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3 de julho de 2013

Centenário de Wilson Baptista

No dia 3 de julho de 1913, nascia um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Wilson Baptista foi um dos grandes, gigantes do samba. Compositor autêntico, ajudou, ao lado de Geraldo Pereira e Ciro de Souza, a desenvolver o chamado "samba de bossa", mais desprendido da limitação de métricas e rimas e ideal para a interpretação de orquestras de gafieira, muito popular nos anos 40. 

Como letrista, abordou temas sociais, até mesmo políticos e, a despeito da composição de "Emília" (lembrado por gerações a fio como um samba machista), pintou a mulher com tintas libertárias, sendo um dos primeiros sambistas a valorizar o papel feminino como protagonista da sociedade, dotada de direitos e apta a desfrutar de lazeres até então restritos ao homem, como sambar até a sandália furar e cair na orgia até cansar. 

Wilson morreu em 1968, sem ter desfrutado da revalorização de sambistas, iniciada naquela década e que culminou nos anos 70, quando antigos compositores, que por décadas amargaram o ostracismo, voltaram a ter destaque - Adoniran Barbosa, Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça gravaram seus primeiros álbuns apenas nesta década, todos com mais de 60 anos de idade.

Em homenagem aos 100 anos deste grande mestre do samba, O Couro do Cabrito preparou uma seleção de sambas pouco conhecidos dele. Desfrute sem moderação!

Estás no meu caderno (Benedito Lacerda - Osvaldo Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1934 na VICTOR - canta: Mario Reis

Não durmo em paz (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1936 na ODEON - canta: Carmen Miranda 1936

Meu último cigarro (Wilson Baptista) - Samba gravado em 1937 na COLUMBIA - canta: Déo

Não sei dar adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na ODEON - canta: Déo

Mania da falecida (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Quando dei adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Odete Amaral

Carta verde (Valfrido Silva - Wilson Baptista - Armando Lima) - Samba gravado em 1940 na COLUMBIA - canta: Zila Fonseca

Brigamos outra vez (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Aracy de Almeida

Depois da discussão (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Odete Amaral

É mato (Alvaiade - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Odete Amaral

A voz do sangue (Valfrido Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Newton Teixeira

A mulher que eu gosto (Ciro de Souza - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Hildebrando (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Essa mulher tem qualquer coisa na cabeça (Cristóvão de Alencar - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1942 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

O Juca do Pandeiro (Augusto Garcez - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Gosto mais do Salgueiro (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Como se faz uma cuíca (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1944 na VICTOR - canta: Anjos do inferno

Apaguei o nome dela (Haroldo Lobo - Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravada em 1944 na CONTINENTAL - canta: Arnaldo Amaral

Benedito não é de briga (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1945 na ODEON - canta: Quarteto Ases e Um Coringa

Outras mulheres (Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravado em 1945 na RCA VICTOR - canta: Carlos Galhardo

Memórias de um torcedor (Geraldo Gomes - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1946 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Filomena, cadê o meu? (Wilson Baptista - Antônio Almeida) - Samba gravado em 1949 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno


Olhos vermelhos (Roberto Martins - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1951 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno


4 de fevereiro de 2013

Pega o Lenço e Vai 2013


"São Pedro colaborou!", pensaram todos, quando sobre a manhã do dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, se abateu um luminoso Sol. Era dia de desfile do Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai. A celebração era justa: durante toda a semana, bem como nos ensaios e no desfile do ano anterior, choveu. Parecia uma resposta da natureza ao samba "Pobre bem-te-vi" (... o céu chorou pois não pode suportar / o lamento angustiante que um pobre pássaro fez soar...), de Tuco e Lo Ré, que contagiou os integrantes da agremiação no primeiro ano de desfile, em 2011.

A comemoração, no entanto, foi precipitada. À medida que as horas avançavam, as nuvens negras se aproximavam. O céu queria chorar, pois não poderia suportar o cantar feliz que aquele bloco se faria soar. Quando, finalmente, os sambistas se postaram à rua, no primeiro rufar de tamborim, caiu a primeira gota. O céu já estava completamente escuro.

Mesmo assim, o "esquenta" começou. O samba era Saudade dela, composição feita há mais de 40 anos por João do Violão, compositor de mão cheia, autor - ao lado de Luiz Antônio - de um dos maiores clássicos da música brasileira, Eu bebo sim. Tendo feito a composição, originalmente um maxixe, há tanto tempo, é natural que a emoção de vê-la ser entoada por um Bloco de Samba uníssono tenha sido tão grande. 

Enquanto se esquentava o Bloco, repetindo, por vezes e mais vezes, Saudade dela, o céu, finalmente chorou. E chorou pra valer. Abriu o berreiro. Não podemos chamar de tempestade tal precipitação. Era dilúvio mesmo. A solução foi migrar para dentro do Centro Cultural Dona Leonor, sede do Bloco e do Projeto Samba de Terreiro de Mauá, e esperar o aguaceiro passar. 

Como o dilúvio demorou a passar - a calçada virou rio e muita água entrou para dentro do antigo Bar do Buiú - o jeito foi continuar esquentando o coro, o couro e as cordas, cantando os sambas dos anos anteriores. 

Quando, finalmente, a chuva cessou, os foliões (que neste caso fazem mais que folia, pois o Bloco visa fortalecer a memória social brasileira - são, portanto, também, militantes) novamente se organizaram para descer a Rua San Juan. Após novamente ser entoado o antigo maxixe ("Era saudade dela, perdi um amor e ganhei uma saudade / outro amor seria a solução pra minha dor..."), o contingente começou a descer a ladeira.

Na sequência veio o samba enredo, composto pela trinca Edinho, Léo e Danilão, que também fizeram as homenagens a João Candido e Luiza Mahin, figuras de destaque da negritude brasileira, nos anos anteriores. É importante ressaltar que um dos principais intuitos do Pega o Lenço e Vai é fortalecer a Lei 10.693/2003, que garante o ensino da história do negro nas escolas. Como a lei custa a pegar, o Bloco faz sua parte, evocando o valor daqueles que a historiografia "oficial" prefere minimizar.

Eis o samba:


Luiz Gama, o trovador da liberdade (Danilão / Leonardo / Edinho)

Nascia na Bahia de São Salvador
O grande Getulino trovador
No comércio da ilegalidade foi vendido como escravo
Aos dez anos de idade, não desistiu e lutou
Lutou, lutou
Contra a monarquia do escravizador
E pelo escravo Jacinto foi inspirado a fazer seu maior feito
E então foi coroado como rábula nos tribunais
Quinhentos negros ou mais por ele foram libertados

Eis aqui, o nosso Orfeu de carapinha
Luiz Gama, o grande Getulino libertador

O samba estava na rua, as melodias eram emanadas pelo asfalto, contagiando curiosos, que saiam à janela, se penduravam nas varandas e deixavam o comércio por um instante para beber desta rica vertente da música brasileira, marginalizada, há décadas, pela indústria cultural. Seguiram-se os sambas: Velhos professores (Saci e Edinho), Lágrimas (Fernando Paiva e Tuco), Lua cruel (Lo Ré) e Por que choras? (Careca, Edinho e Marcelo Baseado)

Uma tradição firmada pelo Bloco no primeiro Carnaval manda que, todo ano, um samba curto seja cantado, para os versadores mandarem o recado. Como nos outros carnavais, o samba foi de Careca:

Sai da minha frente (Careca) 


Pode chegar com a sua bateria
Eu sou valente
Meu pessoal é de antigamente
Vai atropelar
Sai da minha frente!

Foi com os improvisos dos partideiros presentes que findou-se mais um desfile do Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai!, encerrando mais um ciclo, iniciado em outubro de 2012, quando foi definido que o tema do Carnaval deste ano seria Luiz Gama. 

Agora, é preciso manter a chama acesa, o estandarte levantado. Para isso, é necessário que o Bloco fique em atividade durante todo o ano. Será neste 2013 que se iniciarão os encontros do chamado "meio de ano"? Uma Ala de Compositores de talento já existe, vontade de cantar os sambas novos e seguir compondo também não faltam. Debates a respeito desta proposta já foram realizados.

Confira abaixo a proposta do Bloco, o enredo deste ano e as letras dos sambas:



30 de janeiro de 2013

Plínio Marcos e Os Pagodeiros da Pauliceia

Hoje, na coluna "Batucando", do site Nota de Rodapé, uma homenagem a Plínio Marcos, sambista da pesada da Pauliceia. Confira!

Ilustração de Kelvin Koubik.

21 de março de 2012

O samba paulista, por seus personagens

Texto publicado originalmente no Catraca Livre em 17 de fevereiro deste ano.

O samba paulista tem valor, sim senhor. Se ao longo das últimas décadas, foi obscurecido pelo irmão carioca, fazendo de Adoniran Barbosa um representante isolado a ser lembrado pela massa brasileira, isto muito se deveu pela falta de memória e reconhecimento por parte dos próprios paulistas, que deixaram de lado sua riqueza e tradição musical para cultuar a produção de seus vizinhos.

Mas o fato é que o samba paulista, que apresenta um caráter mais rural, é rico em compositores e intérpretes. Onde estãos estes sambistas? Foi esta pergunta que instigou o pesquisador Carlos Antonio Gomes a sair a campo e descobrir estes talentos ocultos, verdadeiras pérolas de nossa cultura popular.

Ao se deparar com um edital para pesquisadores, disponibilizado pelo Centro Cultural São Paulo, investiu suas forças neste estudo. “À princípio, fiz uma pesquisa de campo sobre São Paulo antiga, os escravos, o fim da escravidão na cidade, para depois preparar terreno para falar sobre o movimento do samba”, afirma Gomes. Nascia o livro – com um DVD anexado – “Um Batuque Memorável no Samba Paulista”.

A serviço da história

“Nós não conseguimos olhar o passado com o devido carinho, estamos sempre olhando para o futuro e esquecemos de valorizar nossa memória”, desabafa Gomes, completando que seu papel nesta pesquisa histórica sobre o samba de São Paulo era estar “a serviço da história”.

As vivências de sambistas como Toniquinho Batuqueiro, Mestre Divino, e de bambas da Velha Guarda Camisa Verde, da Nenê da Vila Matilde e Vai-Vai fizeram com que a história fosse escrita para além do campo dos tamborins e pandeiros: era a história da própria Pauliceia que se escrevia.

E foi justamente por este motivo, a ânsia de registrar estas importantes personalidades de São Paulo, verdadeiros heróis de nosso povo, que Gomes disponibilizou os vídeos na Internet.

Com a chegada do Carnaval, o momento não poderia ser mais propício para conhecer a verdade por trás da festa grandiosa visual e francamente comercial que se tornou os desfiles de Escolas de Samba de São Paulo.










26 de janeiro de 2012

Prêmio Paulo da Portela 2011

Paulo da Portela foi uma figura humana de inestimável valor para a cultura popular brasileira. Ao lutar pelo reconhecimento do samba como manifestação cultural autêntica, pacífica, educativa e sociabilizadora, bateu de frente com autoridades racistas, higienistas e eugenistas. O samba, suburbano, mestiço, brasileiro exemplificava a cultura das três raças fundidas, bem como a sociedade brasileira: o ganzá é indígena, o pandeiro é árabe, as cordas são ibéricas e o couro é africano.

Quem viveu o samba naquela época, quem conheceu Paulo da Portela, confirma esse afirmação. Waldir 59, atual número 1 da Portela, disse para mim há poucas semanas, que, de fato, tratava-se de um ser humano batalhador, um lutador, um guerreiro em prol da aceitação do samba pela sociedade. E realmente, naqueles idos da década de 30, este ritmo galgou crescente respeito com a classe artística. Aos poucos, os principais cartazes do rádio e dos discos de 78 rpm passaram a gravar este ritmo moldado pelos batuqueiros do bairro do Estácio de Sá, preterindo os sambas amaxixados que Sinhô consagrou.

O reconhecimento da luta de Paulo veio em 1937, quando foi eleito, mediante escolha popular, Cidadão Samba. Um sambista precisaria saber versar, cantar, tocar e dançar o samba. Além de fazer tudo isso com maestria, Paulo era, também, um grande articulador político que conseguiu fazer com que o samba viesse a ser o ritmo nacional, despido de todos os preconceitos sociais que o envolvia até então.

Tantas décadas se passaram e o papel social do sambista se enfraqueceu. Excluído do novo cotidiano das Escolas de Samba, organizações cada vez mais comerciais sem vínculos culturais e artísticos com as comunidades que o abrigaram, precisou buscar novos horizontes para empunhar a bandeira da resistência - sim, pois o samba de terreiro, depois quadra, já não é uma realidade dentro destes históricos berços de bambas.

Nas esquinas e botequins, nas salas e quintais, criaram se os "projetos de valorização e resgate de samba de terreiro", ou "comunidades" - já existe até o termo "samba de comunidade". Existem em vários bairros de São Paulo e em algumas cidades como Uberlândia, Santos, Campinas, Porto Alegre e Florianópolis. São estes sambistas que ainda lutam. São os novos "cidadãos samba".

Em 2011, uma ação realizada pelo Movimento Cultural @migos do samba.com voltou a homenagear estes batalhadores. A ideia partiu de Vicente Ferreira, o "Presidente": a cada ano, um sambista que desenvolvesse atividades relevantes em prol do samba durante a temporada, seria louvado.

Ainda em 2010, dois projetos importantes foram concebidos e, ao longo do ano passado, foram realizados: o "Programa É Batucada!", série de entrevistas audiovisuais com sambistas da nova e da velha geração, e a série de rodas de samba em homenagem ao centenário do portelense Chico Santana.

A primeira ação, idealizada pela sambista e produtora cultural Isaura Almondes, fez com que nomes como Waldir 59, Tia Cida, Barão do Pandeiro, Seu Paulão, Seu Germano, Seu Mangueira, Tuco, Loré e outros nomes pudessem contar e cantar suas vidas no samba. Já a série de rodas, contou com importante organização do sambista Fernando Paiva, de Uberlândia. Sendo assim, receberam, com louvor, o "1º Prêmio Paulo da Portela".

De fato, Fernando Paiva simboliza um lutador, um batalhador pelo samba. Não há dúvidas que os ideais de Paulo da Portela habitam sua alma. Gentil, educado, honesto e apaixonado pelo samba. Um pesquisador de grande valor, que foi muito bem escolhido nesta primeira edição da premiação.

Lembro-me do dia em que o conheci. No bar, em frente ao Centro Cultural São Paulo, após a apresentação do Tuco e o Batalhão de Sambistas que deu origem ao disco "Peso é Peso". Uma figura humana extremamente bondosa, sincera. Estudioso de samba antigo esmerado. Meu amigo desde esse dia.

O "Programa É Batucada!", representado por Isaura Almondes, Edinho Carvalho, Marcelo "Baseado" Lourenço e este sambista que vos fala, também cumpriu um importante papel com as entrevistas, levando ao público sambas inéditos e desconhecidos de sambistas novos e consagrados. Orgulho-me de participar deste projeto.

A cerimônia foi engalanada pela presença de José Ramos Tinhorão, notório pesquisador de música popular brasileira - sem dúvidas, o maior de todos vivo -, que proferiu uma pequena  palestra sobre a importância do legado de Paulo da Portela para a música popular brasileira.

Cabe destacar também, a importância do sambista - e defensor das tradições do futebol de várzea - Arthur Tirone, o Favela. Ele é a pessoa que fez com que o Clube Anhangüera fosse, hoje, um dos principais símbolos de resistência do samba como forma autêntica de manifestação cultural. Tal luta fez com que fosse contemplado com uma placa, que exalta seu clube de várzea de coração. 

A temporada 2012 já começou. Ações já estão sendo pensadas. Salve o samba.

28 de outubro de 2011

É hoje! Centenário Nelson Cavaquinho


Há quem suponha que Nelson Cavaquinho nasceu no dia 29 de outubro. No entanto, a data correta é dia 28, mesmo dia de nascimento de outro gênio, Garrincha. Quem confirma é o próprio, no depoimento dado a Fernando Faro no programa MPB Especial, nos anos 70.

Neste dia de centenário, vou reproduzir aqui a resenha sobre o disco "Nelson Cavaquinho 100 - Degraus da Vida", publicada originalmente na revista Carta Capital.

Eternamente no coração da gente

Nelson Antonio da Silva foi um boêmio de voz rouca, compositor de primeiro nível e instrumentista cuja batida de violão jamais seria imitada. Cantou em suas músicas a trajetória da vida vadia, as angústias, amores e, principalmente, o medo da morte. Vendia sambas e dava parcerias em troca de um copo de bebida ou de uma noite em uma hospedaria. Mesmo assim, felizmente, grande parte de sua obra sobreviveu, cativando gerações de ouvintes. Foi como Nelson Cavaquinho que esta espetacular figura humana atingiu a fama, ainda que não ligasse para ela.

No próximo dia 28 de outubro, o sambista mangueirense completaria 100 anos. Ele que sempre desejou receber as “flores em vida”, recebe, 25 anos após a sua morte, um álbum-tributo. “Nelson Cavaquinho 100 anos– Degraus da Vida” reúne clássicos e raridades, apresentando um amplo panorama de sua obra.

O CD duplo foi idealizado e produzido por Rodrigo Faour, que garimpou o acervo da EMI (herdeira dos catálogos de antigos selos como Odeon, RCA Victor e Copacabana) e dividiu o disco em duas partes: “Sambas Consagrados” e “Sambas Guardados”.

O disco 1 destaca clássicos do compositor, alguns deles em sua versão original (e fora de cátalogo) como “Degraus da Vida”, lançado por Roberto Silva em 1950 e “Palhaço”, gravado por Dalva de Oliveira no ano seguinte. Outro samba consagrado apresentado em uma versão menos famosa é “Quando me chamar saudade”, com Nora Ney (1972). Há espaço, também, claro, para Clara Nunes, com “Juízo Final” e Beth Carvalho (“Folhas Secas”), artista que mais gravou Nelson Cavaquinho.

Para colecionadores, o disco 2 é o ouro: algumas das gravações ali contidas aparecem em formato digital pela primeira vez. É o caso de “Cigarro” (1953), com Risadinha, e “Se me der adeus” (1969), com Jorge Veiga. Márcia (“Mesa farta”), Jurema (“Sinal de paz”) e Blecaute (“Caridade”) também merecem destaque.

“Nelson Cavaquinho 100 anos – Degraus da Vida” leva a Nelson as flores, o choro de um pandeiro e um tamborim, fazendo de ouro seu violão.

Arte: Alexandre de Maio

27 de setembro de 2011

"A vitória do samba" ou "Um dia para a história da música brasileira"

De repente, encontrei-me na Portelinha, sede antiga da tradicional agremiação de Oswaldo Cruz. Confesso que senti uma grande emoção invadir-me o peito. Poucos lugares são tão representativos para o samba (música brasileira, cultura popular e verdadeira História do Brasil) como a quadra situada na Estrada do Portela, 446.  Local onde Paulo da Portela fez irradiar, para todo o Mundo do Samba, a civilidade. Foi lá que nasceram tantas e tantas pérolas de nosso cancioneiro. Sambas puros, espontâneos e sinceros. Feitos com o amor natural de quem gosta por que gosta, é inerente, sem explicação. Eles, os antigos portelenses, viveram o samba puro, espontâneo, sincero, de amor natural, inerente a vida, a cada dia e noite, inerente à própria respiração, batida de coração.

É a Velha Portela. E lá, a Portelinha é o espaço físico que representa isso tudo. É como se fosse um portal, uma representação real do irreal, do sonho, da imaginação. Porque somente na mais distante imaginação eu poderia viver o que vivi neste sábado que se passou. O desfecho de uma homenagem pura, espontânea, sincera, natural, ao centenário de Francisco Santana, glória do samba brasileiro, foi algo mágico. De fato, imaginávamos que seria algo jamais visto por nós, sambistas da nova geração, amantes da Velha Guarda e da linhagem de samba de terreiro que eles criaram e cultivaram em nossos sentimentos.

Não era por menos. Presentes ali, a fina flor da nova safra do samba brasileiro. Sim, porque quem trata o samba com o carinho e respeito que ele merece, sem encará-lo como um tipo de música qualquer, que pode ser tratado como mercadoria ou produto pseudocultural-comercial, só pode ser dignificado e louvado com com toda a distinção e deve receber estes elogios sem falsa modéstia. Porque são batalhadores, legítimos guerrilheiros culturais. Roda de Samba de Uberlândia, Glória ao Samba (São Paulo), Samba de Terreiro de Mauá , Terra Brasileira (São Paulo) e Projeto Resgate (Rio Grande do Sul): autênticos sambistas. Com a civilidade que Paulo da Portela tanto apreciou.

Bambas como Alfredão, Careca, Alexandre, Luiz, de Sumaré, o pessoal da Baixada Santista, do Movimento Cultural @migos do Samba.com e outros concientes sambistas também se fizeram presentes. Áurea Alves, que tantou faz por este samba (do qual estamos falando) no Rio de Janeiro, ajudava a organizar tudo, retribuindo a satisfação que encontrou nas rodas de samba em São Paulo. Dona Neide, filha do mestre homenageado, esbanjava alegria. A Velha Guarda não deixou de aparecer: Monarco, Valdir 59 e Dona Eunice, viam naqueles jovens a sequência que não se deu com a juventude portelense, que toca a bateria no carnaval, mas não traz o samba no sangue. Não este samba.

Servida a macarronada, formou-se a roda. Então entoou-se:

Portela
Suas cores tem
Na bandeira do brasil
E no céu também
Avante portelense para a vitória
Não vê que o teu passado é cheio de glória
Eu tenho saudade
Desperta oh! grande mocidade
As suas cores são lindas
Seus valores não têm fim
Portela querida
És tudo na vida pra mim

Creio que lágrimas rolaram nos olhos de praticamente todos ali. Mesmo nos mais brutos. Neste momento, Dona Eunice levantou-se, ergueu os braços. Vibrava por dentro. Voltava no tempo. Sérgio Cabral, que tantou viveu este mágico Mundo do Samba, também esteve presente e afirmou o mesmo: era um tempo que já havia se passado que, de repente, voltava. Era novamente a realidade diante de seus olhos.

Samba atrás de samba, cantou-se e louvou-se Chico Santana. Com a emoção crescente, os sambistas ganharam a rua. Destino: Praça Paulo da Portela, com seu busto representando um verdadeiro herói brasileiros, desses que realmente merecem uma placa, uma estátua.

E cantava-se, por muitas e muitas vezes, cada vez por mais gente, com mais força, com mais tamborins, cavaquinhos, cuícas e pandeiros: "Tu que tinhas vida de fidalga, hoje vive a pão e água, coisa que me comoveu...". Os carros passavam, muitos com motoristas apressados, indiferentes a magia que se desenrolava no asfalto, sequer sabiam que naquele local a História se escreveu e, naquele 24 de setembro de 2011, novamente era escrita. Outros riam, gostavam, vibravam, diziam, apontando para estátua de Paulo: "Esse é o mestre".

A emoção era extrema, dezenas (seria uma centena?) de sambistas, naquele momento foliões, cantavam junto a Paulo da Portela. Seus sambas eram relembrados, a homenagem ao "pacificador" - como foi grafado na placa - mais pura, espontânea, sincera e natural acontecia ali. O momento foi tão sublime que, por algum tempo, não mais que dez minutos, choveu. Nada que atrapalhasse o samba. Pelo contrário, todos entendíamos que o céu também chorava de emoção.

O tempo parou naquele momento. Era o auge, o momento maior de uma homenagem que começou em Uberlândia, passou por São Paulo, Mauá, Porto Alegre e agora terminava na casa do centenário mestre homenageado.

Um momento marcante na História do Samba. Por que não dizer da História Contemporânea do Brasil. Afinal, são esses nossos heróis. Sambistas. Foi despertada uma nova grande mocidade.

Hoje, mais do que nunca, e para sempre, sou um portelense.

22 de setembro de 2011

É hoje! Centenário de Francisco Santana



Hoje é centenário de Francisco Santana, baluarte da Portela. Para celebrar, reproduzo um texto que Fernando Pellegrino, o popular Tuco, escreveu e foi publicado no blog Receita de Samba.

Francisco Felisberto Santana, popularmente falando, Chico Santana. Este é o nome do Portelense que compôs o Hino da Velha Guarda da escola e também o Hino Portelense: "Avante Portelense Para Vitória"... Fiz juntamente com meu Parceiro Lo Ré um samba exaltação pra Chico Santana cuja letra, em determinada parte, diz: "Francisco Santana, gênio de pouca popularidade ..." e é com esse pensamento que falo um pouco para vocês desse sambista .

Chico, como todos os outros compositores portelenses, tem uma linha melódica e poética inconfundível. A Portela é de fato um celeiro de sambistas e seus compositores, apesar de terem características diferentes, são os que apresentam uma maior unidade em se tratando de composições, dentre as escolas de samba mais conhecidas do Rio de Janeiro. Chico Santana faria 100 anos em 2011 e seu maior parceiro foi o Monarco com quem teve inúmeros sambas gravados. O grande sucesso de Chico Santana foi " Saco de Feijão " gravado por Berh Carvalho em 1977. Monarco e inúmeros portelenses antigos consideravam Chico Santana o maior compositor que a escola já teve ... Era só começar um ensaio da escola e lá estava sendo cantado o Hino Portelense: " Portela suas cores tem na bandeira do Brasil e no céu tambem..."

No disco Passado de Glória (1970), registro que para mim mais representa a sonoridade daquilo que foi a Portela em se tratando de “Samba de Terreiro”, vemos dois sambas de sua autoria: "Vida de Fidalga" e "Vaidade de um sambista”. A minha identificação com esse disco e esses sambas foi muito forte... Me faziam imaginar aquele lugar, de tão forte que é a interpretação registrada naquele disco, e chorava feito criança ... Enquanto muitos comemoram tantos outros centenários, poucos lembram deste sambista. Mestre Chico Santana não teve a popularidade merecida, apesar de ser um gênio da nossa música, mas é para isso que estamos aqui tentando registrar nessas linhas este grande compositor.

28 de agosto de 2011

Matéria sobre a Lavapés para o Catraca Livre

 publicado originalmente em 25/08/11 no site Catraca Livre

"Lavapés, a pioneira, na Praça do Samba neste domingo"
por André Carvalho

Foi no carnaval carioca de 1936 que Deolinda Madre e Francisco Papa se encantaram com o desfile das Escolas de Samba na lendária Praça Onze. Em São Paulo, nas rodas de samba da baixada do Glicério, na Liberdade, Madrinha Eunice e Chico Pinga – como ficaram conhecidos na historiografia do samba paulista -, juntamente com Zé da Caixa (José Madre, irmão de Deolinda), amadureceram a ideia de levar a novidade da Guanabara para o Carnaval das ruas do Brás.

As tradicionais Vai-Vai e Camisa Verde e Branco eram, à época, cordões e desfilavam ao som da “marcha sambada”. E, a despeito do pioneirismo da efêmera Escola de Samba Primeira de São Paulo (surgida pouco antes, mas de vida curta), a Sociedade Recreativa Beneficente Escola de Samba Lavapés, fundada em 9 de fevereiro de 1937, é a mais antiga escola de samba paulistana em atividade. Cabe ressaltar que a Lavapés, ao contrário dos rivais, tocava samba no chamado “tríduo momesco”.

Se o carnaval dos dias atuais valorizasse tradição e história, a Lavapés teria posição de destaque no grande espetáculo de fevereiro, no Sambódromo do Anhembi. Afinal, possui 19 títulos e contou, ao longo de sua história, com nomes como Doca, Popó, Jangada, Xangô, Geraldo Filme, Inocêncio Mulata e Carlão do Peruche. Mas o fato é que hoje a Escola de Samba se encontra no Grupo 4, última divisão, e não conta mais com subvenção da Prefeitura de São Paulo.

Ações para o resgate, no entanto, já estão sendo realizadas. O Kolombolo Diá Piratininga, agremiação que batalha pela afirmação do samba paulista, prepara, atualmente, um disco em homenagem à Escola e fomenta a realização de atividades que possam gerar receita e maior visibilidade para a Lavapés, que precisa, afinal, desfilar em fevereiro de 2012.

Neste domingo, 28, a partir das 14h, a roda de samba mensal promovido pelo Kolombolo na Praça do Samba, recebe integrantes da Lavapés, incluindo a presidente Rosemeire Marcondes (neta da fundadora, Madrinha Eunice). A entrada é Catraca Livre.

“Lavapés é a minha casa, minha vida, minha família”

Presidente da Lavapés desde 1996, quando herdou o bastião de sua avó, Madrinha Eunice, que falecera, Rosimeire batalhou para levar a Escola a uma posição de destaque no Carnaval. Há sete anos, porém, a agremiação sofreu um duro golpe, quando perdeu sua quadra. “Minha casa virou a sede da Lavapés”, afirma a sambista.

Perspectivas otimistas, todavia, têm surgido. Há a possibilidade da Escola receber a doação de uma nova sede e voltar a desenvolver ações sociais como oficinas de percussão e dança, bem como a instalação de um telecentro para a comunidade no local. Tudo gratuito. “Precisamos unir a cultura popular ao social. Unindo forças, podemos nos levantar novamemente”, diz a presidente da Lavapés.

Para o desfile de 2012, o enredo e os figurinos já estão prontos. E Rosemeire clama a participação de foliões, para conseguir tirar a Lavapés do Grupo 4: “A fantasia é de graça, só precisa pagar a sapatilha”.

Lembranças de carnavais passados

Rosemeire traz na memória histórias de um tempo em que o samba e o carnaval eram impregnados de romantismo. “Minha avó nos levava para Pirapora, víamos toda aquelas celebrações, era uma infância muito boa”, garante.

Nos carnavais, a menina Rose saía de baiana, outro pioneirismo que a Lavapés levou para os desfiles paulistanos. “Era desconfortável”, atesta, relembrando os tempos idos.

O Dia Nacional do Samba, celebrado no dia 2 de dezembro, também traz boas recordações. “Às seis da manhã, com a alvorada, a batucada saía às ruas”.

Hoje, os tempos são outros, o carnaval é outro. Mas domingo, diferentemente do que acontecerá no Sambódromo em fevereiro do ano que vem, a história e a tradição virão em primeiro lugar. “Domingo, queremos resgatar a história do samba paulista e trazer o público para conhecer a Escola”, afirma, otimista, Rosemeire, já vislumbrando dias melhores para a Lavapés.

9 de agosto de 2011

Guerreiras do samba

As mulheres, historicamente, atuaram dentro do mundo do samba como pastoras, ou seja, eram elas as responsáveis para fazer o samba "pegar", ou não, dentro do terreiro (posteriormente quadra). Avaliando-as como quituteiras de mão cheia, que cozinhavam para que a "tropa toda pudesse brincar direitinho", temos uma visão simplista da história, já que foram elas, as "tias baianas" do Rio de Janeiro quem abrigaram as primeiras rodas de samba, os primeiros encontros de sambistas. Foi graças à hospitalidade e organzição destas mulheres como Tia Ciata, Dona Esther e Tia Fé, que o samba nasceu.

Mesmo assim, o samba e os sambistas, ao longo dos tempos, foram tachados de machistas, um reflexo da sociedade, pois. Cantavam, mas não compunham. Ou compunham, mas não alcançavam espaço. "Catituar" sambas, ou seja, arranjar espaço para gravação não era algo fácil para quem era vista como o "sexo frágil". E o que falar de mulheres instrumentistas? Poucas se arriscaram, poucas apareceram. Talvez o choro ainda abrigasse mais delas, mas o samba não.

No entanto, neste ano de 2011, no dia 5 de agosto, um importante acontecimento se deu em São Paulo. Desmistificador, rompeu tabus e quebrou paradigmas. Uma imensa roda de samba composta por mulheres que pertencem ao Movimento Cultural @migosdosamba.com abalou as estruturas da Ação Educativa e mostrou que as mulheres podem, sim!

Se elas ainda não assumiram a direção musical (os instrumentistas da roda eram todos homens), por outro lado, mostraram que são extremamente competentes em montar um repertório à altura da importância histórica que representam em nossa sociedade. Trocando em miúdos, as mulheres, razão plena de nosso viver, deram as caras e disseram: "somos sambistas organizadas, podemos cantar nossos anseios, nossas angústias, nosso viver e vamos varrer o machismo que impera no samba desde o dia em que os bambas do Estácio de Sá disseram que amor é o de malandro".

Há tempos não me emocionava como me emocionei nesta sexta-feira. As @migas, lindas, altivas, altaneiras, soltaram a voz e mostraram para que vieram. Um dia glorioso para o samba, sem sombra de dúvidas.


Momento sublime aquele em que ecoou os versos "Um dia, um ser de luz nasceu, numa cidade do interior...". Era a Clara Guerreira, abençoando a todas. Ela estava ali, sem sombra de dúvidas.

Vi todo o anseio destas mulheres realizarem este sonho, desde o início. Como me surpreendi, como vibrei, como me emocionei!

Gostaria de, através deste modesto espaço, parabenizar todas as mulheres. Não só as "amigas do samba", não só as mulheres do samba, mas sim, todas elas.

Continuem a luta, o samba e a sociedade precisam de vocês.

5 de julho de 2011

O samba hoje

Quem são estes sambistas que fazem de seus cavacos, violões e pandeiros, suas próprias vidas? O passado de glória do samba brasileiro ilumina, o presente se enfeita de melodias e um ritmo pulsante e o futuro promete cada vez mais luz à nossa maior manifestação artística e cultural.

Estamos no início da década de 10 do século XXI. Lá se vão muitas décadas desde que a turma do Estácio de Sá resolveu sincopar ainda mais o ritmo sincopado que já esquentava os bailes da cidade do Rio de Janeiro. Era maxixe, música com forte herança europeia. Era música de salão, tocada com piano e muitos instrumentos de sopro. Era um samba muito branco, europeu. Com a batucada africana, as cordas ibéricas, o pandeiro árabe e os chocalhos indígenas, um novo samba se fez. Até hoje, é esse samba que sambamos.

Veio a Era de Ouro do rádio, os instrumentos de batucada invadiram os estúdios e as rádios. Os conjuntos regionais, muitas vezes com uma batucada de Escola de Samba cheio de peso conquistou o Brasil. O tempo passou, veio o bolero, a bossa nova, o rock e o ieieiê. O samba saiu da mídia. Mas permaneceu sendo feito nos lares, bares e esquinas. Nos vagões de trem, ao voltar do batente, muitos sambistas fizeram grandes páginas de nosso cancioneiro.

Nunca morreu, nem tampouco agonizou, como certa vez se cantou. Nos anos 60, valorizou-se o sambista novamente. Foi com Martinho, Paulinho e Clara que voltou às paradas de sucesso. Altos e baixos nas décadas seguintes. Anos 80 e 90 foram de sombra para o sambista que almejava seguir a linha de um samba estaciano, com as características que foram moldadas ao longo de algumas décadas. 

Se o Cacique de Ramos introduziu novos instrumentos, alterou a síncope e apresentou novos nomes, isso é uma outra história. Afinal, o samba é dinâmico e flexível. O que é importante ressaltar é que o samba "velho", "duro", carioca do Estácio de Sá, sobreviveu às modernidades. Não, ele não foi substituído pelo samba do Cacique, coexistiu, sobreviveu e hoje está aí, mais firme que qualquer o "outro", moda nos anos 80. A moda passa.

Nos anos 90, a agonia ocorria nos meios fonográficos, mas em São Paulo se iniciou a retomada. "Mutirão do Samba", "Projeto Nosso Samba", "Samba da Vela"... Depois o "Morro das Pedras" e tantas coisas boas que vieram na esteira. Na roda de samba, o ritmo vivia.

Era o samba, novamente esquentando corações. Melodias ricas como as de portelenses como Paulo da Portela, Alcides, Aniceto, Manacéa, Mijinha, Alvaiade. Cartola, Carlos Cachaça, Zé Ramos, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento da Mangueira. Silas, Mano Décio e Mestre Fuleiro. Anescar, Noel Rosa de Oliveira (não confundir com o xará de Vila Isabel). Os professores Edgar, Rubens, Ismael, Nilton e Noel da Vila. 

Eram eles que voltavam à boca do povo. E no Rio, o processo acontecia com o renascimento da Lapa, ainda que lá envolvesse dinheiro, bares descolados e uma aparelhagem técnica à la Woodstock. A "nova Lapa", no entanto, apesar de renascer assim, nos trouxe ótimos nomes: Teresa Cristina, Alfredo Del Penho, Pedro Paulo Malta, Pedro Amorim, Pedro Miranda, entre outros.

Mas foi em São Paulo, no ano de 2007, que tudo mudou. O ano começou com um show no Teatro Fecap. Li no jornal: "Terreiro Grande, grupo formado por ex-integrantes do Grêmio Recreativo de Pesquisa e Tradição Morro das Pedras, acompanha Cristina Buarque neste espetáculo do Teatro Fecap". Tomei um susto. Não sabia que o Morro tinha acabada, não sabia que o Terreiro seria a semente das mudanças que viriam daí pra frente.

O show, divinal. O disco, aquele de capa azul com um tamborim, de foramato francamente anticomercial, despertou paixão Brasil afora. Em várias cidades, o "samba de terreiro" (algo ainda mais restrito e específico que o "samba de raiz") ganhou força: Porto Alegre, Uberlândia, Santos, Rio e claro, São Paulo em suas dezenas de quebradas.

Era a era romântica. Presenciar uma roda do Terreiro Grande era uma delícia, algo mágico que levarei em minha mente até o fim de meus dias. São Paulo pulsava samba. Surgiram os @migos do samba.com, grande e representativa agremiação de sambistas de vários costados da capital paulista, que luta pela valorização do samba. Me orgulho de pertencer a este celeiro de bambas.

Foi-se o Terreiro Grande, surgiu o Batalhão de Sambistas, capitaneado pelo gogó dourado Tuco. E o samba seguia conquistando corações, mentes e almas. O disco "Peso é Peso", joia rara, que beleza!, é ouro só. Bem como seu lançamento, num sítio em Atibaia repleto de sambistas, que fim de semana histórico.

E vieram as homenagens a Chico Santana, e surgiu o Programa É Batucada!, o Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai. Nasceu o jornal "O Amigo do Samba"...

Minhas armas foram se tornando cada vez mais letais. Colaborando com a revista Carta Capital, pude levar aos mais distantes rincões do Brasil informações sobre o disco do Tuco, do Wilson das Neves, do livro sobre o Estácio de Sá... Mais armas vieram às minhas mãos. Editando a Agenda São Paulo, no site Catraca Livre, é mais espaço pro samba!

E seguimos resistindo, na trincheira. Compondo, cantando, versando, louvando. 

E salve Tia Cida, Cebola, Paulão, Laurinha, Seu Mangueira, Seu Jair e tantos bambas das antigas. E salve a nova geração, que batalha tanto! Favela e seu Anhanguera, Bigode, Timor, rapaziada de Mauá, Terra Brasileira, Glória ao Samba, Samba na Feira, Resgate, Uberlândia e todos que batalham pelo samba. Alexandre do Morro e todos aqueles que participaram deste movimento. Careca, pessoal do Batalhão de Sambistas, Douglas Germano... Aos não citados, mas não olvidados, também dou meu salve.

E avante na luta!!

7 de junho de 2011

3ª edição do "É Batucada!"

Mais uma edição do programa É Batucada! no ar. O entrevistado, desta vez, é o professor Valmir Araújo, sobrinho-neto de Geraldo Pereira.

A seguir, transcrevo o texto que fiz para introduzir a entrevista e disponibolizo o link.

"Geraldo Pereira é considerado um dos ícones do samba brasileiro. Sambista do primeiro time, desenvolveu um estilo que o consagrou: o samba sincopado. Sua divisão de ritmo e melodia foi matéria prima para a composição de sambas que entrariam para história. "Sem compromisso", "Falsa baiana" e "Escurinha", entre tantas outras, estão presentes em qualquer antologia da música popular brasileira.

O compositor chegou a gravar alguns sambas, e cantava muito bem. Mas foi mesmo como compositor que se consagrou. Suas canções atravessaram inúmeras gerações de cantores e cantoras e ainda estão presentes em shows e rodas de samba. Lenda que é, teve uma morte polêmica e controversa. A tese mais aceita é que teria sido golpeado pelo "valente" Madame Satã e não resistiu aos ferimentos.

Para contar um pouco sobre a vida e obra de Geraldo Pereira, o Programa É Batucada! conversou com seu sobrinho-neto, Professor Valmir Araújo, pesquisador, coordenador e presidente do Centro de Artes Geraldo Pereira, no Rio de Janeiro. Confiram!!!"

1 de junho de 2011

Lançamento do jornal "O Amigo do Samba"

O Couro do Cabrito, em parceria com o co-irmão Vermute com Amendoim, tem a honra de promover, em primeira mão, a divulgação simultânea do novo veículo de comunicação dos sambistas, o jornal "O Amigo do Samba", produzido pelo Movimento Cultural @migosdosamba.com.

Será uma publicação bimestral onde serão abordados temas históricos, novidades, críticas e outros assuntos relacionados ao nosso SAMBA. 

É uma conquista para todos nós que valorizamos o ritmo mais brasileiro.

Clique aqui para baixar.


26 de abril de 2011

28 de março de 2011

Terra Brasileira

Nestas linhas, irei reparar uma injustiça histórica. Sim, pois apesar da admiração que cultivo há algum tempo, ainda não havia dedicado um texto exclusivo para os sambistas do Projeto Comunitário de Resgate à Velha Guarda Terra Brasileira. Sambistas de fato, que cultuam o samba com muito respeito e adoração.

Neste sábado, fui ao Brás, na belíssima sede da agremiação. O samba ecoava em alto e bom som e já da calçada se podia ouvir o rufar dos tamborins, a grave marcação do surdo e um belíssimo "lençol de vozes", fazendo um coro de tirar o chapéu.

Muitos amigos estavam presentes. E quando entrei, logo me lembrei da primeira vez em que fui ao Terra, em 2008, atendendo um convide de meu bom amigo Ary Marcos e levado pelas mãos de uma outra grande amiga, a Julia, sambista de mão cheia. Era no Belém, e foi naquele sábado que pude sentir a beleza que é a roda do Terra Brasileira. Tamanha hospitalidade com que fui recebido por Rogerinho, Márcio, Robson, e tantos outros que ainda fazem parte da agremiação (bem como outros que hoje estão ecoando os tamborins e os pandeiros em outras rodas de samba), me fizeram voltar muitas vezes naquele terreiro.

Neste último fim de semana, fui conhecer o local onde eles estão armando o samba desde que saíram do Belém, um agradável espaço no Brás. A roda está mais redonda, e a presença de uma jovem cavaquinista, ainda saindo da infância, é algo mágico, a se relatar. Bem como a garotinha, que canta todos os sambas, com uma emoção que pode ser transmitida a todos os presentes. As duas meninas são filhas de integrantes do Terra Brasileira. Sambistas desde cedo.

Além das duas garotinhas, ótimos ritmistas, cavaquinistas e violonistas se fazem presente nesta valorosa agremiação. O côro de pastoras também não pode deixar de existir. No repertório, grandes sambas de terreiro. Como se fazia na tradição dos antigos, a parte final é dedicada ao partido alto. E aí, quem tem garrafa vazia para vender, que venda.

É a roda de samba do Terra Brasileira, cada vez mais bonita e cativante.

Quer ouvir um bom samba, num ótimo espaço e ser muito bem recebido? Vá ao Terra.

14 de março de 2011

Do rubro-negro do Clube Anhangüera fez-se o Azul e Branco da Portela

Fundado em 1928, o varzeano Clube Anhangüera já foi palco de diversas atividades sócio-culturais. Campeonatos de futebol, bailes e rodas de samba fazem parte da programação deste octogenário clube desde a época em que ele ainda se localizava na Rua Anhangüera, na Barra Funda. Atualmente, o espaço é um reduto samba de São Paulo já consolidado. 


Neste último sábado, dia 12 de março, no entanto, este clube presenciou algo mágico, que, ouso dizer, jamais havia acontecido antes naquele local. Neste dia, e por um dia, o Anhangüera deixou de ser rubro-negro. Virou azul e branco. Cores presentes na bandeira do Brasil. E no céu também. Era a Portela.

A agremiação de Oswaldo Cruz surgiu pouco antes do clube barrafundense. Era a década de 20, outros tempos. O samba e o futebol era amadores, no sentido estrito da palavra. Hoje, em 2011, este encontro rendeu um maravilhoso e inesquecível dia. Dia de graça, onde todos eram reis.

Francisco Santana, nosso homenageado. Portelenses de todo o Brasil estavam presentes para louvar, exaltar este gênio da nossa música. Foi o segundo encontro de uma série de homenagens programadas para este ano de 2011, centenário do mestre.

Glória ao Samba. O nome desta agremiação explica tudo. Foram os anfitriões da roda de samba que se formou neste sábado inesquecível. Presentes ainda, sambistas de Uberlândia, Porto Alegre, Mauá, Rio de Janeiro, Santos, Campinas e várias localidades de São Paulo. É o samba brasileiro mostrando que não existem fronteiras quando se busca louvar sambistas históricos.

A cada encontro nacional de sambistas, nota-se a força mobilizadora que este ritmo possui. A Portela não está apenas em Oswaldo Cruz, está no coração dos brasileiros. Esteve em Uberlândia. Esteve no Bom Retiro. Em cada rufar de pandeiro, tamborim. Em cada ronco de cuíca. No maravilhoso coro que se fez. Não havia dúvida: era a Portela ali.

Para começar, uma deliciosa feijoada foi servida aos presentes. Era assim que se fazia antes: com o samba, tinha que ter birita e comida, pra todos aguentarem bastante na roda de samba.

E então, uma grande roda se fez. Todos os coletivos envolvidos na homenagem estiverem presentes: Glória ao Samba, Terreiro de Mauá, Terra Brasileira, Jequitibá, Resgate e Roda de Samba de Uberlândia. Junto a eles dezenas de sambistas de vários costados, dos mais distantes rincões da Paulicéia. Uma grande celebração.

"Silêncio, é o que resta para mim...". Lágrimas rolaram. Era só o primeiro samba. Era nítida a emoção estampada no rosto de todos. Mais uma vez, Dona Neide, filha do homenageado, esteve presente. Mais uma vez, grata pelo grande respeito que estes jovens vêm dedicando à memória de seu pai. João Batista Vargens, portelense biógrafo de Candeia e da Velha Guarda, também esteve lá, bem como a Tia Surica, pastora histórica da Portela.

O que se sucedeu a partir daí foi uma sequencia de fortes emoções. Os sambas de Chico Santana são carregados de "portelismo". Foi ele o autor do Hino Portelense, do Hino da Velha Guarda... Foi ele quem lamentou a falta de vitórias no Carnaval, lembrando a época em que vencer era banalidade. Chico Santana foi o portelense que traduzia todo o sentimento daquela comunidade em seus sambas, ora exaltando, ora lamentando os infortúnios. Sempre louvando, sempre elevando o nome da Portela.

E nesta homenagem, cantou-se, pela primeira vez, um belo samba composto por Tuco e Lo Ré, dois destes bravos sambistas da nova geração. Chico Santana, o gênio de pouca popularidade, ele que foi traído e não traiu jamais, recebeu uma grande homenagem dos jovens sambistas.

Viemos de bem longe a um sambista exaltar
Reunimos diversas cidades
Pois o Samba está sempre em primeiro lugar
Francisco Santana, gênio de pouca popularidade
E no teu centenário nasce a luz
Trazendo os laços de fraternidade
De Oswaldo Cruz

Suas lindas melodias
Deixavam a querida Portela em harmonia e paz
Ele que foi traído e não traiu jamais
Nem mesmo a tristeza de uma derrota
Trazia-lhe aborrecimento
Seu Hino da Velha Guarda nos mostra
A pureza que havia naquele tempo
E hoje esta nossa homenagem é uma resposta
Traduzindo todo nosso sentimento

A próxima homenagem será em Mauá. Onde quer que esteja, Chico Santana, aguarda com carinho mais uma celebração à sua memória.



Salve a Portela. Até lá.

10 de março de 2011

Carnaval em Barão Geraldo. Bloco União Altaneira

Era sexta-feira de Carnaval. Alfredo Castro, sambista e compositor, chegou em casa e disse: "Piruca, todo ano componho um samba para o Bloco União Altaneira, de Campinas. O desfile é depois de amanhã e o samba ainda não saiu. Tem os dom de colocar uma letra nessa melodia?". Era uma melodia bonita, gostei. "Tem tema?", perguntei. "Exaltação a natureza", respondeu.

Mandei ver.

A natureza vou cantar no carnaval
O céu, o mar, o luar
Tanta riqueza assim
Esta beleza é o que me faz te exaltar
Faz brotar, com o samba, uma semente
Um folião feliz
Sonho da manhã primaveril
No carnaval
Os encantos do Brasil

Beleza! Foi só colocar um lalaiá no fim e fechou o samba. 

Chegou o domingo e fomos pra Campinas, Barão Geraldo. O Bloco é organizado, tem uma bateria enfezada e um mestre de bateria, o Chico, que comanda a folia com altivez.

Passamos o samba com os cavaquinhos e violões, acertamos o andamento. Aí era só emplacar na Avenida Santa Isabel. Antes, outros sambas do bloco foram cantados. O samba-exaltação, muito bonito, alguns sambas de outros carnavais e o "samba-enredo" do ano.

Depois de muita farra, cantamos o nosso samba. Bom demais ver o povo cantando o samba. Ainda mais um samba composto na antevéspera, fresquinho. A bateria caprichou. Muita classe, muita categoria, um grande carnaval.

Ano que vem estarei novamente lá. Salve União Altaneira!
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O Couro do Cabrito by André Carvalho is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Brasil License.
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