26 de fevereiro de 2013

Cartola, por Carlos Namba

Em 1977, a Editora Abril lançou a série de LPs "Nova História da Música Popular Brasileira", trazendo ricos fascículos, com textos, ilustrações e fotografias de grandes nomes de nosso cancioneiro.

O projeto ampliava e revia os discos lançados sete anos antes pela série "História da MPB" e tinha como propósito destacar a vida e a obra dos principais baluartes - compositores e intérpretes - da rica produção musical desenvolvida no Brasil desde os primeiros anos do século XX.

O projeto contou com um time de primeira, que incluía nomes como Tárik de Souza (consultoria de texto) e Elifas Andreato (consultoria de arte), além de fotografias originais, produzidas com exclusividade para cada fascículo.

A edição dedicada a Cartola trouxe um belo ensaio fotográfico, registrado pelas lentes de Carlos Namba (Abril Press), que vale a pena ser reproduzido aqui:





25 de fevereiro de 2013

Onze sambas e uma capoeira, 46 anos depois


Relembrar e reverenciar um clássico, lançado há 46 anos. O palco do Sesc Belenzinho reuniu, no último fim de semana, o sambista Paulo Vanzolini, sob a companhia de Cristina Buarque, Cláudia Moreno, Ana Bernardo e Carlinhos Vergueiro, para cantar onze sambas e uma capoeira. O espetáculo, que integrou o Projeto Álbum, dedicado à revivescência de discos que marcaram época na história da Música Popular Brasileira, foi uma grande exaltação ao samba vanzolineano - criado em São Paulo, mas genuinamente brasileiro - e cumpriu bem o propósito de exaltar o LP lançado há 46 anos.

"Onze Sambas e Uma Capoeira" foi o primeiro álbum dedicado exclusivamente a Paulo Vanzolini, nome de destaque na música brasileira. Produzido pelo publicitário Marcus Pereira e pelo músico Luis Carlos Paraná, contou com arranjos de Toquinho e Portinho e registrou interpretações dos irmãos Chico e Cristina Buarque - ambos em início de carreira. Também participaram do disco Mauricy Moura, Adauto Santos e Cláudia Moreno, além do próprio Luis Carlos Paraná.

Vanzolini, que completará 89 anos em abril, estava feliz com o espetáculo-tributo, assistido pela reportagem do Couro do Cabrito no sábado, 23 de fevereiro. Sentado em uma mesa de bar, criteriosamente arranjada sobre o palco, com um copo de cerveja à sua frente, observava tudo e cantarolava as suas canções.

O espetáculo contou com arranjos de Ítalo Peron, violonista, e trouxe ao palco os músicos Pratinha (flauta), Adriano Busko (percussão), André Tinoco (trombone) e Maycon Mesquita (trompete). Peron foi feliz nos arranjos, que destacavam os instrumentos de sopro. Seu violão firme e constante, sem arroubos de solos, baixarias e bordões, por outro lado, permitia que os intérpretes pudessem explorar ao máximo suas potencialidades técnicas. Já a percussão (pandeiro, surdo, agogôs, e bateria, tudo junto) não chegou a comprometer, ainda que o autor destas linhas considere que, em um espetáculo de samba, o ideal é que cada instrumento de percussão seja tocado por um músico diferente, garantindo, assim, mais ritmo, molho e balanço.

Subiram ao palco, na ordem, Cristina Buarque, Ana Bernardo, Carlinhos Vergueiro e Cláudia Moreno. À medida que cantavam, sentavam ao lado de Vanzolini, e, em um clima de bar, serviam-se de cerveja, água e conhaque. Cristina Buarque e Ana Bernardo não dispensaram o cigarrinho no camarim. Quando foram cantar Volta por cima, todos juntos, Ana Bernardo não voltou ao palco. Vanzolini, seu marido, aproveitou para cutucar: “Está fumando...”. Mas e se ela não voltar? – perguntaram os outros convidados. “Paciência”, respondeu o sambista, quase nonagenário.

A única composição interpretada pelo homenageado da noite foi a Capoeira do Arnaldo, que, segundo o compositor, foi criada em apenas um dia, em resposta a um amigo, Arnaldo Horta, que afirmou que até Carybé - pintor ítalo-argentino, mas baiano de corpo e alma - compunha mais capoeiras que ele. Com a idade avançada, sem a mesma divisão para cantar dos tempos idos, Vanzolini cantou em um ritmo mais apressado, o que não comprometeu sua interpretação.

Carlinhos Vergueiro esbanjou categoria, cantado os sambas com grande bossa e uma divisão que o afirma como um grande intérprete no meio do samba. Cristina Buarque também estava muito à vontade (ela só participa de espetáculos que realmente gosta), bem como Ana Bernardo e Cláudia Moreno (esta, não brilhou nem tampouco comprometeu). Cabe destaque para o roadie, que além de deixar tudo nos conformes, enchia os copos (principalmente o da Cristina) de cerveja dos sambistas.

Findadas as doze canções do disco (onze sambas e uma capoeira), todas clássicas – Samba erudito, Amor de trapo e farrapo, Chorava no meio da rua, Juízo final, Ronda, Napoleão, Capoeira do Arnaldo, Praça Clóvis, Morte e paz, Leilão e Volta por cima -, houve, ainda, tempo para dois sambas que não integram o disco clássico: Tempo e espaço (interpretado por Ana Bernardo e aplaudido por Vanzolini), e Toada do Luís (por Carlinhos Vergueiro).

Gênio de nosso cancioneiro, um dos maiores sambistas de todos os tempos, compositor de samba que rompe as fronteiras do regionalismo – é mais que paulista, é um sambista brasileiro -, Vanzolini merece todas as homenagens. A ele, as flores em vida. 

Avaliação: **** (ótimo)

21 de fevereiro de 2013

Sesc Belenzinho promove espetáculo em homenagem ao clássico "Onze Sambas e Uma Capoeira"

O ano era 1966 e havia um bar, na cidade de São Paulo, que reunia jornalistas, artistas e intelectuais. Os frequentadores buscavam ouvir música popular brasileira de qualidade, algo cada vez mais difícil em tempos de iê iê iê e da invasão da música estrangeira no Brasil. O nome deste bar era Jogral, fundado por dois amigos, o músico Luis Carlos Paraná e o publicitário Marcus Pereira e, entre os boêmios que por lá faziam ronda, estava o biólogo Paulo Vanzolini.

No Jogral, formou-se um núcleo de músicos de alto valor. Marcus Pereira viu ali, então, a oportunidade de produzir um LP (a ser distribuído aos clientes de sua agência de publicidade) registrando estes nomes e exaltando, em seu primeiro lançamento, as canções do biólogo que frequentava aquele reduto boêmio. Eram onze sambas e uma capoeira de Paulo Vanzolini.

O disco, que depois entraria para a história da música popular brasileira, contava com a participação de Chico Buarque, Mauricy Moura, Cristina Buarque, Adauto Santos, Cláudia Moreno e do coprodutor e sócio de Marcus Pereira, Luis Carlos Paraná. Lançado em 1967, “Onze Sambas e Uma Capoeira” foi o embrião para a gênese, seis anos depois, do selo Marcus Pereira Discos. Em 1975, o já clássico álbum foi relançado, já que a edição original havia sido de baixa tiragem e distribuído apenas aos clientes da agência de publicidade de Marcus Pereira.

Recentemente trazido de volta às lojas pela EMI (herdeira do catálogo da Marcus Pereira Discos), o disco é de audição obrigatória àqueles que buscam conhecer melhor a obra de Paulo Vanzolini, um dos maiores sambistas de todos os tempos. 

Nos próximos dias 23 e 24, dentro do “Projeto Álbum", que visa a celebração de discos históricos da música popular brasileira, o Sesc Belenzinho promove a apresentação de Paulo Vanzolini, com a presença de Cristina Buarque, Cláudia Moreno, Carlinhos Vergueiro e Ana Bernardo.

Cristina Buarque e Cláudia Moreno participaram do álbum e, 46 anos depois, voltam a interpretar os sambas de Vanzolini. Já Ana Bernardo e Carlinhos Vergueiro apresentarão as faixas gravadas pelos já falecidos Mauricy, Paraná e Adauto. Paulo Vanzolini ainda contará histórias do disco e reunirá todos os convidados para cantar a “Capoeira do Arnaldo”.

Entre os clássicos sambas de Paulo Vanzolini registrados neste álbum - o primeiro a ser lançado com suas composições - estão “Samba erudito”, “Amor de trapo e farrapo”, “Chorava no meio da rua”, “Ronda”, “Praça Clóvis” e “Volta por cima”.

Ítalo Peron, no violão e nos arranjos; Pratinha, na flauta e no bandolim; Maycon Mesquita, no trompete; André Tinoco, no trombone e Adriano Busko, na percussão, formam o conjunto que acompanhará Paulo Vanzolini no espetáculo. 

Serviço:

Projeto Álbum: Paulo Vanzolini - Onze Sambas e Uma Capoeira
Local: Sesc Belenzinho
Endereço: 
Rua Padre Adelino, 1000 - Belenzinho – São Paulo/SP
Data: 23 e 24 de fevereiro (sábado e domingo)
Horário: 21h (sábado) e 18h (domingo)

Valor: de 8 a 36 reais

Confira Cristina Buarque cantando "Chorava no meio da rua", na gravação original, de 1967:

18 de fevereiro de 2013

Vatapá (Dorival Caymmi)

GRANDES BRASAS DA HISTÓRIA

Samba amaxixado, samba estaciano. Samba de breque, samba sincopado. Samba de terreiro, samba de quadra, samba-enredo. Samba-canção. Samba rural, samba de roda, samba de bumbo. Samba-receita. Samba-receita?

Foi Dorival Caymmi quem inventou essa nova modalidade de samba. Um samba-receita ensina a preparar um prato e ainda ajuda a mexer, para não embolar a iguaria. É, também, a melhor forma de aprender a cozinhar, já que a receita não sai da cabeça, com o buliçoso andamento que só o compositor baiano sabia encaixar nos sambas. 

Vatapá foi gravado, originalmente, pelos Anjos do Inferno, em 1942. Caymmi registraria sua versão em 1957, no LP Eu vou pra Maracangalha. Outros artistas, como Manezinho Araújo, Noite Ilustrada, Gal Costa e João Bosco também gravariam o samba-receita. 

Aprenda com Caymmi como preparar este prato delicioso, umas das riquezas gastronômicas da Bahia.


Ingredientes:

- Fubá
- Dendê
- Nega baiana que saiba mexer
- Castanha de caju
- Pimenta malagueta
Amendoim
- Camarão
- Coco ralado
- Sal
- Gengibre
- Cebola

Custo total:

- Dez mil réis

Modo de preparo:

Quem quiser vatapá, ô
Que procure fazer
Primeiro o fubá
Depois o dendê
Procure uma nega baiana, ô
Que saiba mexer
Que saiba mexer
Que saiba mexer

Bota castanha de caju
Um bocadinho mais
Pimenta malagueta
Um bocadinho mais
Amendoim, camarão, rala um coco
Na hora de machucar
Sal com gengibre e cebola, Iaiá
Na hora de temperar

Não para de mexer, ô
Que é pra não embolar
Panela no fogo
Não deixa queimar
Com qualquer dez mil réis e uma nega ô
Se faz um vatapá
Se faz um vatapá
Que bom vatapá

Vatapá (Dorival Caymmi) - Anjos do Inferno (1942)
Vatapá (Dorival Caymmi) - Dorival Caymmi (1957)

4 de fevereiro de 2013

Pega o Lenço e Vai 2013


"São Pedro colaborou!", pensaram todos, quando sobre a manhã do dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, se abateu um luminoso Sol. Era dia de desfile do Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai. A celebração era justa: durante toda a semana, bem como nos ensaios e no desfile do ano anterior, choveu. Parecia uma resposta da natureza ao samba "Pobre bem-te-vi" (... o céu chorou pois não pode suportar / o lamento angustiante que um pobre pássaro fez soar...), de Tuco e Lo Ré, que contagiou os integrantes da agremiação no primeiro ano de desfile, em 2011.

A comemoração, no entanto, foi precipitada. À medida que as horas avançavam, as nuvens negras se aproximavam. O céu queria chorar, pois não poderia suportar o cantar feliz que aquele bloco se faria soar. Quando, finalmente, os sambistas se postaram à rua, no primeiro rufar de tamborim, caiu a primeira gota. O céu já estava completamente escuro.

Mesmo assim, o "esquenta" começou. O samba era Saudade dela, composição feita há mais de 40 anos por João do Violão, compositor de mão cheia, autor - ao lado de Luiz Antônio - de um dos maiores clássicos da música brasileira, Eu bebo sim. Tendo feito a composição, originalmente um maxixe, há tanto tempo, é natural que a emoção de vê-la ser entoada por um Bloco de Samba uníssono tenha sido tão grande. 

Enquanto se esquentava o Bloco, repetindo, por vezes e mais vezes, Saudade dela, o céu, finalmente chorou. E chorou pra valer. Abriu o berreiro. Não podemos chamar de tempestade tal precipitação. Era dilúvio mesmo. A solução foi migrar para dentro do Centro Cultural Dona Leonor, sede do Bloco e do Projeto Samba de Terreiro de Mauá, e esperar o aguaceiro passar. 

Como o dilúvio demorou a passar - a calçada virou rio e muita água entrou para dentro do antigo Bar do Buiú - o jeito foi continuar esquentando o coro, o couro e as cordas, cantando os sambas dos anos anteriores. 

Quando, finalmente, a chuva cessou, os foliões (que neste caso fazem mais que folia, pois o Bloco visa fortalecer a memória social brasileira - são, portanto, também, militantes) novamente se organizaram para descer a Rua San Juan. Após novamente ser entoado o antigo maxixe ("Era saudade dela, perdi um amor e ganhei uma saudade / outro amor seria a solução pra minha dor..."), o contingente começou a descer a ladeira.

Na sequência veio o samba enredo, composto pela trinca Edinho, Léo e Danilão, que também fizeram as homenagens a João Candido e Luiza Mahin, figuras de destaque da negritude brasileira, nos anos anteriores. É importante ressaltar que um dos principais intuitos do Pega o Lenço e Vai é fortalecer a Lei 10.693/2003, que garante o ensino da história do negro nas escolas. Como a lei custa a pegar, o Bloco faz sua parte, evocando o valor daqueles que a historiografia "oficial" prefere minimizar.

Eis o samba:


Luiz Gama, o trovador da liberdade (Danilão / Leonardo / Edinho)

Nascia na Bahia de São Salvador
O grande Getulino trovador
No comércio da ilegalidade foi vendido como escravo
Aos dez anos de idade, não desistiu e lutou
Lutou, lutou
Contra a monarquia do escravizador
E pelo escravo Jacinto foi inspirado a fazer seu maior feito
E então foi coroado como rábula nos tribunais
Quinhentos negros ou mais por ele foram libertados

Eis aqui, o nosso Orfeu de carapinha
Luiz Gama, o grande Getulino libertador

O samba estava na rua, as melodias eram emanadas pelo asfalto, contagiando curiosos, que saiam à janela, se penduravam nas varandas e deixavam o comércio por um instante para beber desta rica vertente da música brasileira, marginalizada, há décadas, pela indústria cultural. Seguiram-se os sambas: Velhos professores (Saci e Edinho), Lágrimas (Fernando Paiva e Tuco), Lua cruel (Lo Ré) e Por que choras? (Careca, Edinho e Marcelo Baseado)

Uma tradição firmada pelo Bloco no primeiro Carnaval manda que, todo ano, um samba curto seja cantado, para os versadores mandarem o recado. Como nos outros carnavais, o samba foi de Careca:

Sai da minha frente (Careca) 


Pode chegar com a sua bateria
Eu sou valente
Meu pessoal é de antigamente
Vai atropelar
Sai da minha frente!

Foi com os improvisos dos partideiros presentes que findou-se mais um desfile do Bloco de Samba Pega o Lenço e Vai!, encerrando mais um ciclo, iniciado em outubro de 2012, quando foi definido que o tema do Carnaval deste ano seria Luiz Gama. 

Agora, é preciso manter a chama acesa, o estandarte levantado. Para isso, é necessário que o Bloco fique em atividade durante todo o ano. Será neste 2013 que se iniciarão os encontros do chamado "meio de ano"? Uma Ala de Compositores de talento já existe, vontade de cantar os sambas novos e seguir compondo também não faltam. Debates a respeito desta proposta já foram realizados.

Confira abaixo a proposta do Bloco, o enredo deste ano e as letras dos sambas:



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