Que grande prazer é poder conferir um espetáculo de Paulinho da Viola, gênio da música mundial contemporânea, exemplo de vida e de serenidade.
Sambista de respeito, chorão de primeira categoria, padrinho e idealizador da Velha Guarda da Portela, compositor de partido alto e samba enredo, Paulo César Batista Faria, nosso ministro do samba, um dos maiores. Há 15 anos sem gravar um disco com sambas inéditos, ainda pode nos brindar com apresentações memoráveis.
Nesta última sexta-feira, no Sesc Pompéia, fez um inesquecível show, interpretando um repertório "lado B". Quem era fã, se deliciou com sambas que jamais sonhariam ouvir num concerto de Paulinho da Viola.
No acompanhamento, estavam músicos acostumados a tocar com Paulinho em palcos e estúdios há tempos. Foi um grande prazer poder ver e ouvir Cristovão Bastos, excelentíssimo pianista e arranjador de dezenas de sambas do grande portelense.
Hércules, na bateria, também mantém a mesma elegância que caracteriza Paulinho da Viola. Aliás, o conjunto todo carrega esta elegância "à la Paulinho da Viola": Celsinho Silva faz carinho no pandeiro quando toca, Mário Seve, nos instrumentos de sopro, dá um toque sutil e refinado nas canções e João Rabello - o filho -, aos poucos vai ocupando bem o espaço que foi por décadas de César Faria - o pai-, este sim, aquele que ensinou tudo de "elegância musical" para Paulinho.
O belíssimo repertório - parecido ao que ele apresentou no Teatro Fecap em 2010 - trazia sambas de compositores da Portela (Zé Keti, Monarco, Chico Santana, Noca, Mijinha) e da Mangueira (Cartola, Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho), exaltação ao seu bairro, Botafogo e a seu parceiro, Elton Medeiros. Trouxe um samba de Valzinho (com Peterpan) e parcerias com Capinan e, como não poderia de ser, com o próprio Elton, o mais constante deles.
O início se deu com o belíssimo samba "Portela Feliz", de Zé Keti, aquele que acrescentou o "da Viola" a seu nome, ainda nos tempos do Zicartola, nos anos 60. Sob um silêncio absoluto, Paulinho e seu cavaquinho - e nada mais - abriram o espetáculo já mostrando qual seria a linha da apresentação: só peso na balança!
Depois, seu bairro foi louvado com "Botafogo, Chão de Estrelas", parceria com Aldir Blanc. E dá-lhe sambas lado B, pouco conhecidos e interpretados nas rádios ao longo das décadas, mas de extremo valor (e que honra por ouvi-los em uma apresentação ao vivo). "Brancas e Pretas", Cidade Submersa", Vela no Breu", "Orgulho", clássicos de pouca popularidade. Diferente de "Ame" e "Quando bate uma saudade", na ponta da língua dessa Brasilão afora.
"Um cara bacana", é uma homenagem a Elton Medeiros, mais que justa, numa interpretação garbosa, com piano, violão e tamborim. "Elton Medeiros, orgulho do samba do Brasil!". Paulinho também lembra de Ciro Morteiro quando canta "Pintou um Bode". "Fiz este samba pensando nele. Pensava nele cantando esta composição", lembrou.
Paulinho da Viola transpira serenidade. Traz sempre consigo um semblante tranquilo, calmo e alegre. Estava à vontade no palco do Teatro do Sesc Pompeia. Lembrava dos velhos amigos e de seus inspiradores. Um deles é Valzinho, autor, com Peterpan, de "Tudo foi surpresa".
Capinan, grande letrista, também foi lembrado em "Canção para Maria", uma bela parceira com as melodias de Paulinho, que relembrou seu primeiro encontro com o compositor baiano e o nascimento da canção: "Ele chegou até mim e me disse: 'Eu sou Capinan, e queria fazer uma parceria com você'". A música tirou o terceiro lugar no II Festival da Record, e foi à cera num disco de Jair Rodrigues e num compacto raro de Paulinho. "Só eu devo ter este disco", apostou.
Os músicos estavam felizes. Nada de tensão, nada de preocupação em não errar. Eles sabiam o que estavam fazendo, não iriam errar. São músicos experientes e sambistas. Aliam a criatividade do improviso à disciplina que se deve ter para ler as partituras com os arranjos com exatidão no palco. Todos, exceção feita a João Rabello, tinham a cabeça branca, de quem já tomou muito sereno em rodas de samba e choro. Isto chama-se experiência.
Outro ponto alto do show foi a interpretação do choro "Inesquecível", mais uma homenagem feita por Paulinho presente neste espetáculo onde ele relembra grandes nomes que influenciaram sua carreira. Desta vez as honrarias são para Jacob do Bandolim. Cristovão Bastos e Mario Seve, piano e sax, levaram a plateia à emoção.
A Portela também foi bem lembrada. Além do samba do Zé Keti que abriu o show, Monarco e Chico Santana ("Lenço"), Noca ("Peregrino") e Mijinha ("Chega de Padecer") estiveram representados. E sambas da Mangueira consagrados não ficaram de fora. "Não quero mais amar a ninguém" (Cartola, Carlos Cachaça e Zé da Zilda) e "Não te dói a consiência" (Nelson Cavaquinho, Antonio Garcez e A. Monteiro), duas pérolas.
No fim, cantou "Boiadeiro" (folclore) para Fernando Faro e, à capela, mais uma vez sobre um respeitoso silêncio sepulcral, fechou com "Tava Drumindo". Deu pra sentir a presença da Rainha Quelé. A emoção foi geral.
No bis, a platéia já estava sambando. Era o "gran finale" de um espetáculo digno da grandeza de Paulo César Batista de Faria, nosso grande Paulinho da Viola, grande mestre da cultura brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário