26 de junho de 2008

Ivan Milanez no Clube Anhanguera esta sexta


“Qualquer criança bate um pandeiro e toca um cavaquinho/ Acompanha o canto de um passarinho sem errar o compasso/ Quem não acreditar, poderemos provar, podes crer/ Nós não somos de enganar, melodia mora lá no Prazer da Serrinha // Nós vivemos alegres a cantar/ A nossa escola é muita emoção porque ninguém jamais poderá desmoronar a nossa união” - Prazer da Serrinha (Rubens da Silva - Hélio dos Santos)

O samba adquiriu uma roupagem imperial e nobre quando surgiu o Império Serrano, o menino de 47, escola que, de cara, foi logo acabando com a supremacia da Portela e da Mangueira. De lá, surgiram nomes como Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Dona Ivone Lara, Mestre Fuleiro, entre outras cobras. Quem conviveu com esses bambas e hoje faz parte da Velha Guarda do Império é o sambista Ivan Milanez.

E quem estiver em São Paulo nesta próxima sexta-feira terá a oportunidade de vê-lo em ação, ao lado dos Inimigos do Batente, no Clube Anhanguera.

Segue informações sobre o evento:

Inimigos do Batente convidam Ivan Milanez

Local: Clube Anhangüera

Endereço: Rua dos Italianos nº1261 – Bom Retiro – São Paulo - SP

Data: 27/06

Horário: a partir de 22h

Ingressos: R$ 10,00 + um agasalho ou alimento não-perecível para doação a entidades assistenciais do bairro

Como chegar: Marginal Tietê (sentido Penha), passando a Ponte da Casa Verde, terceira rua à direita, primeira à esquerda e novamente primeira à esquerda.

Os blogs de samba

Para escrever sobre blogs de samba eu preciso, antes, contar como nasceram os meus blogs de samba. Desde a época em que fiz um trabalho de conclusão de curso sobre samba de terreiro na faculdade, eu passei a pesquisar com afinco este ritmo quente. Passei, então, a publicar algumas coisas no Idéias de Improviso, que como o próprio nome diz, reúne textos diversos. Depois de algum tempo pensei que precisava fazer um blog exclusivo de samba.

Surgiu este Couro do Cabrito. Aqui, coloco textos, sambas para ouvir, informações sobre discos, documentos históricos, vídeos e muito mais. Com o tempo, foi ganhando vida e, hoje, fico muito feliz quando comentam e elogiam seu conteúdo. Pois bem, eu já tinha o Couro, mas queria postar discos de samba completos para o povo baixar. Eis que surgiu, então, o Prato e Faca. Passei a assinar Alvarenga do Morro do Chapelão neste novo blog e comecei a postar as brasas. Hoje o blog já conta com 120 álbuns. E sou bem chato no que diz respeito ao repertório: nada de Cacique de Ramos e derivados, nada de samba comercial e nada que, particularmente, eu não goste.

Algum tempo depois, criei mais um blog, o Coisa da Antiga. Este aí é a menina dos meus olhos, apesar da freqüência de postagens não ser tão ágil. Explico por que gosto tanto dele: lá, eu disponibilizo fonogramas antigos, da época dos 78 rpm. Faço compilações de compositores desconhecidos e consagrados. Vibro quando vejo que uma porrada de gente já baixou os sambas do Caxiné, do Príncipe Pretinho, do Djalma Mafra...

Antes de criar estes blogs, entretanto, já fuçava na internet atrás de blogs de samba onde eu pudesse baixar bons discos. Primeiro conheci o Cápsula da Cultura, depois veio o Um Que Tenha e, mais tarde, o Loronix. São blogs com ótimos acervos: o Cápsula da Cultura disponibiliza discos de música popular brasileira difíceis de encontrar, assim como o Loronix, que só tem velharia. O Um Que Tenha põe até lançamento e por conta disso, tiveram um problema recentemente com a gravadora Biscoito Fino, que pediu para que eles tirassem do blog seus álbuns. O Fulano Sicrano, que assina o blog, atendeu prontamente.

Além desses citados blogs que disponibilizam brasas, ainda temos o Toque Musical, o Abracadabra e outros baús de tesouros perdidos pela rede.

Blogs com muita informação sobre samba

É importante ressaltar que, além desses blogs que disponibilizam discos, também existem blogs de samba com muita informação e histórias do samba. Desses todos, o que eu mais gosto é o Terreiro Grande, tocado pelo Renato Martins e pelo Ricardo Brigante. Lá podemos escutar várias raridades, ler muita coisa interessante e aprender cada vez mais sobre os antigos compositores do nosso samba.

No mesmo estilo deste blog, recentemente surgiu o Samba de Terreiro de Mauá, com informações sobre antigos bambas e algumas músicas para baixar. Preciso ainda citar os ótimos Em Nome do Samba, o Só Candeia, além do Vermute com Amendoim, que possui uma boa equipe de estudantes de jornalismo/ amantes do samba que atualizam o blog constantemente.

A dica é explorar todos estes blogs e, a partir deles, conhecer novos sítios. Com certeza tem muito mais coisa que não citei aqui. Segue a lista dos links:

Prato e Faca
Coisa da Antiga
Terreiro Grande
Cápsula da Cultura
Um Que Tenha
Loronix
Toque Musical
Abracadabra
Samba de Terreiro de Mauá
Vemute com Amendoim
Em Nome do Samba
Só Candeia

18 de junho de 2008

"Estão vendendo a sua cultura"

Esta entrevista de Elton Medeiros concedida ao jornalista João Bosco Rabello foi publicada no suplemento cultural de domingo do Correio Braziliense no 22 de janeiro de 1978 (outras partes da reportagem especial aqui e aqui). Na ocasião, Elton já lamentava os tristes rumos que as Escolas de Samba estavam tomando. Como podemos ver hoje, foi um caminho sem volta: as agremiações de samba tornaram-se um inescrupuloso negócio.
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Domingo, 22 de janeiro de 1978
por João Bosco Rabello

Homem de Escola de Samba, compositor e parceiro de Paulinho da Viola, Élton Medeiros é também profundo conhecedor e estudioso da cultura popular. Neste depoimento, ele faz uma comparação entre o que aconteceu com as gafieiras e o que acontece com as Escolas de Samba: a invasão do elemento estranho que quer impor seus hábitos e as conseqüências disso.

Elton Medeiros: “Estão vendendo sua cultura”

João Bosco Rabello – Elton, como você vê a situação das escolas de hoje, e principalmente a partir das modificações feitas por Fernando Pamplona?

Elton Medeiros – Olha, já em 1948, o Império Serrano introduz modificações na escola de samba. A Aprendizes de Lucas também nesta época introduziu modificações na bateria, a frigideira. Então, você identificava o som da escola pela bateria, pela frigideira e pelo prato, isso em 1948, quer dizer, antes da aparição de Fernando Pamplona. O Pamplona começa a fazer carnaval no Salgueiro mais ou menos em 1959/60. O Salgueiro introduziu modificações, mas visando à participação de elementos da comunidade da escola em que ele saiu, ou a escola para a qual ele trabalhou, que foi a Acadêmicos do Salgueiro. Então, ele teve a preocupação de fazer um carnaval barato. Se não me engano, o primeiro carnaval do Salgueiro com Pamplona foi uma homenagem aos Fuzileiros Navais. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros. Depois, ele veio com temas de escravidão. Esses temas como você pode notar, dão oportunidade aos carnavalescos de fazerem, criar um carnaval barato. As fantasias são tangas, fantasias de escravos, e o que ornamentam essas fantasias são os adereços, que são feitos pelos cenógrafos, hoje em dia chamados carnavalescos. Então você tem de notar influências que a escola de samba sofre em razão de modificações da vida da cidade, entende? Modificações de caráter social, e que refletiram no comportamento do sambista. Eu falei, note bem, sobre modificações feitas no Império Serrano e, essas modificações foram feitas a partir, talvez, de uma necessidade sentida pelos elementos naturais de escola de samba. Foram modificações feitas por esses elementos. As que o Pamplona fez já não foram feitas por elemento natural de uma escola de samba. Já as do Império Serrano, em 1948, foram feitas pelos elementos naturais da escola de samba, daquela comunidade. A Aprendizes de Lucas também. Outras escolas de samba devem ter feito também modificações, mas essas foram as mais marcantes. Dessas eu posso falar porque eu acompanhava os desfiles dessas escolas de samba.

JBR – Fernando Pamplona era um elemento de fora da escola. Quero que você veja as duas posições: a do desenhista Lan com relação a Portela e do Pamplona em relação ao Salgueiro. O Lan é portelense desde 1949, mais ou menos, e nunca fez um traço para a Portela; e dizia: “Não faço figurinos para a Portela porque estaria interferindo num processo que não me diz respeito”. Diante disso, como você vê a atuação de Pamplona?

EM – O que eu quero dizer a você é que a Escola de Samba, por ser comunitária, ele deve ser artesanal. Ela não deve ser uma escola de samba que sirva de estágio de acadêmicos, nem mesmo veículo de promoção pessoal. Então, o artista de TV se utiliza da escola de samba para ser apontado na rua. Dona Beki Klabin, por exemplo, há alguns anos, disse que desfilava porque gostava de ser apontada na rua. Ora, pombas, escola de samba foi criada para proporcionar um divertimento barato, coisa de pessoas marginalizadas na sociedade. Essas pessoas criaram um divertimento barato. A escola de samba sempre foi de pessoas que não tinham dinheiro para ir ao Baile do Municipal, de pessoas que não tinham dinheiro para ir ao Monte Líbano, outro qualquer baile de gala.

JBR – O que era uma escola de samba no início?

EM – Ela vem dos concubins, que eram aqueles grupos de pessoas, concubins..., cordões de velhos, ranchos... Os ranchos é o tal negócio. O rancho vem dos concubins, entendeu, os ranchos passaram por um processo de transformação que as escolas estão passando atualmente, os ranchos atraíram pessoas da classe média, e você pode ver que o Ameno Resedá era um bloco de sociedade, foi um rancho de elite, e depois do aparecimento do Ameno Resedá trouxe realmente uma satisfação visual para muita gente e, ao mesmo tempo, decretou a decadência de todos os outros, porque o que ocorre com as escolas de samba hoje em dia é o que ocorreu com as gafieiras em relação à classe média.

Ela invadiu as gafieiras e, acho que já disse isso, umas cinqüenta vezes. Foram lá. Foram assistir aquele modo característico, todo especial, de se dançar em gafieira, de elemento de gafieira. Bem, mas chegando lá os elementos de classe média ao invés de se submeterem ao regime de gafieira sem interferir no comportamento do dançarino de gafieira, do freqüentador da gafieira, eles começaram a fazer amizade com os donos das gafieiras. Ora, o dono de gafieira é um comerciante como outro qualquer. E incutiram na cabeça deles que se botassem uísque em vez de batidas de limão, de pêssego, etc, leite de onça, se eles substituíssem o sanduíche de salame por outros salgadinhos mais sofisticados, eles ganhariam mais dinheiro porque esses freqüentadores de classe média trariam outros elementos de classe média para fazer despesa. Muitos deles, é verdade, pediram empréstimos e realmente ganharam muito dinheiro. Eles investiram no negócio. E a classe média estava presente recusando o sanduíche de salame e as batatinhas. E aí o que ocorreu? Esta gente, não satisfeita em impor as sua bebidas e as suas comidas dentro daquele ambiente, os seus costumes, passaram a impor também a sua maneira de dançar. Ou se não quiseram impor, pelo menos começaram a dançar da maneira que sabiam dançar ou tentaram imitar os dançarinos de gafieira sem saber. Eles pisavam os pés dos dançarinos de gafieira. Os dançarinos de gafieira faziam aquelas filigranas, aquele bailado, sem prejudicar a dança dos companheiros. Eles não chegaram pisando os pés dos outros e os elementos naturais das gafieiras foram se afastando e chegou um momento em que a classe média se viu sozinha nas gafieiras. Então, aqueles que eram atração nas gafieiras, desapareceram, criaram novos hábitos da classe média. Então, está havendo uma inversão de comportamento. Bom, quando a classe média se viu sozinha nas gafieiras, sem o elemento de atração para ela, ela se afastou também. Então, as gafieiras foram fechando. Então, eu sou contrário à tese do Albino Pinheiro, quando ele diz que as gafieiras fecharam por causa do metrô. Não é verdade, muito antes do metrô elas já tinha desaparecido. Agora, ele como elemento da classe média...

É, meu amigo, não é nada pessoal, é uma questão de ponto de vista, que é antagônico ao dele. Não é verdade, antes do metrô as gafieiras já tinham desaparecido. O Elite ainda está aí suportando o Rio de Janeiro. Mas, a Estudantina que pegava as sobras do Zicartola, já fechou há muito tempo. O Mauá já fechou há muitos e muitos anos. A Pavuna Grande também, e outras mais aí... Aquela gafieira da Rua de Santana, chamada Cheira Vinagre, o Dragão, tudo isso foi fechado por causa da invasão do elemento de classe média que marginalizou dentro do seu próprio reduto, o elemento de gafieira.

Bom, a classe média tomou um divertimento barato. Acabou com o divertimento deles. Mas, ainda tinha a escola de samba como opção. E a classe média foi para as escolas de samba e a mesma coisa está ocorrendo com as escolas de samba. Esse processo inflacionário é o resultado. Com fantasia de custo superior a dez mil cruzeiros, coisa que o sambista salário-mínimo não suporta. Não pode suportar financeiramente. Como ele não podia tomar uísque na gafieira, como ele não pode comer salgadinhos mais caros, acostumado que estava com o sanduíche de pão francês com salame. Com batidas. A mesma coisa está ocorrendo com as escolas de samba. Algumas têm uísque para vender, mas mesmo a bebida normal do sambista está custando um preço absurdo. Uma garrafa de Leite de Onça custa tão caro que você tem a impressão que ali dentro tem ouro. Uma garrafa de cerveja a Cr$ 30,00. Então, as escolas de samba hoje, apesar de serem consideradas, até por decreto, como de utilidade pública, não é de utilidade pública coisa nenhuma. Elas são pequenas empresas. Onde é que está a utilidade pública? São empresas, não são mais de utilidades públicas. Você paga no primeiro passo que você dá dentro do terreiro, verdadeiras casas de comércio. Então, as escolas de samba estão sujeitas a influências, isso, todos nós estamos sujeitos a influências.

JBR – Bom, isso também foi dito pelo Paulinho e pelo Candeia, que ninguém tem ilusão de que as escolas voltem a ser o que eram há muitos anos. Eles acham que apesar dos compromissos com turismo, comprometimento de ordem financeira e tudo mais, a estrutura interna das escolas não deve sofrer alteração. Acontece que as escolas estão se transformando também internamente, na sua essência, lá dentro.

EM – É claro. Eu vou chegar onde você quer. O que ocorreu foi o seguinte.

JBR – Peraí, só pra acabar meu raciocínio. Eu quero dizer que, por exemplo, a Riotur interfere bastante em todo esse processo, a partir do momento em que ela mantém contratos de prestação de serviços com os sambistas, mas ela não vai lá dentro do terreiro da escola, determinando qual samba-enredo que vai representar a agremiação, ou determinar se fulano ou beltrano farão ou não parte da Ala de compositores da escola, certo? Ela não diz, por exemplo, que o samba vencedor deve ser o do Jair Amorim e do Evaldo Gouveia, entende?

EM – Certo, mas eu quero dizer pra você porque existe esse processo de permissividade dentro das escolas. Isso ocorre por causa da inflação existente hoje nas escolas. Então, um grande passista, um grande mestre-sala, um grande diretor de harmonia, descobriram que para comprarem uma fantasia cara, basta que eles trabalhem como garçons ou roleteiros nas escolas. Então, ele se evadiu do terreiro da escola de samba para a roleta, ele se transferiu do terreiro das escolas para servir nas mesas. Deixou de ser sambista para ser roleteiro, para ser garçom, pra ser cozinheiro, porque ele sabe que dentro da escola de samba ele recebe dinheiro sem se aborrecer a troco de nada, vamos dizer assim como uma troca. Uma compensação financeira. É isso exatamente, uma compensação financeira. Então, ele prefere trabalhar de garçom. Quem perde com isso? Um grande mestre-sala deixa de dançar para servir cerveja. Perde-se um grande mestre-sala e ganha-se um mau garçom, perde-se um grande tamborinista e ganha-se um péssimo roleteiro que, às vezes, trata mal o usuário, porque ele está revoltado. Nos seu subconsciente ele sabe que ali não é o seu lugar. Ele pode desconhecer as causas, ter consciência do porque de ele estar ali, mas ele, no fundo sabe que ali não é o seu lugar, ele fica revoltado.

Então, é por isso que digo que escola de samba hoje, a situação dela é muito profunda. Escola de samba hoje deve ser e pode ser objeto de estudo sociológico, político, econômico, etc. Psicológico também, porque o comportamento de um “roleteiro” desses é digno de ser estudado por um psicológico e por um sociólogo também. A inflação, o alto custo da fazenda, da fantasia, aliás, do instrumental, da bebida, porque antigamente a escola de samba foi criada para oferecer um divertimento barato. A partir do momento que esse divertimento está caro, esse elemento quer permanecer. Porque ele acha que é filho daquilo, ou acha que os avós dele foram os criadores daquilo e eles acham que o ambiente deles é aquele.

Então, eles querem permanecer ali, mas não sabem mais como permanecer ali, sentindo-se bem, então, passam a disputar um lugar de garçom e de roleteiro. E aquele que não consegue esse lugar, porque a escola não pode ter tantos garçons e tantos roleteiros, então eles passam a fazer comércio com a ala da escola. Eles vendem uma vaga na ala, vendem uma ala para outro. O cara tem uma ala que é famosa, por exemplo, a ala das marquesas, vamos dizer assim, essa ala é famosa, então, o líder da ala, vende um “título” oficial, quer dizer, sem registro de título oficial, nada disso. Vende por dez mil, acho que tá por aí o preço. Então, eles estão vendendo tudo, inclusive, a cultura deles. Estão vendendo a sua própria cultura. É o que vem ocorrendo nas escolas de samba. Então, um componente que não é iniciado em escola de samba, e nunca se dedicou ao samba, mas que muito marotamente já percebeu que samba-enredo já está sendo objeto de cobiça do comércio musical, o que ele faz? Ele também já chegou à escola de samba. Os chamados colunáveis, foram os primeiros a chegarem às escolas de samba. Porque há pessoas que não vêem seus nomes na coluna social, e para essas pessoas, a realização máxima é ter os seus nomes nas colunas sociais. Esse me parece ser o objetivo de muita gente que hoje está, por exemplo, na Portela, como é o caso do Hiram Araújo. São pessoas minhas amigas, o Hiram, Carlos Lemos, Pederneiras, são elementos que, sabe... O Hiram é médico, o outro é jornalista, o outro dentista, então eles querem se ver citados numa coluna social. E, como eles não têm o outro meio de chegar à coluna social eles se utilizam das escolas de samba para atingirem os objetivos deles. Então, o compositor que nunca se dedicou à escola de samba, percebendo que o samba-enredo hoje...

JBR – Bom, se dá destaque prum médico, dá muito mais para um compositor né?

EM – Exato. Dá porque o colunista social quando faz uma citação de uma determinada pessoa na coluna social, ele dá a entender ao leitor dele que está bem por dentro dos outros componentes das escolas de samba. Então, ele cita nomes de pessoas da comunidade, o lado desses que estão procurando promoção pessoal. Pra dizer – que está a par da vida da escola. Então, o compositor de classe média que nunca se dedicou à escola de samba, percebe que é um acordo meio de divulgação, não só pessoal como profissional. E, chega trazendo vícios dos meios de divulgação do comércio musical, a chamada caitituagem paga, que já está dentro das escolas de samba. Então, hoje, o compositor que não é de escola de samba mas que já conseguiu numa ala de compositores, paga, porque ele sabe que para cantar samba-enredo e preciso ter determinadas... Um tipo de interpretação à qual ele não está acostumado, exige sacrifício de quem canta, porque às vezes um puxador de samba fica mais de uma hora cantando um samba-enredo, então, ele paga a elementos da escola de samba para fazerem isso. É a chamada caitituagem paga, um vício do comércio musical.

JB – Depois, o próprio sambista tem de pagar aos colegas para poder cantar o seu samba. Quer dizer, o elemento natural da comunidade vê-se obrigado a entrar no esquema de caitituagem, para que, por exemplo, a bateria toque durante a apresentação de seu samba, do contrário vai cantar sozinho. É o começo da desunião, certo?

EM – Perfeito. Então, está dividindo a escola. Esses vícios de caitituagem que estão sendo trazidos para as escolas de samba estão provocando a desunião dentro da escola de samba. Tá dividindo a escola. Então, se não pagar a bateria e um determinado número de coristas para cantar o samba-enredo, o puxador de samba terá de cantar sozinho. Você está percebendo que quem tem maior poder aquisitivo é que está mandando hoje na escola de samba. Então, o sambista está em último plano. E o samba também. Fica o sambista marginalizado dentro de seu próprio ambiente. Ele hoje é garçom, varredor da sede, roleteiro, carpinteiro, só não é sambista. Tudo que ele pode fazer dentro da escola de samba para tirar proveito, ele vai fazer. Ganhar dinheiro, ele se acha no direito de tirar proveito também daquilo que ele criou. Mas, acontece que esse proveito que ele tira é muito menor do que o tirado por aqueles que se promovem através de colunas sociais, sendo citados como ilustres médicos, ilustres jornalistas, então, são pessoas que procuram chamar a atenção da sociedade de um modo geral. E, não há dúvida que isso tem reflexo na profissão deles, só traz benefícios, profissionalmente falando.

Agora, o sambista que era um excelente passista e que passou a varrer, esse não vai se promover como um grande varredor, porque isso é subemprego e subemprego é o que mais existe hoje em dia, aqui. Ser promovido como um integrante de uma classe de subemprego, isso não leva a nada. Porque até a invasão dessa turma de classe média no meio do samba, o sambista, o cenógrafo, que hoje é chamado de carnavalesco, ele dava vazão às suas tendências artísticas. Mas hoje, o elemento natural da escola de samba não faz mais o carnaval, porque o carnaval hoje é feito por um grupo de acadêmicos liderados por um professor deles, geralmente é assim, ele não faz mais samba-enredo, porque esse negócio eclodiu agora com a Portela, a tomada do samba-enredo foi oficializada agora com a Portela, então, ele não é mais destaque, porque o destaque nunca teve sentido de ostentação, que aos poucos esse sentido foi crescendo dentro da escola, e hoje o destaque...

14 de junho de 2008

Adeus Jamelão

O mangueirense José Bispo, o popular Jamelão, partiu aos 95 anos de idade nesta madrugada de sábado.
Que descanse em paz.

13 de junho de 2008

Bula da Cumbuca

Logo mais, à noite, tem uma boa roda de samba no Kabul, um agradável bar situado numa travessa da Avenida Consolação. É o Bula da Cumbuca, integrada pelos já anteriormente citados aqui Edu Batata, Paulinha Sanches, Paulinho Timor, Marcelo Homero, além do pandeirista Kaká Sorriso e do excelente Luis To Be no sete cordas.

O Kabul fica na Rua Pedro Taques nº 124. Couvert artístico: 10 reais. A roda começa lá pelas 22 horas.

10 de junho de 2008

As belas melodias de Anabela


Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a compor um samba-enredo para uma escola de samba, o Império Serrano. Antes disso, já fazia, escondida, seus sambas de terreiro. Compunha e jogava na mão de seu primo Fuleiro, o mestre, que apresentava, sempre com grande sucesso, nas rodas de samba. Bem antes dela, Dolores Duran também fazia história ao compor suas próprias canções que interpretava.

A história de compositoras talentosas de samba no Brasil ainda é curta. A grande maioria das boas intérpretes de samba são exclusivamente cantoras e não arriscam tirar a sorte com as melodias e poesias. Recentemente tivemos a grata surpresa da Teresa Cristina, que também é compositora. Mas o melhor ainda estava por vir. E veio.

Há alguns meses atrás, tive o prazer de ouvir uma composição de Roberto Didio e Renato Martins, chamada “O mar e o amor” interpretada pela excelente cantora Anabela, do Núcleo de Samba Cupinzeiro, de Campinas. Uma beleza! Pouco tempo depois, fiquei sabendo que o CD do Cupinzeiro (do qual ainda irei me aprofundar mais em outra ocasião) estava no forno e que Anabela, além de cantar, teria algumas composições no disco.

No começo desta semana, finalmente, escutei com toda a calma do mundo o maravilhoso trabalho do Cupinzeiro. E qual não foi meu espanto ao ver que a belíssima cantora também é compositora de mão cheia. E excelente instrumentista!!!

Inerte, sentado no sofá com o encarte do álbum na mão, consegui me transportar para uma roda de samba lá em Barão Geraldo, que ainda não tive o prazer de conhecer. Refleti e senti que o espírito da roda de samba, que é o que nutre de vida e emoção o samba, está presente nas composições de Anabela.

Em “O samba chama”, ela interpreta sua composição, além de bater o surdo com muita categoria. Vale a pena escutar.

O samba chama (Anabela)

Nego, eu fui ao samba
Fui para ser a sua companheira
Porém cheguei mais tarde
Me deste uma rasteira

A dama era linda
Que graça, que beleza
Você fazia mestre sala
Exaltando as formas
Dando bandeira
Triste é saber
Que dançaste com outro alguém
Não vou lhe perdoar
Companheira de orgia
Não mais serei

Minha bandeira
Eu não vou guardar
Descobri que não sou sua
Pode acreditar
Sou do samba que sempre chama
Ele não me abandonará



3 de junho de 2008

O samba paulistano

A Paulicéia já foi chamada de “túmulo do samba” por Vinícius de Moraes, o poetinha. Até hoje, muitos cariocas não admitem (ou fingem não acreditar) que paulista saiba fazer samba. A levada é diferente, as raízes de um lugar são diferentes das raízes do outro, a melodia, a harmonia, a inspiração, tudo varia de um lugar para o outro. É preciso ir atrás, resgatar, descobrir, garimpar novos talentos do samba na cidade de São Paulo. Entretanto, quando se vive o samba em toda sua intensidade, os nomes surgem. E com eles o samba puro, autêntico, sem deturpações. Do jeito que o mestre Candeia gostaria de ver e ouvir.

Paulinha Sanches, Paulinho Timor, Marcelo Homero e Edu Batata são alguns desses nomes bons de São Paulo. Jovens, talentosos e, acima de tudo, sambistas, valorizam o que há de mais sublime no samba: a cadência, os versos ricos em melodias, a inspiração espontânea e, como não poderia deixar de ser, a harmonia, tanto aquela que vem da música quanto aquela que envolve a todos, nas rodas de samba.

Paula Sanches é uma das mais talentosas e promissoras cantoras que surgiram no meio do samba nos últimos tempos em São Paulo. Diferente das jovens cantoras de MPB que pipocam por aí (e que cantam qualquer coisa, sem uma linha específica), Paulinha é uma cantora romântica. Romântica no sentido mais puro da palavra: é uma cantora de samba porque ama o samba, porque vive o samba e porque cultua o samba. É uma sambista da linhagem de Isaurinha Garcia, Linda Batista e Carmen Miranda. Suas interpretações marcantes de sambas sincopados do passado a diferenciam das outras “sem linhagem”. No samba “Não Bula na Cumbuca” de Paulinho Timor, ela esbanja categoria. Gravando com descontração, como se estivesse numa roda de samba na “Meirinha”, Paulinha mostra pra que veio: pra continuar o legado riquíssimo do samba, para mostrar que há novas (e boas) cantoras de SAMBA surgindo e, principalmente, para tocar a sensibilidade humana com interpretações de sambas tão comoventes. Uma cantora de categoria, uma sambista de S maiúsculo.

Quem interpreta a outra composição de Paulinho Timor, “Aquela Maria” é o sambista Marcelo Homero. Cantor, ritmista dos bons e compositor, Marcelo é um dos fundadores do Projeto Nosso Samba, de Osasco, que tem como propósito resgatar e preservar o samba de terreiro autêntico e atualmente toca surdo e canta no conjunto Inimigos do Batente, além de fazer uma roda por semana com os amigos Paulinho Timor, Paulinha Sanches, Edu Batata e Kaká Sorriso no Clube Etílico Musical, o famoso bar da Meirinha, na Vila Madalena. Marcelão já acompanhou nomes como Wilson Moreira, Germano Mathias e Tantinho da Mangueira, além de outras feras do Rio e de São Paulo. Seu timbre de voz é inconfundível e sempre surpreende os apreciadores de samba mais exigentes com seu repertório de sambas “lado B”. É um monstro do samba.

O compositor destes dois sambas chama-se Paulo Leal Ferreira Vargas Netto, mas é conhecido nas rodas de samba como Paulinho Timor. Apesar da pouca idade (25 anos), tem experiência de sobra no mundo do samba. Afinal, não é qualquer um que já tocou tamborim com Monarco, versou com Wilson Moreira e comeu os quitutes da Tia Surica... Paulinho é compositor dos bons. Seus amigos mais próximos sabem cantar de cor e salteado dezenas de (bons) sambas que nunca foram gravadas, mas ficam para sempre na memória do sambista. E ficam na memória apenas porque emocionam e tocam no fundo da alma da gente. Batuqueiro nato e cavaquinista por diversão, ele também já acompanhou muitos bambas pela estrada da vida afora. Uma de suas maiores emoções foi acompanhar o mestre Roberto Silva, de quase 90 anos, numa roda memorável no bar Ó do Borogodó. Esse promete.

Por fim, falaremos do cantor, cavaquinista e compositor Eduardo Luiz Ferreira, o Edu Batata. Diretamente de Pirituba, zona oeste de São Paulo, esse mestre do cavaco comove com seus floreados e acordes divinais todos que tem o samba como ideal e paixão maior na vida. Tocando com os Inimigos do Batente, com o Samba Rahro, na roda de samba semanal da Meirinha ou com os amigos, Edu toca seu cavaco com um sorriso estampado no rosto. Sorriso esse que parece se misturar com os acordes que ressoam de seu cavaquinho e contagia a todos. Ao longo de sua carreira, já acompanhou grandes personalidades do samba como Monarco, Jair do Cavaquinho e Xangô da Mangueira. Seu coração é cheio de amor como suas composições são ricas em melodia.

Meu pinho (Edu Batata / Airton Weckerlin)

Quando abraço meu pinho e vejo um novo caminho
Pra essa dor de mudar
Pois é dentro do peito que ela quer se instalar
Mas quando te acaricio, as notas que soam vêm pra amenizar Trazendo junto a mim uma imensa alegria
Inocente, tão singular (2x)

Belos acordes e sons que até a passarada faz invejar
Miraculoso remédio que tira o tédio quando o ouvido apura
Luz que ilumina meu ser me devolve esperanças
Rica és tua melodia, claves soltas pelo ar
Agonias que somente você, ó meu pinho, pode entoar
Vou lhe render homenagens, vou lhe aclamar
Pra Rafael, Luizinho e Dino gostar

Remador de todas as marés Maurinho de Jesus / Edu Batata)

Meu samba é remador de todas as marés
Ao ver o amor que desaguou num imenso mar
Se agitou feito as ondas que a tempestade provocou
Me dá inspiração que transformo em papéis
Pois é remador de todas as marés

Meu samba não tem fronteiras
Supera barreiras, cruza continentes
Não teme as cordilheiras
Os pólos gelados, desertos mais quentes
Meu samba não se entrega
Ele forte, navega
Não vai naufragar
Num mar de tranqüilidade, espiritualidade
Ele vai ancorar

Meu samba tem seus critérios
Possui seus mistérios
Pois é divinal
Vem com as gotas de orvalho
Os pingos da chuva
Com o temporal
Vai mergulhar no oceano
Diluindo assim minha desilusão
E emergir apaixonado
Assumindo o leme dessa embarcação

Semente de Donga (Edu Batata)

Sou o brilho forte que clareia
E une um amor ao ideal
Só quem é do samba o traz na veia
Luta para o bem vencer o mal
Sou o filho dos morros e favelas
Do jongo e dos bambas imortais

Sou, sou samba raro, sim senhor
Semente que Donga plantou
Raiz que envelhece, mas não morrerá jamais
Sou o tronco que frutificou
Sou vaso ruim de se quebrar
Deixa essa cadência te levar

Senhora da Doçura (Edu Batata)

Comprei flores e rosas para lhe ofertar
E bate cabeça no congá
Com ervas me banhei, na gira não girei
mas missangas comprei pra te adorar

Velas brancas e rosas pra glorificar
vou pedir maleme a Oxalá
Nas matas me embrenhei
Mas Oxossi escutei
Salve a Mãe da Doçura e do Amor

Mãe dos Amores, ouro de lá, de além mar
Vaidosa nas cores, belo orixá (2x)

E a canção que fiz foi pra Oxum
Salve Nossa Senhora Conceição
Que nunca faltem flores para Oxum
Para não faltar amor no coração

Vou me procurar (Edu Batata)

Vou me procurar entre velhas cinzas do passado
Quem sabe, nelas remoendo, me encontre de novo
Estou perdido na poeira, desorientado
Pisando descalço em pregos, espinhos, estorvos
Tingido os olhos de vermelho, um dia eu vi
Meu rosto refletindo no espelho da dor
No peito cheio de remorso
Entre mil destroços, quase sucumbi
Sem rumo, sem riso, sem chão, sem amor

Sentindo um vento gelado batendo em meu rosto
Cortando minha face, uma lágrima cai
Tristes lembranças aumentam ainda mais meu desgosto
Rancores, tantos dissabores, amarguras não saem

Eu vivo perdido no tempo sentindo uma dor atroz
Carrego só ressentimentos
No silêncio da noite, meu grito é feroz
Minha alma reclama cansada
Meu corpo agoniza em dor
Eu sou a lâmpada apagada, pintura que perdeu a cor

Preciso me achar, vou me procurar, eu vou (2x)
Entre velhas cinzas do passado

Ficha técnica dos sambas do Edu Batata:

Voz: Edu Batata
Violão: Wesley Ferreira
Violão de 7 cordas: Wesley Ferreira
Bandolim: Getúlio Ribeiro
Percussão: Hildo Rodrigues
Participações: Samba Rahro, Rodrigo Pirituba, Kiko Dinucci, Paulinha Sanches, Paula Klein, Railídia Carvalho, Dulce Monteiro e Mara

Não bula na cumbuca (Paulinho Timor)

Toca marimba, não bula na cumbuca
Segura a moringa, não deixa cair
Se o meu bolso pegou fogo
Se eu não dei sorte no jogo
Se o canário tava rouco
O que é que eu vou fazer?
Vou ficar no meu canto
Sem nenhum espanto
Na bola de meia pra não me atrasar
Se a coisa tiver feia eu vou pra casa
Eu não sou brasa para me esquentar

E o axé vem
Vem lá da Bahia
Vem trazendo muita alegria
Nessa pegada, viro duas madrugadas
Na levada da viola que meu samba tem

Voz: Paulinha Sanches
Caixa de fósforo: Paulinho Timor
Rebolo: Marcelo Homero
Pandeiro: Kaká Sorriso
Cavaco: Edu Batata
Violão de 7 cordas: Luiz Tchubi
Clarinete: Alexandre Ribeiro

Aquela Maria (Paulinho Timor)

Vocês conhecem aquela Maria
Ai se um dia ela me quisesse bem
Faria tudo o que ela pedisse
Mesmo achando tolice
Mesmo que não me convém
Pois quando ela passa eu acho graça
Ai se ela achasse graça em mim também
Maria dos meus sonhos encantados
Fique ao meu lado que viverás muito bem

Iríamos para França, para Itália e Portugal
Para Cancún, Noronha, todo nosso litoral
Camarão, lagosta, eu mesmo cozinhava
A sobremesa ela escolhia, eu mesmo que preparava
E se ela gostasse de um belo souvenir
Eu daria mesmo tudo
Eu daria mesmo sem ela pedir
E se ela gostasse de um belo souvenir
Eu daria mesmo sem ela pedir

Voz: Marcelo Homero
Rebolo: Paulinho Timor
Pandeiro: Kaká Sorriso
Cavaco: Edu Batata
Violão de 7 cordas: Luiz Tchubi
Clarinete: Alexandre Ribeiro

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