimento disse...

Lembra que eu ti perguntei como que tu descreveria o que estava acontecendo em Oswaldo Cruz? Palavras lhe faltariam, e era melhor deixar as fotos e os vídeos falarem por si só. Tudo isso que tu descreveu foi emoção. A emoção falou mais alto e falou por si só...

Thais Façanha disse...

Eu também testemunhei tudo isso!!!! Desidratei de tanto chorar, desde a primeira, hino da escola! :-)))

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